terça-feira, 28 de março de 2023

O caso de trabalho análogo à escravidão em vinícolas no RS

Operação encontrou mais de 200 homens contratados para trabalhar na colheita de uva em Bento Gonçalves, no RS, em condições degradantes. Veja o que se sabe.

Mais de 200 homens contratados para trabalhar na colheita de uva foram resgatados de um alojamento em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, onde eram submetidos a "condições degradantes" e trabalho análogo à escravidão.

Os órgãos que participaram da operação realizada em 22 de fevereiro – Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e as polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) – afirmaram que os trabalhadores teriam sido enganados após receberem promessa de emprego temporário, salário de 4 mil reais e, ainda, alojamento e refeições pagas.

A operação foi realizada após três trabalhadores procurarem a PRF, em Caxias do Sul, afirmando que haviam fugido de um alojamento – no Bairro Borgo, a cerca de 15 quilômetros dos vinhedos de Bento Gonçalves – em que eram mantidos contra a vontade. Os trabalhadores resgatados chegaram a ser alojados no ginásio Darcy Pozza, em Bento Gonçalves, até que pudessem voltar para casa.

Os 207 homens foram recrutados na Bahia pela empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA, que prestava serviços para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton – algumas das mais importantes produtoras da região (veja as notas das empresas no final do texto). As produtoras rurais dizem que não tinham conhecimento sobre a situação relatada pelos trabalhadores.

AGRESSÕES FÍSICAS E PSICOLÓGICAS

Nos depoimentos, os trabalhadores relataram episódios de violência, tais como surras com cabo de vassoura, mordidas, choques elétricos e ataques com spray de pimenta, além de más condições de trabalho e de alojamento. Eles denunciaram ainda práticas como vales, multas e descontos nos salários, o que levou o MTE e o MPT a considerarem a situação como um regime de trabalho análogo à escravidão.

Os homens trabalhavam na colheita de uva de domingo a sexta, das 5h às 20h e sem pausas – apesar de serem forçados a assinar no ponto que folgavam também aos domingos. Eles começaram a trabalhar no início de fevereiro, porém, surpreendidos com as péssimas condições de trabalho, tentaram ir embora do Rio Grande do Sul, mas chegaram a ser ameaçados e espancados.

Um dos trabalhadores afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que o combinado era receber R$ 4 mil após 45 dias. Porém, eram abatidos do montante descontos que não foram previamente combinados. Assim, ele disse que percebeu que estava sendo explorado.

Outro trabalhador relatou que, ao chegar no Rio Grande do Sul, soube que perderia a passagem de volta caso faltasse a um dia de trabalho. Além disso, o alojamento – que deveria estar incluso – seria descontado em folha no final do contrato. Por isso, afirma ele, a situação fazia com que os homens continuassem trabalhando mesmo se estivessem doentes.

Os trabalhadores disseram que recebiam comida estragada dos representantes da Fênix, que só podiam comprar produtos em um mercadinho perto do alojamento, com preços superfaturados, e que o valor gasto era descontado do salário. Por isso, os trabalhadores acabavam o mês devendo dinheiro para a empresa, pois o consumo superava o valor do salário.

Eles contaram ainda que não podiam sair do local e que, se quisessem, teriam que pagar a suposta "dívida". Além disso, os empregadores ameaçavam seus familiares.

VINÍCOLAS PODEM SER RESPONSABILIZADAS?

As vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton contrataram a Fênix, que oferecia mão de obra. Porém, as produtoras rurais – que afirmaram desconhecer as irregularidades e que sempre atuaram dentro da lei – podem ser responsabilizadas, segundo Vanius Corte, gerente regional do MTE em Caxias do Sul, em entrevista ao portal G1.

"As pessoas que tomaram esse serviço, as pessoas que foram beneficiadas por esse serviço, também podem ser responsabilizadas. Chamamos isso de responsabilidade subsidiária. Primeiro, o empregador tem a responsabilidade", afirmou Corte.

