Para os deputados suecos do novo Parlamento, eleito em
setembro passado, a realidade é a austeridade de sempre: gabinetes de sete
metros quadrados, apartamentos funcionais pequenos e rígidos limites para o uso
do dinheiro dos contribuintes no exercício da atividade parlamentar.
Não são oferecidos a deputados suecos benefícios extras como
aqueles concedidos a parlamentares no Brasil, a exemplo de verbas para
fretamento de aeronaves; aluguel e demais despesas de escritório político na
base eleitoral; alimentação do parlamentar; contratação de secretária e entre
25 e 50 assessores particulares; ressarcimento de gastos com médicos;
auxílio-creche pago por cada filho até os seis anos de idade; auxílio-mudança
para se transferir para a capital; fundos para contratação de consultorias;
assinatura de publicações e serviços de TV; além de verba para divulgação de
mandato.
E imunidade parlamentar é um conceito que não existe na
Suécia.
TRANSPORTE
A cada início de mandato, o que os 349 deputados suecos
recebem – assim como o Presidente do Parlamento – é um cartão anual para usar o
transporte público. E também um robusto código de ética, que vem acompanhado
ainda por um conjunto de informações sobre o restrito uso das verbas públicas e
normas de conduta para a atividade parlamentar.
Carros oficiais são poucos, e para uso limitado. O
Parlamento possui apenas três veículos, modelo Volvo S80. Esta frota de três
está à disposição somente do Presidente do Parlamento e seus três
vice-presidentes, para eventos oficiais.
"Não é um serviço de táxi", diz René Poedtke, do
setor administrativo do Parlamento. "Os carros não estão disponíveis para
levá-los para casa ou para o trabalho."
Na Suécia, o único político que tem direito a carro em
caráter permanente é o primeiro-ministro. O carro pertence à frota da polícia
secreta sueca, a Säpo (Säkerhetspolisen). Ministros podem requisitar veículos
"quando têm fortes razões para precisar de um", segundo diz um
assessor do governo: "Por exemplo, quando vão fazer um discurso em um
subúrbio distante".
PARLAMENTARES NÃO PODEM AUMENTAR O PRÓPRIO SALÁRIO
O salário bruto de um deputado do Parlamento sueco é de
66,900 coroas suecas por mês (cerca de R$ 27 mil). Descontados os altos
impostos, um parlamentar recebe vencimentos líquidos de aproximadamente de
40,000 coroas suecas (pouco mais de R$ 16 mil) – o que equivale a menos que o
dobro do que ganha um professor do ensino fundamental na Suécia.
Se um deputado sueco tem sua base eleitoral fora da capital,
pode solicitar o chamado traktament, uma ajuda de custo para os dias da semana
em que trabalha em Estocolmo. O valor desta diária, paga estritamente aos
parlamentares que não têm residência permanente na capital, é de 110 coroas
suecas (aproximadamente R$ 45).
E nenhum deputado sueco tem o privilégio de aumentar o
próprio salário: na Suécia, os salários dos parlamentares são determinados por
um comitê independente, chamado Riksdagens Arvodesnämd.
Três pessoas compõem este comitê: um presidente, que via de
regra é um juiz aposentado, e dois representantes, que são em geral
ex-servidores públicos ou jornalistas. O comitê é nomeado pela Mesa Diretora do
Parlamento.
"Não há nenhum parlamentar entre nós. Somos um comitê
com independência garantida pela Constituição. A Mesa Diretora do Parlamento
não pode nos dar nenhuma diretriz", disse o presidente do comitê, Johan
Hirschfeldt.
Ex-presidente da Corte de Apelação de Estocolmo, Hirschfeldt
conta que o comitê se reúne uma vez por ano, após o recesso parlamentar do
verão europeu. "Isso não significa que os deputados ganhem aumento de
salário todos os anos", ele observou.
Para avaliar se os deputados terão ou não aumento de
salário, Hirschfeldt diz que o comitê faz uma análise das circunstâncias
econômicas da sociedade como um todo, incluindo índices de inflação e de
variação salarial tanto no setor público como no privado. "Quando nos
reunirmos da próxima vez, vamos avaliar as circunstâncias gerais, e talvez
decidir dar um aumento aos parlamentares entre 1% ou 1,5%. Ou talvez não
daremos aumento nenhum".
A decisão do comitê é soberana: não pode ser contestada, e
não necessita ser submetida a votação no Parlamento. "Os parlamentares não
têm nenhum poder de decisão no processo. E não sei se ficam satisfeitos ou não
com o salário, porque nenhum parlamentar nunca telefonou para pedir mais, nem
reclamar", diz o presidente do comitê.
Aumentos de salário dos ministros e do primeiro-ministro são
também decididos por um comitê independente, o Statsrådsarvodesnämden.
