Eric Njuguna está furioso. O
ativista ambiental de 20 anos testemunha as mudanças devastadoras causadas pelo
aquecimento do planeta no Quênia. A população está perdendo seus meios de
subsistência, suas casas e até mesmo suas vidas, em meio à pior seca que a
região viu nos últimos 40 anos.
"Os impactos nos deixam
com sede. Nos deixam famintos por comida. Sinto que a raiva vem de saber que
fizemos o mínimo para causar isso, mas são nossos países e nossas comunidades
que sofrem com o impacto", disse Njuguna à DW a partir da capital do
Quênia, Nairóbi.
O Quênia é um dos países do
Sul Global mais atingidos pela mudança climática. Mas não é o único. A seca
extrema tem deixado milhões de pessoas no Chifre da África à beira da fome,
enquanto tempestades cada vez mais destrutivas atingem as Filipinas. Nos
últimos meses, cerca de 1.500 pessoas morreram depois que mudanças de vento
extremas, as chamadas monções, inundaram grandes áreas do Paquistão.
"Existe aquilo a que
podemos nos adaptar, contudo, com a gravidade crescente da crise climática, há
também aquilo a que não podemos", afirma Njuguna. "Isso precisa ser
financiado."
Os apelos estão cada vez mais
fortes para que nações mais ricas forneçam compensação na forma de um fundo
dedicado para cobrir os custos de perdas e danos graves.
A questão controversa deve
desempenhar um papel importante nas discussões durante a 27ª Conferência das
Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP27), que ocorre em Sharm
El-Sheikh, no Egito. No último domingo, representantes concordaram em abordar o
financiamento de perdas e danos, adicionando o tema à agenda da cúpula pela
primeira vez.
O QUE SÃO PERDAS E DANOS?
O termo perdas e danos é
usado para se referir aos danos gerados pelas mudanças climáticas causadas pelo
homem.O conceito foi introduzido pela Aliança dos Pequenos Estados Insulares
nas negociações climáticas internacionais em Genebra, em 1991, com a proposta
de um esquema de seguro contra a elevação do nível do mar, com custos a serem
cobertos pelos países industrializados. Mas não foi seriamente considerado
novamente até 2013 na COP19 em Varsóvia, Polônia.
O Mecanismo Internacional de
Varsóvia para Perdas e Danos foi criado com o objetivo de aprofundar o
conhecimento sobre o tema e encontrar formas de abordá-lo. Houve pouco
movimento desde então.
Na conferência climática da
ONU do ano passado, realizada na cidade escocesa de Glasgow, os negociadores
rejeitaram uma proposta de mecanismo financeiro formal para perdas e danos
feita por membros do Grupo dos 77 (G77), que reúne mais de cem países em
desenvolvimento e a China. Em vez disso, foi estabelecido o chamado Diálogo de
Glasgow, a fim de permitir uma discussão mais aprofundada sobre o financiamento
de uma "maneira aberta, inclusiva e não prescritiva".
Contudo, Zoha Shawoo,
cientista associada que pesquisa perdas e danos no Instituto do Meio Ambiente
de Estocolmo, diz que alguns países criticaram o diálogo como "uma
desculpa para adiar novas ações".
O DEVER DOS PAÍSES RICOS
Historicamente, os países
desenvolvidos têm a maior responsabilidade pelas emissões que levam ao aumento
da temperatura global. Entre 1751 e 2017, os Estados Unidos, a União Europeia e
o Reino Unido foram responsáveis por 47% das emissões cumulativas de dióxido
de carbono, em comparação com apenas 6% dos continentes africano e
sul-americano. Ainda assim, eles têm sido lentos em fazer contribuições
financeiras para aliviar o impacto nos países mais afetados.
Em 2010, as nações do Norte
Global concordaram em destinar 100 bilhões de dólares (mais de R$ 500 bilhões)
anuais até 2020 para ajudar os países em desenvolvimento a se adaptarem aos
impactos das mudanças climáticas, por exemplo, fornecendo aos agricultores
plantações resistentes à seca ou pagando por melhores defesas contra
inundações.