"Se ele não pagar, as pessoas que trabalharam em determinada vinícola, que prestaram o serviço lá, podem cobrar, e nós vamos chegar nesse ponto, dessa vinícola que se beneficiou desse trabalho", acrescentou.

Para o gerente regional do MTE em Caxias do Sul, não basta as empresas contratarem alguém. "Tu tens que saber quem tu estás contratando, tu tens que ter essa responsabilidade de examinar se ele oferece as condições [adequadas] e os direitos [legais]", afirmou.

RESPONSÁVEL PELA EMPRESA FOI PRESO, MAS PAGOU FIANÇA

De acordo com o portal G1, a responsável pelo alojamento era a empresa Fênix, administrada por Pedro Augusto de Oliveira Santana, de 45 anos. Ele chegou a ser preso, mas pagou fiança no valor de R$ 40 mil e responderá pelo crime em liberdade.

Por meio de nota, o advogado Rafael Dorneles da Silva afirmou que "a empregadora Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial".

Segundo o MTE, a Fênix foi criada em janeiro de 2019 e está em nome de uma mulher – e Santana trabalhava como administrador. O MTE afirmou que Santana atua em Bento Gonçalves há cerca de 10 anos e sempre contratava pessoas, inclusive de outros estados, para o trabalho nas colheitas de frutas, em aviários e de carga e descarga. 

Santana tinha uma empresa que foi criada em 2012 para prestar serviços – a Oliveira & Santana –, que chegou a ter 206 funcionários, porém, fechou suas portas em 2019. Entre 2015 e 2023, a firma foi autuada dez vezes por irregularidades trabalhistas. Inclusive, os alojamentos onde os trabalhadores ficavam também foram interditados. Apesar disso, nenhuma situação análoga à escravidão foi flagrada. A Fênix não havia sido fiscalizada pelo MPT até a realização da operação de resgate.

TRABALHADORES JÁ RETORNARAM PARA SUAS CASAS

Dos 207 trabalhadores resgatados, 194 partiram de ônibus do Rio Grande do Sul para a Bahia no início do sábado (25/02). Outros quatro trabalhadores preferiram ficar em Bento Gonçalves; e nove gaúchos retornarão de ônibus às suas cidades nos próximos dias. Os custos de transporte já foram repassados à Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA.

Segundo a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, o governo da Bahia afirmou que esperará pelos trabalhadores com equipes de assistência social em cada um dos municípios de chegada. Os nomes das cidades, segundo o portal G1, não são divulgados por questões de segurança.

COMO FICARÃO OS DIREITOS DOS TRABALHADORES?

A empresa fechou um acordo – mediado pelo MPT – com os trabalhadores que foram encontrados em condições análogas à escravidão. Cada um deles recebeu R$ 500 para fazer a viagem para suas casas. De acordo com o MPT, foi estabelecido um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que a empresa deverá comprovar os pagamentos sob pena de ajuizamento de ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido.

Estima-se até agora que o cálculo total das verbas rescisórias ultrapasse R$ 1 milhão. De acordo com o TAC, os valores desembolsados pela empresa contratante não quitam os contratos de trabalho, além de não significarem renúncia de direitos individuais trabalhistas, que poderão ser reivindicados pelos trabalhadores.

CRIAÇÃO DE FORÇA-TAREFA DE FISCALIZAÇÃO

Após uma reunião nesta terça-feira (28/02), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, anunciou a criação de uma força-tarefa para fiscalizar a contratação de pessoas e combater situações de trabalho análogo à escravidão na Serra Gaúcha. Ele não anunciou um prazo para o início da ação, mas defendeu também que ocorram responsabilizações.

"Entre as ações determinadas está uma força-tarefa do governo do estado em fiscalização com apoio e relacionamento com a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo [...] para amplificar a capacidade de fiscalização, especialmente nessas atividades que demandam a expansão de mão de obra tão rápida como é o processo das colheitas", frisou.