ACESSO LIMITADO A APARTAMENTOS E QUITINETES FUNCIONAIS
O apartamento funcional do deputado Per-Arne Håkansson tem
46 metros quadrados. Apenas políticos com base eleitoral fora da capital, e que
não possuem imóvel próprio em Estocolmo, têm direito a viver em apartamentos -
ou até quitinetes - funcionais. E o Presidente do Parlamento sueco não tem
direito a residência oficial.
Os apartamentos funcionais têm em média 45,6 metros
quadrados. Já as quitinetes funcionais têm apenas 16 metros quadrados. Do total
de 197 imóveis administrados pelo Parlamento sueco, apenas oito dispõem de
espaço entre 70 e 90 metros quadrados.
Além do sofá-cama, uma mesa, um pequeno armário, uma
minicopa com um fogão de uma boca, um frigobar e um banheiro são suficientes
para preencher o espaço de pouco mais de 16 metros quadrados de um dos
apartamentos funcionais, situado na rua Monkbron.
Nos imóveis funcionais não há máquina de lavar roupa, nem
lavadora de pratos, e nem mesmo cama de casal - apenas de solteiro. Em grande
parte dos apartamentos funcionais, não há sequer quarto: um único cômodo,
mobiliado com um sofá-cama, funciona como sala e quarto de dormir.
Em todos os prédios de apartamentos funcionais, as
lavanderias são comunitárias, e os deputados precisam marcar hora em um
fichário para lavar a roupa suja. Nestas lavanderias comunitárias, geralmente
situadas no porão dos prédios, também há tábuas de passar roupa à disposição
dos deputados.
Também são os próprios parlamentares que cozinham e cuidam
da limpeza da casa. Faxina gratuita nos apartamentos funcionais, segundo o
setor de administração do Parlamento sueco, só uma vez por ano, durante o
recesso parlamentar de verão.
FAMILIARES DOS PARLAMENTARES DEVEM PAGAR PARA PERNOITAR NOS
IMÓVEIS FUNCIONAIS
Mais: o erário público paga apartamentos funcionais
exclusivamente para parlamentares. A cônjuges de deputados, familiares e afins,
é negado o benefício de morar ou até mesmo pernoitar em propriedade do Estado
sem pagar. Quando o familiar de um parlamentar passa uma temporada no imóvel
funcional, o deputado tem prazo de um mês para ressarcir o erário pelos dias de
pernoite.
E se a mulher de um deputado do interior decide viver no
apartamento funcional da capital com o marido, cabe a ela arcar com a metade do
valor do aluguel.
"É claro que não pagamos para ninguém morar de graça, a
não ser os parlamentares com base eleitoral fora da capital", diz a chefe
do setor de Serviços Parlamentares, Anna Aspegren.
Na creche do Parlamento, os deputados podem deixar
ocasionalmente os filhos com idades entre um ano e treze anos, durante sessões
deliberativas.
"Mas os deputados devem pagar pelo almoço das
crianças", explica Monika Karlsson, funcionária da creche. Em dias de
sessão noturna, a creche fica aberta até à meia-noite - ou mais.
Os parlamentares têm duas opções de moradia na capital
sueca: a primeira é viver em um dos apartamentos ou quitinetes funcionais. A
segunda é alugar um apartamento por conta própria, e cobrar do Parlamento o
ressarcimento correspondente ao valor do aluguel. Neste caso, o valor máximo
que o Parlamento reembolsa aos deputados é de 8 mil coroas suecas mensais (o
equivalente a cerca de R$ 3.500), quantia relativamente baixa para a escassa
oferta imobiliária do centro da capital.
"Mas os parlamentares que vivem com o cônjuge em um
apartamento alugado só podem pedir reembolso da metade do valor do aluguel, e
têm que pagar do próprio bolso pela manutenção do imóvel", explica Anna
Aspegren.
Até os anos 90, apartamentos funcionais sequer existiam na
Suécia: os deputados dormiam em sofás-cama, em seus próprios gabinetes. Pratos
e roupas eram lavados à mão na pia do gabinete, e não havia cama.
GABINETES PARLAMENTARES CHEGAM A TER 7 METROS QUADRADOS
Os gabinetes parlamentares dos deputados suecos têm em média
15 metros quadrados, e decoração frugal. Uma mesa de madeira clara, estantes da
mesma cor, um antigo aparelho de TV e um franzino sofá vermelho, em estilo
semelhante aos da rede sueca de móveis populares Ikea, compõem o ambiente.
Os menores gabinetes do Parlamento chegam a ter 7 metros
quadrados. Os gabinetes maiores são reservados às lideranças partidárias, e têm
em média 31 metros quadrados.
