A cada vez que Bolsonaro anuncia alguma nova medida ou
projeto pelo Twitter, alguém observa que o nosso presidente parece estar ainda
em campanha. Ou seja, ele não estaria preocupado com o presente e futuro do
país, mas, prioritariamente, em ganhar e manter a simpatia do maior grupo
possível de seus eleitores. É como se, para ser presidente, a cada dia, ele
precisasse ser eleito novamente.
Claro, ninguém pretende que um governante, uma vez eleito,
faça o contrário do que anunciou, mas, justamente, nas democracias, as eleições
são a cada quatro, cinco ou seis anos porque, sem isso, nenhum eleito
conseguiria governar, nunca: ele só faria campanha.
Voltando: nosso presidente parece estar governando para uma
plateia, e não segundo um plano.
Essa característica (de governar para uma plateia) é comum
aos populismos que pipocam hoje pelas democracias ocidentais: Trump e Bolsonaro
são grandes exemplos.
Agora, isso é surpreendente? É uma
"monstruosidade" que surgiu só agora, por causa das redes sociais que
tornam a tal plateia constantemente presente?
Acredito no contrário: receio que os populismos que governam
para a plateia sejam filhos legítimos do sistema democrático moderno. Explico.
Hoje, posso vir a ser ministro mesmo sem ser nobre, mas isso
tem um preço: preciso que os outros (no mínimo, alguns deles) acreditem nos
meus dotes e, em síntese, que eles gostem de mim.
Sou livre porque poderei fazer uma série de coisas para ser
gostado, enquanto, no antigo regime, não podia fazer nada para corrigir o fato
de que eu nascera numa casa sem nobreza.
Na modernidade, aliás, o fato de ser reconhecido, apreciado
e gostado se torna mais importante não só que nossa origem, mas também que
nossa eventual competência.
No mundo moderno, ser competente ajuda, mas melhor não
esperar disso o sucesso se a gente não parecer competente. Ou seja, na
modernidade, somos "livres", mas reféns dos outros e do que eles
pensam de nós.
Claro, nesse "gostar" as ideias podem ter alguma
relevância. Mas, de novo, é fácil constatar que os argumentos sem
"gostabilidade" não adiantam, enquanto a "gostabilidade"
sem argumentos pode ganhar uma eleição.
No jogo democrático, ser gostado é mais importante do que
convencer. Por isso mesmo, talvez o populismo não seja uma monstruosidade, mas
a forma conclusiva da democracia.
Daí o clima permanente de campanha: o político não pode
deixar de entusiasmar a plateia porque a aprovação dela é o que confirma sua
legitimidade. Então, sim, a reforma da Previdência é importante para o país,
mas, para o político, é mais importante reformar o código da circulação para
ganhar a aprovação dos multados. Qualquer relatório sobre o custo em vidas
humanas dessas mudanças pode ser dispensado, porque não importa debater sobre
os efeitos das mudanças, o que importa é ser gostado.
As redes sociais são a verdade da democracia: elas
escancaram que a fonte do sucesso (e da legitimidade) está no número de likes. Para
os preguiçosos, o lado bom desse mundo é que ninguém precisa pensar para
escolher. Precisa é gostar ou não.
O mesmo vale para a realidade. Ninguém precisa se informar,
estudar ou fazer as contas. O que importa é gostar: se vários gostarem, a Terra
é plana e o genocídio não aconteceu.
Vivemos num clima de boteco em que os argumentos e as
competências contam pouco, onde brilham os que ganham a cumplicidade da maioria
—os piadistas, por exemplo, ou os que dizem exatamente o que todos pensavam e
não ousavam confessar que pensavam.
Trump e Bolsonaro não inventaram esse clima de boteco; como
disse, ele não é uma deformação do espírito da modernidade, mas a realização de
sua promessa: você será o que você quiser, se for gostado por muitos outros —e
poderá dizer qualquer besteira, se ela for gostada pelos mesmos. Fonte: Folha
de São Paulo - 13.jun.2019, Contardo Calligaris
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