O governador afirmou que a Serra Gaúcha tem cerca de 20 mil propriedades rurais de pequeno porte, e que uma população flutuante de mais de 100 mil pessoas trabalha nas colheitas. "Queremos desenvolver forças-tarefas de fiscalização para garantir que nessas atividades tenhamos especial enfoque para garantir que as condições de trabalho dessas pessoas sejam adequadas, dignas e correspondentes à legislação", concluiu.

O QUE DIZEM AS VINÍCOLAS E O EMPRESÁRIO?

 AURORA:

"Em respeito aos seus associados, colaboradores, clientes, imprensa e parceiros, a Vinícola Aurora vem a público para reforçar que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão e se solidariza com os trabalhadores contratados pela terceirizada Oliveira & Santana.

As vítimas são funcionários da Oliveira & Santana, empresa que prestava serviços às vinícolas, produtores rurais e frigoríficos da região.

A Aurora já se colocou à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos e está prestando apoio às vítimas. A companhia também está trabalhando em conjunto com o Ministério Público Federal e com o Ministério do Trabalho para equalizar a situação em busca de reparo aos trabalhadores da Oliveira & Santana.

A vinícola está tomando as medidas cabíveis e reitera seu compromisso com todos os direitos humanos e trabalhistas, assim como sempre fez em seus 92 anos. Ratifica ainda que permanece cumprindo com suas obrigações legais e com a sua responsabilidade também perante ao valor rescisório a cada trabalhador contratado pela Oliveira & Santana.

A Aurora conta com 540 funcionários, todos devidamente registrados e obedecendo a legislação trabalhista. Porém, na safra da uva, dentro de um período de cerca de 60 dias, entre janeiro e março, a empresa depende de um grande número de trabalhadores, se fazendo necessária a contração temporária para o setor de carga e descarga da fruta, devido à escassez de mão de obra na região.

Quanto à empresa terceirizada, cabe esclarecer que a Aurora pagava à Oliveira & Santana um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas. A terceirizada era a responsável pelo pagamento e pelos devidos descontos tributários instituídos em lei. A Aurora também exigia os contratos de trabalhos da equipe que era alocada na empresa.

Todo e qualquer prestador de serviço da Aurora, da mesma forma que os funcionários, recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta, sem distinções.

A vinícola também oferecia condições dignas de trabalho no horário de expediente e os gestores responsáveis desconheciam a moradia desumana em que os safristas eram acomodados pela Oliveira & Santana após o período de trabalho.

Por fim, ratificando seu compromisso social, a Aurora se compromete em reforçar sua política de contratações e revisar os procedimentos quanto à terceiros para que casos isolados como este nunca mais voltem a acontecer."

SALTON:

"A Família Salton repudia veementemente e não compactua com nenhum tipo de trabalho sob condições precárias, análogas à escravidão. A empresa e todos os seus representantes estão solidários a todos os trabalhadores e suas famílias, que foram tratados de forma desumana e cruel por um prestador de serviço contratado.

Reforçamos que todas as informações foram verificadas antes da contratação do fornecedor. Entretanto, trata-se de incidente isolado e a Família Salton já está tomando medidas cabíveis frente ao tema, além de ser colocar à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.

A empresa salienta que já está trabalhando para intensificar os controles de contratação, prevendo medidas mais austeras em todo e qualquer contrato de serviços terceirizados. Prevê ainda a associação e parcerias com órgãos e entidades do setor para melhorar a fiscalização de práticas trabalhistas.

Com um legado de 112 anos, a Família Salton é referência em sustentabilidade e signatária do Pacto Global da ONU e realiza projetos que refletem diretamente a responsabilidade social da empresa e seu compromisso como empresa cidadã".

GARIBALDI:

"A Cooperativa Vinícola Garibaldi protagoniza uma história de 92 anos de atuação, credibilidade e compromisso com a valorização das pessoas. Esse ideal está intrínseco no propósito cooperativista que deu origem ao negócio e, principalmente, segue norteando diariamente todas as práticas da Cooperativa Vinícola Garibaldi, inclusive na sua relação com os mais de 450 associados, pequenos produtores de agricultura familiar, e dos mais de 200 colaboradores diretos.

