Estampado em prédio, texto de Eugen Gomringer foi acusado de
espelhar mulher como objeto. Para Ricardo Domeneck, caso reflete discussão
tardia e necessária sobre misoginia e gera debate sobre liberdade de expressão.
Na parede de um prédio em Berlim, está estampado um dos
poemas clássicos de Eugen Gomringer, considerado um dos criadores da poesia
concreta ao lado dos brasileiros Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto
de Campos. Chama-se Um admirador:
avenidas
avenidas e flores
flores
flores e mulheres
avenidas
avenidas e mulheres
avenidas e flores e mulheres e
um admirador
Estampado na parede da escola superior Alice Salomon
Hochschule, no bairro de Berlin-Hellersdorf, desde 2011, o poema causou polêmica
no ano passado, quando foi acusado de espelhar a passividade da mulher como
objeto e a situação feminina como não agente dos próprios passos, dos próprios
olhos. Nesta terça-feira, as autoridades locais decidiram que, numa planejada
reforma da fachada da escola em meados deste ano, o texto de Gomringer será
substituído por um poema de Barbara Köhler.
Estamos passando por um momento difícil, em que nos vemos em
meio a uma conversa extremamente necessária e importante, que começou tarde.
Mas não tarde demais. E é por ser uma conversa tão importante e tão tardia, a
que discute finalmente a misoginia e a violência contra a mulher em nossa
sociedade, que me parece muito importante saber onde concentrar nossas
energias. E que erros evitar.
Estamos vendo no Brasil uma onda de boicotes e conversas
muito pouco civis, ainda que pareçam cheias de fervor republicano e cidadão.
Exposições fechadas por supostas apologias a atos criminosos, boicotes a
palestras tanto à direita quanto à esquerda. Este talvez seja um assunto pesado
demais para uma coluna sobre literatura. Mas trata-se, afinal, de um poema. Por
ter visto o meu desejo criminalizado por tanto tempo, não tenho a menor vontade
de criminalizar o desejo de outros.
Não sei se a você,
querido leitor, este poema soa sexista. Não há nele, certamente, qualquer
violência ou apologia à violência. Não sei mais onde traçaremos a linha da
liberdade de expressão e liberdade artística se todos, dentro de uma
comunidade, começarem a tentar fazer desaparecer os discursos que desagradam à
sua visão de mundo, sem que haja qualquer desvio constitucional em tais
discursos. Fonte: Deutsche Welle – 23.01.2018
Comentário:
A poesia concreta surgiu com o Concretismo, fase literária
voltada para a valorização e incorporação dos aspectos geométricos à arte
(música, poesia, artes plásticas).
O poema do Concretismo tem como característica primordial o
uso das disponibilidades gráficas que as palavras possuem sem preocupações com
a estética tradicional (verso/rima) de começo, meio e fim e, por este motivo, é
chamado de poema-objeto.
Caminhamos, ou melhor, já estamos no totalitarismo das redes
sociais. Cada um é um censor.
A rede social é o Ministério da Verdade (1984, George
Orwell), produtor das notícias, entretenimento, educação e artes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário