Se os rapazes que roubaram a imagem da Globo e a vazaram na
internet tivessem me abordado, naquela noite de 8 de novembro de 2016, eu teria
dito a eles a mesma coisa que direi agora: "Aquilo foi uma piada —idiota,
como disse meu amigo Gil Moura—, sem a menor intenção racista, dita em tom de
brincadeira, num momento particular. Desculpem-me pela ofensa; não era minha
intenção ofender qualquer pessoa, e aqui estendo sinceramente minha mão."
Sim, existe racismo no Brasil, ao contrário do que alguns
pretendem. Sim, em razão da cor da pele, pessoas sofrem discriminações, têm
menos oportunidades, são maltratadas e têm de suportar humilhações e
perseguições.
Durante toda a minha vida, combati intolerância de qualquer
tipo —racial, inclusive—, e minha vida profissional e pessoal é prova eloquente
disso. Autorizado por ela, faço aqui uso das palavras da jornalista Glória
Maria, que foi bastante perseguida por intolerantes em redes sociais por ter
dito em público: "Convivi com o William a vida inteira, e ele não é
racista. Aquilo foi piada de português."
Não digo quais são meus amigos negros, pois não separo
amigos segundo a cor da pele. Assim como não vou dizer quais são meus amigos
judeus, ou católicos, ou muçulmanos. Igualmente não os distingo segundo a
religião —ou pelo que dizem sobre política.
O episódio que me envolve é a expressão de um fenômeno mais
abrangente. Em todo o mundo, na era da revolução digital, as empresas da
chamada "mídia tradicional" são permanentemente desafiadas por grupos
organizados no interior das redes sociais.
Estes se mobilizam para contestar o papel até então
inquestionável dos grupos de comunicação: guardiães dos "fatos
objetivos", da "verdade dos fatos" (a expressão vem do termo em
inglês "gatekeepers"). Na verdade, é a credibilidade desses guardiães
que está sob crescente suspeita.
Entender esse fenômeno parece estar além da capacidade de
empresas da dita "mídia tradicional". Julgam que ceder à gritaria dos
grupos organizados ajuda a proteger a própria imagem institucional, ignorando
que obtêm o resultado inverso (o interesse comercial inerente a essa
preocupação me parece legítimo).
Por falta de visão estratégica ou covardia, ou ambas,
tornam-se reféns das redes mobilizadas, parte delas alinhada com o que
"donos" de outras agendas políticas definem como "correto".
Perversamente, acabam contribuindo para a consolidação da
percepção de que atores importantes da "mídia tradicional" se
tornaram perpetuadores da miséria e da ignorância no país, pois, assim,
obteriam vantagens empresariais.
Abraçados a seu deplorável equívoco, esquecem ainda que a
imensa maioria dos brasileiros está cansada do radicalismo obtuso e primitivo
que hoje é característica inegável do ambiente virtual.
Por ter vivido e trabalhado durante 21 anos fora do Brasil,
gosto de afirmar que não conheço outro povo tão irreverente e brincalhão como o
brasileiro. É essa parte do nosso caráter nacional que os canalhas do
linchamento —nas palavras, nesta Folha, do filósofo Luiz Felipe Pondé— querem
nos tirar.
Prostrar-se diante deles significa não só desperdiçar uma
oportunidade de elevar o nível de educação política e do debate, mas, pior
ainda, contribui para exacerbar o clima de intolerância e cerceamento às
liberdades –nas palavras, a quem tanto agradeço, da ministra Cármen Lúcia, em
aula na PUC de Belo Horizonte, ao se referir ao episódio.
Aproveito para agradecer o imenso apoio que recebi de muitas
pessoas que, mesmo bravas com a piada que fiz, entenderam que disso apenas se
tratava, não de uma manifestação racista.
Admito, sim, que piadas podem ser a manifestação irrefletida
de um histórico de discriminação e exclusão. Mas constitui um erro grave tomar
um gracejo circunstanciado, ainda que infeliz, como expressão de um pensamento.
Até porque não se poderia tomar um pensamento
verdadeiramente racista como uma piada.
Termino com um saber consagrado: um homem se conhece por sua
obra, assim como se conhece a árvore por seu fruto. Tenho 48 anos de profissão.
Não haverá gritaria organizada e oportunismo covarde capazes de mudar essa
história: não sou racista. Tenho como prova a minha obra, os meus frutos. Eles
são a minha verdade e a verdade do que produzi até aqui. Fonte: Folha de São Paulo - 14/01/2018
William Waack é jornalista profissional desde os 17;
trabalhou em algumas das principais redações do país e foi correspondente
internacional por 21 anos na Europa e Estados Unidos
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