Prisão e abertura de investigação criminal dependem de
autorização do Parlamento, mas deputados raramente agem para proteger colegas.
Alguns até mesmo consideram o suposto privilégio um "fardo".
Os inúmeros casos de suspeitas de corrupção contra políticos
brasileiros que caminham a passos lentos e a situação legal do senador tucano
Aécio Neves escancararam os limites do Judiciário frente à imunidade
parlamentar. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou
entendendo que qualquer medida cautelar contra um parlamentar precisa ser
autorizada pela Câmara ou pelo Senado.
AUTORIZAÇÃO DO PARLAMENTO
Assim como no Brasil, na Alemanha, membros do Bundestag
(Parlamento alemão) também gozam de imunidade em relação a investigações
criminais quando estão no exercício dos seus mandatos. As regras são
asseguradas pelo artigo 46 da Lei Fundamental, a Constituição alemã.
Para um deputado alemão em exercício de mandato ser preso ou
ter sua liberdade limitada durante a investigação de um crime comum, é preciso
autorização do próprio Parlamento, tal como o STF determinou recentemente no
Brasil. Isso também inclui a abertura de inquéritos.
Cabe ao Ministério Público pedir ao Bundestag a retirada da
imunidade do parlamentar para que ele seja investigado ou preso. A decisão
final é da Comissão para o Controle de Eleições, Imunidade e Regras de
Procedimentos, formada por 14 membros (deputados de todos os partidos que
compõem a atual legislatura).
A IMUNIDADE, PORÉM, NÃO INCLUI CASOS DE FLAGRANTE.
Neste caso, a polícia é livre para efetuar a prisão. Em
março de 2016, um deputado do Partido Verde foi preso em Berlim após sair da
casa de um traficante. Foi encontrado 0,6 grama de metanfetamina com ele. A
comissão nem chegou a analisar o assunto, e o caso seguiu direto para a
Justiça.
A imunidade também se estende ao presidente da República,
mas não aos membros do Bundesrat (a câmara alta) e aos ministros sem mandato
parlamentar. Regras semelhantes também existem na maioria dos 16 parlamentos
estaduais.
CASOS RAROS
Mesmo que a palavra final sobre a imunidade seja
prerrogativa do Bundestag, é bastante raro que os deputados tomem uma decisão
para proteger um colega. A regra é praticamente sempre aceitar qualquer pedido
do Ministério Público.
Nas três últimas legislaturas, entre 2005 e 2017, 37
deputados foram alvos de pedidos do Ministério Público para que seus
privilégios fossem retirados e eles pudessem ser investigados e eventualmente
denunciados na Justiça. Em apenas um caso, o Bundestag não atendeu as solicitações.
AUSÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO
Os deputados também podem ser investigados por procuradores
estaduais e julgados em tribunais locais. Não há foro privilegiado ou a
prerrogativa de uma alta corte do país ser responsável pelo caso, como acontece
no Brasil, onde o Supremo concentra os processos contra deputados e senadores
em exercício do mandato.
Em 2010, um procurador regional da Baixa Saxônia pediu que o
próprio presidente da Alemanha tivesse a imunidade anulada por suspeita de
tráfico de influência. No entanto, antes de o Bundestag tomar uma decisão, o
presidente em questão, Christian Wulff, renunciou. Ele acabou sendo absolvido
em 2014.
NADA DE PRIVILÉGIO
Assim como ocorre com o foro privilegiado no Brasil, a
questão da imunidade também é controversa na Alemanha, mas não por uma
percepção geral de que os deputados contam com uma blindagem extra.
Em março de 2016, o presidente do Bundestag, Norbert
Lammert, afirmou que seria melhor abolir o mecanismo. Assim como outros
deputados, Lammert apontou que longe de ser um privilégio, a imunidade era um
"fardo".
A comissão responsável por analisar os pedidos para retirada
de imunidade só costuma publicar estatísticas gerais em cada legislatura, sem
divulgar os nomes dos deputados envolvidos. Mas a maior parte acaba sendo
descoberta pela imprensa local, que trata logo de divulgar os nomes.
Alguns deputados já se queixaram que isso tem um efeito
perverso. Eles apontam que a eventual publicidade dessas decisões de rotina
acaba provocando um efeito público de condenação antecipada entre a população,
antes mesmo de o Judiciário analisar a acusação. Eles também afirmam que
eventuais notícias sobre o arquivamento de acusações e a restituição da
imunidade raramente recebem a mesma cobertura.
Para contornar isso, o estado de Brandemburgo já inverteu a
lógica da imunidade entre os deputados estaduais do seu Parlamento. Lá, não há
nenhum tipo de imunidade antecipada, e qualquer deputado pode ser investigado
pela polícia e pelo Ministério Público sem a necessidade de autorização. Mas o
Parlamento pode escolher conceder imunidade a um deputado se considerar que a
motivação das acusações é política. Fonte: Deutsche Welle - Data 17.10.2017
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