Alinhada com esses valores, a Cooperativa Vinícola Garibaldi repudia qualquer prática que afronte o respeito ao ser humano ou comprometa sua integridade. Isso está explicitado em seu Código de Cultura, que contempla, ainda, um canal de ética (para denúncias), disponível em vários meios de comunicação da Cooperativa e amplamente divulgado entre as partes interessadas. Encontrado também no site – www.vinicolagaribaldi.com.br

Com surpresa e indignação, a vinícola recebeu as denúncias de práticas análogas à escravidão exercidas por uma empresa terceirizada, contratada para suprir a demanda pontual e específica do descarregamento de caminhões no período da safra da uva. Prontamente, a Cooperativa Vinícola Garibaldi encerrou o contrato de prestação de serviço e colocou-se integralmente à disposição das autoridades competentes para colaborar de todas as formas com as investigações necessárias. Assim pretende seguir até a completa elucidação dos fatos, confiando no exercício da justiça e no respeito à responsabilidade social.

Da mesma forma, presta solidariedade aos vitimados pelo ocorrido e a seus familiares, reiterando que de forma alguma compactua com as práticas denunciadas e jamais aceitará tais conduções em suas relações de trabalho.

Importante salientar que, nesses menos de 30 dias de contrato prestando serviço na Cooperativa, o tratamento foi igualitário aos funcionários diretos, atendendo a todas as normas de convívio valorizadas pela Garibaldi, dentre as quais os horários, treinamento, segurança, refeições, etc., além do atendimento a todas as questões legais pertinentes.

Com a transparência que sempre conduziu suas relações, a Cooperativa Vinícola Garibaldi permanece à disposição da sociedade e das autoridades envolvidas no caso."

NOTA DO EMPRESÁRIO:

"Diante dos fatos noticiados em relação a operação de combate ao trabalho análogo à escravidão ocorrida na última quinta-feira, em Bento Gonçalves, a empregadora Fênix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde LTDA e seus administradores esclarecem que os graves fatos relatados pela fiscalização do trabalho serão esclarecidos em tempo oportuno, no decorrer do processo judicial.

Cabe mencionar que o empresário envolvido nas acusações é um empreendedor de atuação reconhecida e respeitada, não compactuando com qualquer desrespeito aos colaboradores e aos direitos a eles inerentes.

Além disso, é importante ressaltar que qualquer conclusão neste momento é meramente especulativa e temerária, uma vez que os fatos e as responsabilidades devem ser esclarecidas em juízo.

Manifestamos total respeito às instituições e nos colocamos à disposição da justiça para todos os esclarecimentos necessários, colaborando no que for necessário para o restabelecimento da verdade e principalmente do bem estar de todos os envolvidos.

Por fim, informamos que os trabalhadores estão recebendo todo o auxílio necessário para que esta situação não traga maiores prejuízos aos mesmos."Fonte: Deutsche Welle – 02.03.2023

O QUE DIZ A LEI

Conforme o Código Penal, o trabalho análogo à escravidão é caracterizado pela submissão de alguém a trabalho forçado ou a jornadas exaustivas, sujeição a condições degradantes ou restrição do ir e vir em razão da dívida com o empregador, por meio da retenção dos documentos do trabalhador ou cerceamento do uso de meios de transporte, por exemplo. Também é passível de punição quem mantém vigilância ostensiva no local de trabalho.

segunda-feira, 27 de março de 2023

Países onde a COVID-19 se espalhou até 27 de março de 2023

229 países e territórios em todo o mundo notificaram  um  total de 683.359.954 casos confirmados do coronavírus COVID-19 originado em Wuhan, China, e um número de óbitos de 6.827.155.  Worldometer - Last updated: March 27, 2023, 19:38 GMT



segunda-feira, 6 de março de 2023

Cães e gatos no Brasil

A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que existam hoje no Brasil cerca de 20 milhões de cães e 10 milhões de gatos, equivalentes a mais da metade do total de animais de estimação. E esse número vem crescendo de forma acelerada, podendo chegar a 100 milhões (entre cães e gatos) em 2030. Fonte: BBC News Brasil em São Paulo – 05/03/2023

sábado, 4 de março de 2023

Serviço alemão leva aos pobres comida que iria para o lixo

Mesmo na rica Alemanha, cada vez mais gente depende da comida distribuída por bancos alimentares. Além de ajudar os mais necessitados, essas entidades beneficentes evitam o desperdício.

