A primeira vez que vi semelhante OVNI, parei no meio da
calçada e fiquei a analisar o objeto: uma espécie de bastão, com um smartphone
na extremidade –e alguém, segurando o bastão, a sorrir para o smartphone.
Amedrontado com o extraterrestre, perguntei o que era
aquilo. Fui informado: se as "selfies" conquistaram o mundo, era
preciso inventar um mecanismo qualquer que facilitasse o processo –e melhorasse
a qualidade das fotos. O bastão de selfie era a resposta.
O caso é assustador –mas interessante. Antigamente, quando
um casal visitava uma cidade e pretendia uma foto conjunta, a solução era
simples: pedir a alguém para fazer a gentileza.
O gesto era "social", comunitário, gregário. E,
depois da foto, era possível agradecer a gentileza e, quem sabe, perguntar por
um bom restaurante, um museu, um monumento. Qualquer coisa capaz de sustentar
uma conversa com os nativos.
Esses expedientes acabaram porque tinham de acabar: na era
do narcisismo, o "selfie" começou por preencher a sua cota de
mercado. Mas, como normalmente acontece, o narcisista não se basta a si
próprio.
Ele precisa da atenção do mundo –e o "pau" de
selfie, como se diz no Brasil, é a melhor forma de conquistar uma audiência.
Aliás, a expressão "pau de selfie", até por sua conotação fálica, é a
mais apropriada: usar o "pau" no meio da rua faz lembrar aqueles
tarados que gostam de abrir o casaco para mostrarem as intimidades em público.
Em rigor, o narcisista não está apenas interessado na sua
própria figura –depois de centenas, milhares, milhões de fotos, qualquer um
morre de tédio. Ele pretende mais: montar um pequeno palco pessoal, onde é
possível ser modelo –e ter o mundo em volta como auditório.
Para tudo ser perfeito, só faltava mesmo o som dos aplausos.
Uma questão de tempo, acredito, porque a tecnologia não dorme.
Não admira por isso que alguns museus, a começar pelo Louvre
de Paris, tencionem proibir o uso do "pau". Porque ele é incômodo
para os restantes visitantes? Não duvido.
Mas a razão mais profunda talvez seja outra: por melhor que
seja o sorriso de Mona Lisa, ele não consegue competir com os sorrisos idiotas
dos turistas que visitam museus para serem eles as obras-primas principais.
Fonte: Folha de São Paulo - 09/03/2015 - João Pereira Coutinho, escritor português
Comentário:
Em um estudo, pesquisadores apontam que 15 pessoas morreram
por causa de selfies em 2014, 39 em 2015 e 73 nos primeiros oito meses de 2016.
O estudo, conduzido pelo estudante de doutorado Hemank Lamba e por uma equipe
de amigos da universidade de Carnegie Mellon em Pittsburgh, nos Estados Unidos,
também mapeia os locais e causas das mortes, em vários lugares do mundo.
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