Grégoire mora não muito longe aqui de casa, no 19eme arrondissement de Paris. Tem 38 anos. Em 2005, cansado do “sofrimento psíquico” do trabalho como técnico em informática, resolveu parar de trabalhar. Antes, ganhava 2 mil euros por mês. Nos primeiros dois anos sem fazer nada, ganhou 1,2 mil euros do governo. Hoje, a barbada caiu para 650 mensais. Mas ele segue firme no propósito. Gasta 410 euros no aluguel de um quitinete e passa 90% do seu tempo em casa mesmo, jogando videogame.
A única despesa diária pelas ruas de Paris é um expresso na cafeteria, onde aproveita para ler os jornais de graça e roubar os saquinhos de açúcar. “Trabalhei durante nove anos”, contou Grégoire à revista descolada Les Inrockuptibles. “Ao final, senti aborrecimento e frustração. Hoje, recuso todas as ofertas de trabalho. O sofrimento ligado ao trabalho era grande demais”.
Trabalhar é coisa do passado. Os franceses não querem mais trabalhar, e, para deixar isso claro, há dois dias estão tomando as ruas de Paris e de outras capitais da França para protestar. O objetivo é barrar a reforma das aposentadorias proposta por Nicolas Sarkozy. A França tem a duração de trabalho regulamentar mais curta da Europa – o pessoal, por aqui, se aposenta aos 60 anos. A conta da previdência, claro, não fecha mais, e o Congresso aprovou nova idade para colocar o pijama: 62 anos. Os franceses ficaram indignados.
Gregóire foi uma das 10 pessoas entre 25 e 40 anos entrevistadas pela Les Inrocks que não se conhecem entre si, mas já integram um movimento: a dos jovens franceses que decidiram preencher as tardes com uma soneca. Esta geração está retratada no livro recém-lançado Libre, Seul et Assoupi (Livre, Sozinho e Sonolento), de Romain Monnery.
As manifestações são para proteger um direito e dizem respeito aos sessentões, pensei eu. Aparentemente, não há maior relação com este fenômeno dos jovens aposentados. Mas talvez só aparentemente. Percebi isso ao tropeçar, entre as milhares de pessoas, em batalhões de adolescentes. As escolas aderiram aos protestos.
Tá aí: trabalhar é coisa moderna demais para a pós-modernidade. E não existe nada mais velho do que a modernidade por aqui. Está lá, escrito na porta de um dos banheiros da Universidade de Sorbonne, os mesmos de maio de 1968, pichado por algum jovem intelectual bastante ocupado: “O trabalho mata”.
Fonte: Diário Catarinense - 20 de outubro de 2010
Comentário: Entenda o que está em jogo na reforma da previdência
■ Idade mínima para aposentadoria passa de 60 para 62 anos
■ Idade para aposentadoria plena passa de 65 para 67 anos
■ Exceções: Trabalhadores que começaram a vida profissional antes dos 18 anos de idade, profissionais de risco, vítimas acidente ou doença de trabalho
■ Estímulo para contratação de funcionários com mais de 55 anos de idade
■ Aumento de impostos para financiar previdência: um ponto percentual a mais no imposto de renda das faixas mais alta, e um ponto percentual a mais sobre determinadas negociações imobiliárias
■ Equiparação dos setores público e privado, com aumento na contribuição no setor público
■ Melhorar os benefícios para desempregados
■ Melhorar o benefício para mulheres, eliminando redução decorrente do benefício maternidade
■ Objetivo: Equilibrar receitas e despesas do setor até 2018
Fonte: "Le Figaro"
Para os críticos da reforma do governo, aumentar a idade de aposentadoria é mais uma medida para desmontar a tradição de garantias sociais dos franceses, em nome de uma sociedade mais parecida com o capitalismo norte-americano. UOL Notícias - 20/10/2010
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