A inspiração para o banco de alimentos na Alemanha veio dos Estados Unidos. Um membro de um grupo de mulheres de Berlim leu um artigo sobre voluntários em Nova York que distribuíam mantimentos descartados para moradores de rua. "E então pensamos: 'OK, podemos fazer isso também'", disse Sabine Werth à DW. "Queríamos dar um lugar à mesa aos que não podem pagar."

Juntamente com outros membros de uma iniciativa de mulheres de Berlim, ela fundou o primeiro Tafel, como os bancos de alimentos são chamados na Alemanha, sendo o nome uma das palavras alemãs para "mesa".

Isso foi há 30 anos, em 22 de fevereiro de 1993. O banco de alimentos original continua sendo o maior do país e desde então se tornou uma associação sem fins lucrativos. E a ideia se espalhou rapidamente: hoje existem 936 bancos de alimentos Tafel em toda a Alemanha.

Dependendo da quantidade de público que atingem, seus organizadores vão a supermercados, varejistas locais de alimentos e padarias várias vezes por semana, ou mesmo diariamente, para reunir restos de alimentos ainda comestíveis, evitando desperdício e apoiando pessoas atingidas pela pobreza.

Às vezes, grandes redes de supermercados também entregam seus produtos excedentes aos bancos de alimentos à noite, uma ou duas vezes por semana.

NÃO SOMENTE SEM-TETOS

Para poder usufruir dos bancos de alimentos, as pessoas precisam comprovar sua necessidade, por exemplo, com um documento da previdência social, antes de poderem retirar coisas como frutas, frios e pão.

"Seguimos o princípio clássico de Robin Hood. Tiramos de onde há muito e damos para onde é necessário. Mas fazemos isso legalmente", disse Werth, com um sorriso.

O banco de alimentos atende a uma variedade muito maior de pessoas do que apenas sem-tetos. Ele é um alívio bem-vindo a muitos pais e mães solteiros, aposentados com poucos recursos e refugiados. Para essas pessoas, é um alívio economizar em comida e poder, assim, pagar outras coisas necessárias, como material escolar ou roupas.

POBREZA NA ALEMANHA

A organização que coordena os bancos de alimentos na Alemanha estima que 2 milhões de pessoas os visitaram no ano passado – um aumento acentuado, cerca de 50%, em comparação com o ano anterior. Apesar de a Alemanha ser um dos países mais ricos do mundo, 13,8 milhões de pessoas foram afetadas ou ameaçadas pela pobreza em 2022.

Em regra, a pobreza na Alemanha se refere à pobreza relativa e não absoluta. As pessoas não enfrentam fome imediata ou passam frio. Mas, mesmo assim, a pobreza na Alemanha ainda significa falta de participação na sociedade, crianças que ficam dias sem almoço, sem viagens nas férias e têm um nível mais baixo de educação.

Os bancos de alimentos começaram como forma de economizar em alimentos e aliviar  dificuldades, mas agora se tornaram um medidor de pobreza − ou, como disse à DW o presidente da organização nacional, Jochen Brühl, "um sismógrafo para situações e desenvolvimentos sociais." Segundo ele, quando o primeiro Tafel foi inaugurado, em 1993, a pobreza ainda não era um tema amplamente discutido na sociedade alemã. Ele afirma que o entendimento geral na época era o de que a pobreza não existia no país: quem queria trabalhar, trabalhava.

"Felizmente, esse sentimento mudou drasticamente nos últimos 30 anos", disse Sabine Werth. "Não há partido político, nenhum grupo parlamentar, ninguém na cena política que diga que não há pobreza na Alemanha."

Brühl diz que isso se deve em parte à existência de bancos de alimentos em quase todas as cidades, tornando a pobreza muito tangível.