No corredor de cada anexo parlamentar, há um balcão com os
jornais diários e publicações diversas. São para uso coletivo dos
parlamentares: as assinaturas de jornais e revistas são custeadas pelo partido,
e deputados não têm verba pessoal para assinar publicações.
"Podemos levar um jornal para ler no gabinete, e
colocá-lo de volta em seguida no balcão", diz o deputado Per-Arne
Håkansson.
"Também podemos ler jornais e outras publicações na
biblioteca do Parlamento, que também disponibiliza a leitura nos celulares dos
deputados, através de um aplicativo", observa ele.
NA CANTINA DO PARLAMENTO, OS DEPUTADOS PAGAM PELO PRÓPRIO
CAFEZINHO.
O almoço é no bandejão no Parlamento. Não há garçons e
é preciso pagar pela comida. Depois da refeição, cada parlamentar deve levar o
próprio prato para a estação de recolhimento de bandejas, que fica ao lado da
cozinha do Parlamento.
O Parlamento sueco também tem um restaurante mais formal,
para ocasiões especiais. Mas, no dia a dia, alguns deputados chegam a levar
quentinha, e esquentam a comida na cozinha comunitária do Parlamento. Ali,
todos devem lavar a própria louça.
Diferentemente do que acontece no Brasil, nenhum deputado
sueco tem direito a reembolso por refeições feitas em restaurantes de luxo.
SEM SECRETÁRIAS NEM ASSESSORES PARTICULARES
"Nenhum deputado tem secretária particular, nem pode
contratar assessores", diz Mats Lindh, do setor de Serviços Parlamentares.
No sistema sueco, cada partido político representado no
Parlamento recebe verba restrita para contratar um grupo de assistentes e
assessores, que formam o chamado secretariado do partido. E este grupo de
funcionários os atende, coletivamente, a todos os deputados de uma sigla.
Ou seja: os parlamentares dividem entre si um grupo de
assessores e assistentes, que, entre outras atividades, prepara análises
políticas e cuida das relações com a imprensa.
Nos corredores da base parlamentar do partido
Social-Democrata, um porta-voz fornece a lista do secretariado: 101
funcionários trabalham em conjunto para apoiar as atividades de 100 deputados.
Esta equipe de funcionários é composta por assessores políticos e analistas de
apoio para questões políticas e relações com a imprensa, além de alguns
assistentes administrativos - que não costumam estar à disposição dos deputados
para tarefas pessoais.
"Cada deputado cuida da sua agenda de trabalho, prepara
seus discursos e marca ele próprio, por exemplo, suas reuniões e bilhetes de
trem ou avião", diz o porta-voz.
Para o cientista político sueco Rune Premförs, manter uma
força-tarefa de assessores particulares para um só parlamentar é uma aberração.
"Por que todos esses recursos deveriam estar à disposição de um único
político, se podem ser divididos? Representantes políticos devem também ser
representantes do povo em termos de não se atribuir condições
privilegiadas", opina Premförs.
É válido o argumento de que países grandes têm grandes
problemas, diz o cientista político, e que para resolvê-los precisam de mais recursos
humanos.
"Mas isto não significa necessariamente aumentar os
privilégios pessoais, na forma de assessores particulares. O que um parlamentar
precisa é de serviços de informação e consultoria de qualidade para apoiar suas
atividades e a sua tomada de decisões. Na Suécia, um dos setores do Parlamento
que mais se expandiu nos últimos vinte anos foi o RUT (Serviço de Pesquisas do
Parlamento), que fornece todo tipo de pesquisas, estatísticas e consultorias
especializadas a parlamentares de todas as siglas", diz Premförs.
E em vez de receber verba do erário para divulgação do
mandato, deputados suecos informam os eleitores sobre suas atividades
parlamentares através da internet. Na página oficial do Parlamento sueco, as
páginas individuais de cada um dos deputados têm como subtítulo a legenda
"Sagt och gjort" ("Dito e feito", em português): ali estão
cópias de todas as moções apresentadas pelo parlamentar em questão, assim como
vídeos de discursos realizados pelo deputado, interpelações e outras atividades
parlamentares.
SEM VERBA INDENIZATÓRIA
Deputados suecos não recebem verba indenizatória para
aluguel e manutenção de escritórios políticos em suas bases eleitorais - nem
para alimentação, locação de móveis e equipamentos, material de expediente,
assinatura de TV a cabo ou assinatura de publicações em suas regiões de origem.
Quando estão em suas bases eleitorais, os parlamentares usam
a sede local do partido, ou a biblioteca pública, para trabalhar e fazer
reuniões. "Ou a própria casa deles", diz Anna Aspegren, a chefe do
departamento que controla as despesas dos deputados.
