Em relatório, grupo de estudos do renomado Sciences Po
aponta que próximo presidente não terá forças para "romper inércia
política" e que Lava Jato não vai ser sustentável sem reforma ampla do
sistema.
O Observatório Político da América Latina e do Caribe
(OPALC), ligado ao renomado Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences
Po), fez um balanço pessimista sobre as chances de o Brasil superar seus
problemas políticos e apontou que o Congresso é o grande obstáculo para que o
país realize mudanças profundas no seu sistema.
O capítulo do relatório dedicado ao Brasil afirma que o país
"entrou em 2017 em um período de estabilização mas também de estagnação
econômica" e é "bastante improvável que o próximo presidente conte
com influência política junto ao Congresso" para "tirar o país da
inércia".
"Uma visão intuitiva e ingênua sugeriria que a pressão
ligada à multiplicação de escândalos poderia levar os atores políticos a
trabalhar em conjunto em uma reforma política de grande escala. Uma análise
mais detalhada dos fatos mostra que não é assim", diz o texto.
"As elites no poder conseguem resistir à mudança e
geram uma força de inércia que retarda ou bloqueia qualquer projeto destinado a
transformar o cenário, as regras e as práticas políticas."
O documento detalha como o Congresso é capaz de derrubar ou
preservar um presidente, conforme as vantagens políticas que pode obter, sempre
em nome da preservação dos privilégios de seus membros.
"Michel Temer não sofreu a mesma iniciativa de
demolição política que a experimentada por Dilma Rousseff em 2016. Podemos ver
aqui o papel decisivo desempenhado pelo Congresso na manutenção dos equilíbrios
políticos", afirma o relatório.
"Mas os congressistas não só têm o poder de derrotar um
presidente ou de preservar um. Eles também são os cérebros do sistema político,
prevenindo há várias décadas qualquer iniciativa de reforma política que possa
pôr em perigo os seus próprios interesses e prejudicar a sua vida política.
Como o próprio Michel Temer afirmou em 2015, quando ainda era vice-presidente
da República, 'o Congresso é o senhor absoluto da reforma política'."
LAVA JATO NÃO É SUFICIENTE
O capítulo brasileiro no relatório foi elaborado por
Frédéric Louault, vice-presidente do OPALC e professor da Universidade Livre de
Bruxelas, na Bélgica. No texto, Louault aponta que, apesar dos avanços, a
operação Lava Jato não é suficiente para pressionar o Congresso e forcar
mudanças, e que iniciativas mais amplas nos campos eleitoral e constitucional
são necessárias.
"É improvável que a onda de choque causada pela
operação Lava Jato signifique no curto prazo uma alternância do quadro político
e das práticas. Mesmo que uma limpeza do sistema pareça inevitável, as elites políticas
brasileiras já demonstraram no passado a sua capacidade de resistir a mudanças,
de recuperação ou mesmo de regeneração", diz o relatório.
O relatório segue o raciocínio afirmando que iniciativas
como a lei anticorrupção de 2013 e a repressão contra crimes de corrupção
"não são suficientes" para "quebrar os hábitos políticos que se
perpetuam há séculos". "O impacto das ações policiais e judiciárias
não pode ser sustentável sem uma reforma profunda do sistema político."
O texto ainda aponta que "o Brasil é, portanto, vítima
de seu Congresso e prisioneiro de seu sistema eleitoral, estabelecido pela
Constituição de 1988". Ainda segundo o OPALC, o complicado sistema de
eleições proporcionais estabelece "um presidencialismo de coalizão baseado
na individualização do comportamento político, fragmentação e instabilidade de
alianças".
"Incapaz de confiar uma maioria estável no Congresso, o
presidente da República torna-se 'refém' de uma base aliada heterogênea e deve
fazer largas concessões para governar."
REPENSAR A CONSTITUIÇÃO
Segundo o OPALC, foram realizadas algumas iniciativas para
reformar o sistema eleitoral, como a criação de um fundo de campanhas e o
estabelecimento de um teto de gastos em campanhas. Só que qualquer iniciativa
de reforma apenas focada no aspecto eleitoral não é suficiente. Também é
preciso repensar aspectos mais amplos, especialmente a Constituição.
"O tema da reforma política, que está no cerne da
agenda legislativa a cada grande crise do sistema representativo (Collorgate em
1992, Mensalão em 2005, Lava Jato em 2015) produziu até agora apenas alguns
efeitos concretos sobre as condutas políticas", afirma o relatório.
"Como o cientista político Sérgio Abranches apontou em
2005, é improvável que uma reforma política eleitoral tenha um impacto
significativo e sustentável se ela não ocorrer paralelamente a uma reflexão
mais profunda sobre a reforma constitucional."
Por fim, o relatório prevê com pessimismo que o próximo
ocupante do Planalto não deve conseguir romper o ciclo de estagnação junto a um
Congresso avesso a mudanças e que só tem em mente os seus próprios interesses.
"Enquanto o Brasil celebra em 2018 o trigésimo
aniversário da Constituição de 1988, os debates sobre a reformulação desta
Carta não estão na agenda", dizem os estudiosos franceses. "Dado o
contexto atual – marcado por uma crescente polarização política, a fragilidade
do sistema partidário e a prioridade dada às políticas de estabilização
macroeconômica – é pouco provável que o próximo presidente da República tenha
influência junto ao Congresso para romper com a inércia política e tomar uma
iniciativa nesse campo." Fonte: Deutsche Welle – 25.01.2018
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