"COMIDA É POLÍTICA"

Uma visita a um dos muitos bancos de alimentos na Alemanha dá uma rápida ideia disso. Em Eitorf, um vilarejo perto de Bonn, no oeste da Alemanha, Paul Hüsson faz um giro pelo banco de alimentos que administra com 56 voluntários. Com um toque de evidente orgulho, conduz ao pátio onde os produtos são distribuídos às segundas e terças-feiras.

Ele abre um pequeno depósito onde se empilham sacos de massas, pacotes de farinha e latas de vegetais. Não demora muito e Hüsson se torna político. Ele sustenta que a ajuda social é muito baixa e que o bilhete único mensal de transporte público de 9 euros (cerca de R$ 50), um projeto piloto em toda a Alemanha de junho a agosto de 2022, foi uma bênção para quem tem pouco dinheiro.

Os bancos de alimentos frequentemente intervêm em debates sociopolíticos – e isso é intencional. "Se estamos genuinamente envolvidos com essas questões, isso automaticamente nos torna políticos", disse Brühl. "Não no sentido de ser filiado a algum partido em particular. Mas temos influência no nível sociopolítico porque erguemos um espelho para a sociedade e mostramos o que obviamente não está funcionando em alguns lugares." Ou, como Sabine Werth colocou sucintamente na porta do Tafel em Berlim: "'Comida é política".

Hüsson explicou que ele próprio tem muito a aprender sobre a complexidade da pobreza. Atualmente, metade dos clientes de seu banco de alimentos são crianças. "Isso corta fundo", disse ele, apontando para o coração.

LONGE DOS BRAÇOS DO ESTADO

Desde que foram criados, os bancos de alimentos são alvos de críticas, com alguns dizendo que eles facilitam demais as coisas para o Estado e as pessoas necessitadas. O que fica claro nas conversas com voluntários e líderes do banco de alimentos, no entanto, é que os usuários expressamente não querem fazer parte do sistema de bem-estar social do governo.

Eles enfatizam que é errado os serviços de assistência social enviarem pessoas para bancos de alimentos quando elas dizem que seus rendimentos não são suficientes. "Estamos caindo cada vez mais em uma situação em que alguns estão nos cobrando nosso sistema de bem-estar. Mas não queremos isso e nos opomos veementemente a isso", disse Brühl. Em Berlim, Sabine Werth diz que o banco de alimentos não aceita nenhum apoio financeiro do Estado por esse motivo, a fim de manter sua independência.

QUAL O FUTURO DOS BANCOS DE ALIMENTOS?

Os últimos três anos foram extremamente desafiadores para os bancos de alimentos na Alemanha. A inflação, a guerra na Ucrânia e a pandemia de covid-19 causaram uma tensão considerável, com um aumento de 50% nos beneficiários do serviço. "Muitas das instituições estão no limite", observa Brühl. "Mesmo assim, elas continuam o trabalho."

Desde sua criação, há 30 anos, os bancos de alimentos refletem sobre seu desenvolvimento – daquele primeiro local em Berlim para agora centenas espalhadas por toda a Alemanha, assim como seu papel no ativismo sociopolítico.

Sabine Werth prefere não fazer previsões para as próximas três décadas. "Nunca pensei nessas dimensões", disse ela. "Trinta anos atrás, eu nunca pensei que estaríamos onde estamos agora. O trabalho do banco de alimentos está cheio de novas surpresas a cada dia."

Jochen Brühl acredita que o futuro dos bancos de alimentos está garantido. "Acho que eles vão se reinventando conforme a necessidade", diz, porque eles sempre reagem ao que está acontecendo na sociedade, e não o contrário.

Paul Hüsson foca em questões práticas: Ele está tentando encontrar novas dependências, já que as atuais estão lentamente se tornando muito pequenas. Isso mostra que os bancos de alimentos poderão ainda ser necessários daqui a 30 anos, mesmo na rica Alemanha.Fonte: Deutsche Welle - 28 de fevereiro de 2023

Os novos pobres na Alemanha


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