Prisioneiros do campo de concentração de Buchenwald aglomerados em beliches precários de madeira, sem colchão, em foto feita em 15 de abril de 1945, quatro dias após a libertação pelas forças aliadas
Buchenwald foi um dos maiores campos de concentração nazista dentro da Alemanha. Hoje, manter viva a memória desse período é desafio diante do crescimento do extremismo de direita.
As construções na colina de
Ettersberg parecem destoar da paisagem ao redor. Elas estão cercadas por uma
floresta que se avista de longe, a noroeste da área urbana da metrópole
cultural Weimar, na Turíngia.
Mas o que de longe parece um
lugar idílico guarda, na verdade, uma história terrível: a do campo de
concentração nazista Buchenwald, um dos maiores em solo alemão. Ali, de 1937 a
1945, nazistas prenderam cerca de 280 mil: judeus, dissidentes, comunistas,
homossexuais, detentos estrangeiros, "ciganos" (sinti e roma),
testemunhas de jeová e líderes religiosos malquistos.
Buchenwald era o próprio
inferno – um dos vários infernos da máquina nazista de perseguição e
assassinato. Além das instalações em Ettersberg, o complexo incluía mais de 50
pequenos subcampos, a maioria em locais de produção de bens importantes para a
guerra.
Em Buchenwald foram mortas
até abril de 1945 cerca de 56 mil pessoas, a maioria judeus. A libertação só
veio nas semanas finais da Segunda Guerra Mundial, com a aproximação dos
primeiros tanques americanos. Ao perceber a movimentação, prisioneiros
deflagraram uma rebelião no dia 11 de abril de 1945, evitando a fuga de
diversos soldados da SS (Schutzstaffel ou esquadra de proteção), o braço armado
do partido nazista
Após o fim da guerra, a Turíngia
passou a fazer parte do território alemão sob ocupação soviética. Logo os
soviéticos passaram a usar suas instalações para um "campo especial",
prendendo ali principalmente líderes locais do partido nazista, policiais ou empresários
que mantiveram linhas de produção com trabalho forçado. Até 1950, outras 7 mil
pessoas morreram ali.
"ELES TRATAVAM AS
PESSOAS COMO ANIMAIS"
Faz 80 anos que o campo foi
libertado dos nazistas. Passado tanto tempo, restam poucas testemunhas e sobreviventes
dos horrores daquele período. Essas lembranças dolorosas têm importância
histórica. Para mantê-las vivas, ferramentas digitais são cada vez mais
importantes.
"Ainda há 15
sobreviventes, 15 no máximo, que foram convidados", afirma o historiador Jens-Christian
Wagner sobre a solenidade que ocorreu no 6 de abril. Ele dirige a fundação que
administra os memoriais dos campos de concentração Buchenwald e Mittelbau-Dora.
Wagner lembra a cerimônia de
60 anos, em 2005. Naquela época, cerca de 500 sobreviventes compareceram ao
evento. Em 2015, nos 70 anos da libertação de Buchenwald, pouco mais de 80 – a
maioria já bem idosa – viajaram até Weimar.
A DW conheceu um deles à
época, o ex-piloto da Força Aérea do Canadá Ed Carter-Edwards, então com 92
anos. O avião dele foi abatido no verão de 1944 próximo a Paris, e ele foi
levado para Buchenwald, onde passou três meses e meio. "Eles tratavam as
pessoas como animais", disse, citando, aos soluços, os nomes dos amigos
que não sobreviveram ao campo de concentração. Carter-Edwards morreu em 2017.
"LEMBRAR O PASSADO É RESPONSABILIDADE DE TODOS NÓS"
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Prisioneiro famélico do "bloco 55", parte do "campo dentro do campo" de Buchenwald, onde mais de 6 mil morreram em menos de cem dias antes da chegada dos aliados
"Todos nós somos responsáveis por lembrar – cada cidadão, cada cidadã", diz Wagner. Trata-se, frisa ele, de marcar posição e de se opor ao racismo, ao extremismo de direita e ao antissemitismo.
Para o historiador, os "partidos democráticos" cometeram um "erro enorme" ao adotar a retórica da ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) para falar sobre migração. Ele diz que esse debate acabou "normalizando" narrativas xenófobas.
O estado da Turíngia, onde
fica Weimar, é um dos bastiões da AfD. Ali, o partido teve seu melhor
desempenho em todo o país, conquistando 38,6% dos votos na eleição geral em
fevereiro deste ano – quase o dobro do resultado nacional, de 20,8%. No
Parlamento da Turíngia, a AfD também ampliou seu espaço, assumindo 32 dos 88
assentos após as eleições regionais em setembro de 2024. A bancada estadual é
liderada por Björn Höcke, político notório por flertar com o extremismo.
"Estamos no olho do
furacão", diz Wagner, referindo-se à Turíngia, ao citar a ascensão mundial
de movimentos extremistas e autoritários de direita, inclusive na Alemanha. A
situação é "extremamente preocupante", frisa. "Por muito tempo,
achamos que as pessoas tinham aprendido a lição da época do nazismo." Mas
ele diz já não ter mais tanta certeza disso.
Wagner afirma que o nazismo e
seus crimes foram "notoriamente minimizados", posições que glorificam
o nazismo teriam sido até mesmo defendidas. Ele alerta que é de fundamental
importância para as estruturas que sustentam a democracia do país refletir
sobre o passado nazista da Alemanha, mas que essa consciência estaria
diminuindo.
VANDALISMO E AMEAÇAS
Os memoriais na colina de
Ettersberg que Wagner administra já foram alvos diversas vezes de vandalismo.
Em 2024, ele mesmo sofreu ameaças diretas. E hoje, diz o historiador,
funcionários do local também temem pela própria segurança de vez em quando.
"Não devemos nos deixar intimidar, mas precisamos ser cautelosos",
explica.
Em Buchenwald, há um
crematório, um campo de cinzas e uma "praça de chamada", espaço onde
os prisioneiros tinham que se apresentar todos os dias e todas as noites para
contagem. Há também um "bloco das crianças" e o "Instituto de
Higiene", onde médicos da SS conduziam experimentos em prisioneiros em
cooperação com a indústria farmacêutica e pesquisadores, em busca de vacinas.
O portão de entrada do campo
de concentração, que ostenta a frase "Jedem das Seine" (a cada um o
que é seu), foi muito retratado na imprensa. O relógio na pequena torre acima
dele marca sempre 15h15 – a hora em que o inferno dos prisioneiros acabou.
Hoje, o local onde ficava o
campo de concentração tem poucas construções, muita área livre e muitos
pedregulhos, faias e carvalhos nos fundos do terreno, e a vista sobre as terras
turíngias.
Perguntado sobre qual lugar
ali tem um significado especial para ele, Jens-Christian Wagner reflete por um
momento antes de citar o "pequeno campo". Ali, em estábulos que
formavam um "campo dentro do campo", prisioneiros eram selecionados
antes de serem enviados para o trabalho forçado. No início de 1945, doentes
foram aglomerados nos barracos e deixados à própria sorte; mais de 6 mil morreram
em menos de cem dias.
"A partir de fevereiro
de 1945, o local se transformou em um campo de sofrimento e morte para os
prisioneiros levados de Auschwitz para Buchenwald", diz Wagner.
O local foi destruído logo
depois da libertação do campo de concentração.
Wagner diz que, na época da Alemanha Oriental, o local do "pequeno campo" estava tomado pelo mato e não era muito lembrado. Agora, uma clareira ali exibe as fundações arqueológicas do confinamento. "Continua sendo um lugar de sofrimento e luto." Fonte: DW-11 de abril de 2025
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