domingo, 15 de abril de 2018

As almas dos negócios: Facebook e YouTube

Todas as utopias terminam em distopias. O que é verdadeiro para a política é igualmente verdadeiro para a tecnologia. Ainda me lembro quando especialistas vários diziam que as “redes sociais” simbolizavam uma nova aurora na história da humanidade.
O Facebook, por exemplo, iria levar a democracia ao Oriente Médio; e o YouTube (eu sei, é uma “mídia social”, não uma “rede social”) também serviria propósitos democráticos. No caso, permitindo que cada pessoa pudesse ser estrela por um dia —ou por vários dias.

Acontece que as utopias, políticas ou tecnológicas, têm sempre um problema de base: o macaco primitivo que há em nós. Ou, para ser rigoroso, os macacos: aqueles que controlam as “redes” e aqueles que usam as “redes”.
Sobre os controladores, não era preciso ser um gênio para perceber que não há almoços grátis. Mark Zuckerberg não criou o Facebook para unir famílias distantes, aproximar amigos com os mesmos gostos ou promover debates livres sobre política ou gastronomia.

O Facebook vende os dados dos seus utilizadores e as empresas compram esses dados para venderem produtos de uma forma, digamos, mais “personalizada”.
Além disso, os macacos que usam as “redes” também não o fazem desinteressadamente. As “redes” servem para alimentar e potenciar o “ser narcísico” que todos temos de uma forma nunca antes vista.

E, nesse quesito, entre a privacidade ou a vaidade, a maioria nem hesita: a gratificação instantânea dos “likes” e dos comentários sempre foi mais forte do que as virtudes silenciosas do recato.
No último escândalo do Facebook —o uso indevido de informação de usuários para fins de propaganda eleitoral— as culpas são repartidas por todas as partes: pela empresa, que não protegeu os dados; pela Cambridge Analytica, que os usurpou sob falsos pretextos; e pelos próprios utilizadores, que revelam sempre mais do que é prudente ou desejável.

Mas o Facebook não é caso único. Essa semana, uma mulher de 39 anos, Nasim Aghdam, entrou na sede do YouTube, no norte da Califórnia, para se vingar. Mas vingar de quê?
De “discriminação”, disse a própria, antes de ferir três pessoas a tiro e de se matar a seguir. No Youtube, a sra. Aghdam esperava encontrar uma fonte de rendimento com seus vídeos vegan em defesa dos animais.

Só que esse rendimento, tal como o rendimento do Facebook, não vem por caridade; implica um número generoso de visualizações para que as empresas estejam dispostas a fazer publicidade no vídeo do candidato a estrela.
Se tivermos em conta que 300 novas horas de filmagens são disponibilizadas no canal a cada minuto —repito, minuto—, não é preciso dizer mais nada.

É por isso que, em rigor, o YouTube não serve para criar “estrelas” (embora elas existam como grãos de areia no deserto). Mas serve, com grande eficácia, para criar milhões de seres humanos ressentidos que desejam mais, muito mais do que 15 segundos de fama.
Se os recentes incidentes com o Facebook e o YouTube servirem de lição para milhões de otários; e se essas empresas, muito legitimamente, assumirem o que são —modelos de negócio e não ONGs piedosas— talvez nem tudo esteja perdido. Fonte: Folha de São Paulo - 6.abr.2018, João Pereira Coutinho, escritor português e doutor em ciência política.

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