O MANUAL DE VIAGENS DO DEPUTADO
Entre as informações que cada parlamentar sueco recebe ao
ser eleito, está um manual de 35 páginas, intitulado Regras de Viagem
(Reseregler). Algumas recomendações aos deputados:
- "Deve ser escolhido o meio mais econômico possível
para atingir o destino - trem, carro ou avião."
- "Carros para viagem devem ser alugados na agência de
viagens do Parlamento, utilizando as locadoras com as quais o Parlamento possui
contratos a fim de obter preços mais favoráveis. Em consideração aos aspectos
de custo e de proteção ao meio ambiente, não é permitido alugar carros
especiais ou de luxo."
- "Se o deputado viajar com o próprio veículo, deve ser
escolhido o caminho mais curto possível, a menos que haja razões especiais para
se tomar um caminho mais longo".
- "Deputados devem usar táxis quando não houver
alternativa de transporte público disponível, ou se houver razões especiais
para tal".
Para viagens ao exterior, um deputado sueco pode gastar um
teto máximo de 50 mil coroas suecas (cerca de R$ 20 mil) por mandato, ou seja,
ao longo de quatro anos. O parlamentar deve ainda apresentar um programa
detalhado da viagem de trabalho, que deve obrigatoriamente, como é de praxe em
vários países, ser submetido à aprovação da presidência do Parlamento.
No exterior, um deputado recebe ajuda de custo limitada por
uma rígida tabela: as diárias variam em geral entre 220 coroas (cerca de R$ 80)
e 700 coroas (aproximadamente R$ 280), dependendo do país visitado. Quando
viajam ao Brasil, o valor total da diária para um deputado sueco é de 407
coroas suecas (cerca de R$ 163).
O valor destas diárias é parcialmente sujeito a imposto. E
se um deputado recebe refeições gratuitas durante uma conferência no exterior,
por exemplo, o valor correspondente é deduzido da diária. "Se almoçarem de
graça, não pago a diária completa", diz Anna Aspegren.
Outra regra trata de hospedagens. "Quando um deputado
divide um quarto de hotel com um familiar ou amigo que não tem direito a ter
suas despesas pagas pelo Parlamento, o Parlamento paga apenas 75 por cento do
valor da diária. E não são hotéis de luxo", observa Anna.
Tanto parlamentares como ministros costumam voar em aviões
de carreira.
SEM PENSÃO VITALÍCIA
Parlamentares suecos também não têm o privilégio de receber
pensão vitalícia após cumprir um mínimo de um ou dois mandatos. Aos deputados
suecos não se oferece pensão, e sim o que se chama de "garantia de
renda" (inkomstgaranti) por tempo limitado. Diz a lei sueca:
"A finalidade do benefício (pensão) é proporcionar
segurança financeira ao parlamentar no momento de transição após o término de
suas atividades no Parlamento. O benefício não tem como propósito garantir o
sustento permanente do ex-parlamentar".
É uma espécie de seguro-desemprego: o princípio geral é que
todo deputado precisa trabalhar pelo menos oito anos no Parlamento (duas
legislaturas) para ter direito a um benefício equivalente a 85% do valor do
salário, durante um período máximo de dois anos. E para receber o benefício
durante mais de um ano, o ex-deputado precisa comprovar que está ativamente
procurando uma nova forma de ganhar o pão de cada dia.
"É importante entender que o sistema tem mecanismos
fortes. Eles (os deputados) têm que provar que estão procurando um novo
emprego, que não estão passivos. Do contrário, o benefício é cortado", diz
Johan Hirschfeldt, presidente do comitê que regulamenta salários e pensões
parlamentares (Riksdagens Arvodesnämd).
Se o parlamentar passa a exercer um outro mandato ou cargo
político, o benefício também é suspenso.
94% DOS POLÍTICOS NÃO RECEBEM SALÁRIO NAS ASSEMBLEIAS
REGIONAIS
A nível regional, a representação política na Suécia é
considerada uma atividade extra a ser exercida em paralelo a um emprego remunerado,
de onde todo político deve tirar seu próprio sustento: 94% dos representantes
das Assembléias regionais não recebem salário. Apenas os integrantes da
presidência e dos comitês executivos das Assembléias recebem remuneração para
trabalhar como políticos em tempo integral ou parcial.
Prefeitos não têm direito a residência oficial. E em todas
as assembleias municipais do país, a regra não tem exceção: vereadores não têm
salário, secretária, assistentes, carro com motorista, e sequer gabinete - eles
trabalham de casa, e ganham apenas uma pequena gratificação para participar das
sessões na Câmara.
"Ser vereador é um trabalho voluntário, que pode ser
perfeitamente realizado nas horas vagas", opinia Christina Elffors-Sjödin,
vereadora de Estocolmo, do Partido Moderado. Fonte: Fonte: BBC News Brasil –
sábado, 16 de fevereiro de 2019