Contudo, de acordo com a
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que monitora o
financiamento, em 2020 os países ricos empenharam pouco mais de 83 bilhões de
dólares. O valor representou um aumento de 4% em relação ao ano anterior, mas
ainda ficou aquém do valor acordado.
Marlene Achoki, colíder de
política global sobre justiça climática da ONG CARE International, diz que os
países desenvolvidos, que criaram o problema da mudança climática, devem
"fornecer o financiamento necessário", uma vez que o financiamento
inadequado tem um efeito desestabilizador nos países que já estão com
dificuldades.
"Em vez de abordar
questões de pobreza e educação,eles precisam tomar medidas para lidar com as
questões das mudanças climáticas", afirma Achoki. "Eles precisam
buscar recursos, finanças para tentar construir a resiliência das
comunidades."
PERDAS NÃO SÃO APENAS
FINANCEIRAS
De acordo com um relatório
elaborado pela Loss and Damage Collaboration (grupo global de pesquisadores,
ativistas, advogados e tomadores de decisão), 55 das 58 nações incluídas no
Vulnerable 20 (grupo de nações em desenvolvimento que inclui, entre outros
países, Quênia, Filipinas e Colômbia) sofreram perdas econômicas de mais de
meio trilhão de dólares nas duas primeiras décadas deste século, em decorrência
da mudança climática.
Mas as perdas não são apenas
econômicas. A mudança climática também causa, por exemplo, o desaparecimento de
áreas de importância cultural e tradicional.
"Se você tem uma área
onde se realiza rituais religiosos ou culturais, como uma praia ou algo assim,
e ela é inundada e removida, isso traz uma perda associada ao desaparecimento
da área. Muitas das comunidades mais vulneráveis às mudanças climáticas
também são comunidades indígenas ou locais e estão enfrentando a maioria dessas
perdas", afirma a cientista Shawoo.
QUAL É O PONTO DE ATRITO?
Embora os países
desenvolvidos reconheçam amplamente a necessidade de lidar com as perdas e
danos, alguns defendem o financiamento por meio de fundos climáticos já
existentes, esquemas de seguro e ajuda humanitária. A União Europeia, por
exemplo, disse que estava "aberta a discutir perdas e danos como um
tópico, mas hesitante em criar um fundo dedicado a ele".
"Acho que há um medo de
que, se eles reconhecerem a necessidade de financiamento adicional para perdas
e danos, isso abra espaço para reivindicações de responsabilidade e
compensação, o que teria um custo enorme", pondera Shawoo.
Se uma ponte desabou por
causa de uma inundação, ou casas foram destruídas como resultado de um tufão em
um país em desenvolvimento, por exemplo, existe o medo entre os países
desenvolvidos de que "eles seriam responsabilizados por pagar por
isso", acrescenta.
Alguns países decidiram seguir
seu próprio caminho. No início deste ano, a Dinamarca prometeu mais de 13
milhões de dólares em compensação de perdas e danos aos países em
desenvolvimento, incluindo a região do Sahel, no noroeste da África. Na COP26
no ano passado, a Escócia também se comprometeu com pelo menos 1 milhão de
dólares.
A ação individual de países é
uma boa maneira de atender à urgência das perdas enfrentadas pelas nações em
desenvolvimento, diz Shawoo. "É uma maneira fácil para os países mostrarem
que estão fazendo algo sem se comprometer com algo que os responsabilize, como
um mecanismo financeiro."
Mas com as temperaturas
subindo e as nações ricas falhando em reduzir significativamente as emissões de
dióxido de carbono, os impactos das mudanças climáticas continuarão afetando as
comunidades mais pobres.
"A janela para ação está
se fechando. Os impactos que estamos enfrentando com 1,2 graus de aquecimento
são bastante severos e ainda não há nenhuma ação séria à vista", conclui o
ativista Eric Njuguna. Fonte: Deutsche
Welle – 8.11.2022