Trecho da primeira crônica de Nelson Rodrigues sobre Pelé - 25/02/1958
Reparem na data e nas palavras do Nelson Rodrigues, antes da Copa do Mundo
de 1958.
Santos 5x3 América, 25/02/1958, no Maracanã, pelo Torneio Rio-São Paulo
Depois do jogo América x Santos, seria uma crime não fazer de Pelé o meu
personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade Albert Laurence chama
de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: —
dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é
a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter
dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em
campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não
sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente perfeito, do seu
peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — Ponham-no em qualquer rancho
e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor.
O que nós chamamos de realeza é, acima de todo, um estado de alma. E Pelé
leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei,
da cabeça aos pés.
Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem
escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação
de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior
meia do mundo?”. Ele respondeu, com a ênfase das certeza eternas: — “Eu”.
Insistiram: — “Qual é o maior ponta do mundo?”. E Pelé: — “Eu”. Em outro
qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que
diz uma tal carga de convicção, que ninguém reage e todos passam a admitir que
ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no
centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé.
É preciso algo mais, ou seja, essa plenitude de confiança, certeza, de
otimismo, que faz de Pelé o craque imbatível. Quero crer que a sua maior
virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de
todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida
docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é
imprescindível em qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há
de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se
inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente que
precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os
nossos adversários uns pernas-de-pau.
Vale a pena ver os vídeos
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