A criminalidade organizada é
global e não conhece fronteiras, mas alguns países carecem de instrumentos para
combatê-la. É um absurdo que nações não se unam para enfrentar juntas esse
problema, escreve Anabel Hernández.
Como outros países da Europa,
a Alemanha sofre ataque constante de vários grupos do crime organizado
transnacional que se dedicam principalmente ao narcotráfico, introduzindo
toneladas de drogas ilegais em território alemão, bem como grandes quantidades
de dinheiro ilícito para que seja lavado na economia legal do país.
Ao contrário de países na
América Central e na América do Sul, na Europa o crime organizado geralmente
não é violento, não mata pessoas, não queima mulheres, bebês e crianças em seus
veículos, não explode bombas. Ele não se deixa perceber; por não ser visível,
há pouca consciência sobre sua periculosidade. A Espanha e a Holanda, por
exemplo, vivem as consequências disso; a Alemanha também.
Uma das regiões onde a
presença de tais organizações criminosas cresceu de maneira preocupante é a
Renânia do Norte-Vestfália, um dos 16 estados alemães. Como na Espanha e na
Holanda, um dos fatores que o tornam "atraente" é sua localização
geográfica e seu desenvolvimento econômico.
O estado é vizinho à Holanda,
um dos principais produtores de metanfetaminas do mundo, e à Bélgica. Através
do rio Reno, ele tem conexão direta com o porto de Antuérpia. Sua forte
economia produz mais de um quinto do PIB alemão e concentra mais de 17 milhões
de habitantes, o que representa um mercado consumidor em potencial para os
traficantes de drogas. Segundo fontes ligadas à Justiça e à segurança pública,
é por essa região que a maior parte das drogas entra na Alemanha.
CRIME ORGANIZADO NA EUROPA
Em 2013, a Europol havia
identificado 3,6 mil grupos de crime organizado na Europa; em 2018, a agência
detectou ao menos 5 mil. O Relatório Mundial sobre Drogas, publicado em 2019
pelas Nações Unidas, informou sobre uma pesquisa realizada em 73 cidades da
Europa, focada na análise de urina em busca de sinais de anfetaminas, cocaína,
ecstasy e metanfetaminas.
Segundo os resultados do
estudo, na Alemanha foi detectado o maior uso de metanfetaminas, ao lado de
Holanda e Bélgica. As três cidades com maior consumo foram Erfurt, Chemnitz e
Dresden.
Como outras nações da União Europeia, a Alemanha não
possui instrumentos para combater organizações criminosas que traficam e
distribuem drogas no país e efetuam operações de lavagem de dinheiro.
Quando, em 2011, a
'Ndrangheta, da Calábria, na Itália, assassinou seis pessoas em Duisburg, na
Renânia do Norte-Vestfália, acendeu-se um sinal de alerta que ao longo dos anos
se tornou um sinal vermelho. Foi um ajuste de contas entre clãs que operam na
Alemanha.
Naquela época, as autoridades
asseguraram que não haviam detectado "nenhuma atividade mafiosa".
Hoje, o secretário de Justiça do estado, Peter Biesenbach, junto a promotores e
autoridades policiais, tem como missão enfrentar organizações criminosas que
operam em seu território: italianas, mexicanas e turcas, entre outras.
CARTÉIS MEXICANOS
Chama atenção dos
investigadores o fato de que, quando conseguem deter "testemunhas
colaboradoras", estas se mostram abertas a falar sobre as operações da
'Ndrangheta, mas quase nunca dos cartéis mexicanos, porque mesmo entre os
criminosos eles são considerados os mais violentos. Através dessa difusão do
terror, os cartéis mexicanos crescem mais rapidamente.
Principalmente o Cartel de
Sinaloa, que é o mais antigo e mais experiente nesse ramo criminal.
GRUPO DE TRABALHO ANTIMÁFIA
No início de novembro,
Biesenbach e uma equipe de colaboradores participaram em Palermo, na Sicília,
de um grupo de trabalho antimáfia, chefiado pelo procurador-geral Roberto
Scarpinato. Este é membro do primeiro pool mundial de especialistas criado na
Itália nos anos 1980 para lutar de maneira especializada contra uma forma de
crime organizado que eles chamavam de "máfia" e que estava se
expandindo na Sicília, confrontando o Estado, assumindo o controle do cotidiano
de seus cidadãos, distorcendo os valores sociais.
FALTAM INTERCEPTAÇÃO E
INFILTRAÇÃO.
De acordo com conversas
informais com membros da delegação alemã, Berlim tem três desvantagens para
lidar com esse tipo de crime organizado: do ponto de vista cultural, é difícil
para os alemães entenderem como são e como operam essas organizações.
O crime de associação
criminal foi introduzido na legislação apenas em 2017, mas faltam outras
reformas legais que facilitem a investigação dessas organizações. Há escassez
de instrumentos legais mais fortes para a investigação de suas operações e de
seu patrimônio: faltam interceptação e infiltração.
Outro fator negativo para o
combate legal a essas organizações criminosas é que a lei criminal alemã é
feita para punir crimes cometidos por indivíduos, não pelo crime organizado.
Crime organizado investe em
países com menos riscos legais
LEI DE "PREVENÇÃO
PATRIMONIAL"
Na década de 1980, o Estado
italiano criou uma lei de "prevenção patrimonial" que permite
confiscar bens quando há suspeita de origem ilegal, sem a necessidade de provar
um crime específico. A legislação permite o confisco de bens quando se
evidencia uma desproporção entre o patrimônio e os lucros declarados ao Fisco.
Segundo investigações da
Justiça italiana, desde a adoção dessa lei, organizações criminosas como
'Ndrangheta, Cosanostra e La Camorra não deixam mais ativos ilegais na Itália,
porque há uma alta probabilidade de serem confiscados.
É por isso que esses capitais
migram para outros países, como a Alemanha, onde há falta de conhecimento do
problema, de legislação correspondente e de treinamento específico de agentes
da lei. São ativos sangrentos cuja geração custou milhares de vidas humanas no
México, mas também são capitais perversos que só conhecem as regras de seus
próprios benefícios sem nenhuma ética, consciência ou responsabilidade social.
CRIME ORGANIZADO É GLOBAL
Nos dois anos em que me
aprofundei no modelo italiano de combate ao crime organizado, comparando-o
também com outros esforços, incluindo o americano, o estilo italiano de
enfrentar a máfia aparece, certamente, como um modelo que demonstrou sua
eficácia: prenderam e condenaram centenas de membros de grupos mafiosos, mas
também políticos, servidores públicos, comerciantes, empresários e
profissionais que se aliaram a tais grupos do crime organizado.
Mas o modelo chega a um
limite, o mesmo enfrentado pelo México, Espanha e Holanda: o crime organizado é
global, não conhece fronteiras, interage rompendo barreiras.
O crime organizado
transnacional sabe como se conectar globalmente, compartilhando seus ativos,
infraestrutura e capital para crescer junto e contornar as fronteiras
nacionais. É um absurdo que países do mundo não se unam pelo menos numa base
continental para enfrentar essa ameaça com uma política comum e meios legais
coordenados, compartilhando inteligência, infraestrutura e recursos. Fonte: Deutsche
Welle-11.12.2019
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