sexta-feira, 17 de março de 2017

América Latina: Atraso tecnológico



O atraso tecnológico da América Latina como decorrência de aspectos geográficos e de fatores microeconômicos

Obs Resumo do artigo de 22 páginas.

Introdução
A importância do efeito da tecnologia no desempenho e na competitividade das empresas é indiscutível: hoje novos produtos e processos dão às empresas a possibilidade de compensar seus fatores escassos ou fraquezas. E esses novos produtos e processos são obtidos por intermédio da tecnologia.
A tecnologia diminuiu muito a importância dos antigos fatores de produção considerados fundamentais. As vantagens clássicas, como salários baixos, matérias-primas abundantes, capital barato ou os grandes mercados internos foram  completamente anulados pela competição global que hoje prevalece entre as nações. O novo paradigma da competição é baseado na capacidade dos países e de suas respectivas empresas de inovarem. No entanto, como pretendemos mostrar, as empresas latino-americanas investem muito pouco em Pesquisa & Desenvolvimento e raramente atuam nos setores denominados de alta tecnologia. Governos têm responsabilidade nesse fato, por não contribuírem para criar um ambiente empresarial apropriado para o surgimento de inovações. Mas talvez a principal causa para essa inapetência tecnológica esteja na própria geografia da região. O presente artigo pretende examinar justamente essa relação entre o espaço latino-americano e a ocorrência de inovações tecnológicas.

A IMPORTÂNCIA DAS CONDIÇÕES GEOGRÁFICAS NO SURGIMENTO DE INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
O que torna alguns lugares do mundo mais propensos à inovação do que outros? David Landes (1998) pergunta por que a Revolução Industrial aconteceu na Europa e mais especificamente na Grã-Bretanha, e não em outros países. O próprio Landes responde com razões de ordem cultural, histórica e geográfica, mas enfatiza que na Grã-Bretanha de meados do século XIX havia uma crescente autonomia da investigação intelectual combinada com um enorme interesse acerca do que na época se chamava “a invenção da invenção”, e que Landes denomina de rotinização da invenção. Esse aspecto acabou sendo o motor que desencadeou o surgimento de inúmeras descobertas científicas e inovações tecnológicas por parte da Grã-Bretanha e que resultou no domínio britânico sobre a economia mundial no final do século XIX.
Também datam do início do século XX as análises do economista russo Kondratiev. Como se sabe, Kondratiev (1925) foi o responsável pelo conceito de que o crescimento econômico ocorre em ondas, e cada uma delas tem uma duração aproximada entre 50 e 60 anos. Cada uma dessas ondas está associada a alguma importante mudança tecnológica. Já aconteceram quatro ondas e estamos agora na metade da quinta.
 Kondratiev dizia que a mudança tecnológica que caracteriza cada onda tem um impacto enorme sobre toda a economia e a sociedade no período da sua vigência. Cada onda, segundo ele, teria quatro subfases:
1. prosperidade com crescimento;
2. recessão;
3. depressão; e
4. decadência com substituição por uma nova onda.

Assim sendo, inicialmente a nova onda provoca um grande crescimento econômico e enormes mudanças na sociedade, incluindo quebra de paradigmas e mudanças culturais. No entanto, ao final do período, a demanda começa cair, além de haver uma saturação devido ao grande número de empresas competindo entre si. Nesse momento, os investimentos também diminuem, as empresas se concentram em racionalização e o desemprego aumenta. É quando começa a surgir a próxima onda com base no surgimento de alguma nova tecnologia revolucionária.

O PANORAMA TECNOLÓGICO DA AMÉRICA LATINA
Até o início do século XVI, alguns dos povos que habitavam a América Latina, principalmente os astecas, maias e incas, detinham conhecimentos científicos e tecnológicos muitas vezes superiores aos que, à mesma época, existiam na Europa ou na China. Em algumas áreas como astronomia, botânica, farmacologia e metalurgia, os espanhóis assimilaram os conhecimentos adquiridos na região e os disseminaram pela Europa.
Hoje, no entanto, a América Latina deixou de ser um importante provedor de  conhecimentos científicos e tecnológicos, pois apesar de representar cerca de 9% da população mundial, a região toda corresponde a apenas 1,6% do total investido  globalmente em Ciência & Tecnologia (C&T).
Erber (2000) aponta três razões estruturais para comprovar a dificuldade e a pouca atenção com a questão tecnológica no continente latino-americano:
1. A desproporção entre o peso econômico da região e os esforços feitos em C&T, sejam eles expressos pelos gastos com pesquisa e desenvolvimento ou pelo número de publicações científicas e patentes depositadas nos EUA;
2. O claramente melhor desempenho em atividades científicas do que em atividades tecnológicas; e
3. O predomínio de tecnologias importadas, provocando uma limitada articulação entre atividades científicas e tecnológicas na região.

Peter Dicken (1998) enfatiza que uma característica importante no desenvolvimento de países do Terceiro Mundo, sejam eles asiáticos ou latinoamericanos, é a forte presença do Estado. No entanto, o autor assinala o fato de que na América Latina os governos não foram tão bem-sucedidos como na Ásia.

Segundo ele, a razão principal para o insucesso dos vários governos desses países foi a falta de preocupação com o aumento da capacitação interna com vistas a aumentos de exportações. Enquanto, na Ásia, a preocupação maior era o crescimento das exportações de produtos industrializados, na América Latina a ênfase era na substituição de  importações.

Dicken chama a atenção para o fato de que a antiga divisão de trabalho, quando as nações desenvolvidas produziam bens manufaturados e as nações em desenvolvimento vendiam suas commodities, sejam estas minerais ou produtos agrícolas, não é mais válida. Hoje o fluxo de mercadorias pelo mundo é extremamente complexo e se tornou possível graças à fragmentação das cadeias produtivas.

Chris Freeman e Luc Soete (1997), ao compararem o desenvolvimento econômico de algumas nações da Ásia, especialmente Coréia do Sul e Taiwan, com o progresso da América Latina na década de 1980 chamam a atenção para a importância das diferenças que existem em alguns poucos aspectos. Fatos, segundo os autores, que foram decisivos para explicar o enorme crescimento dos tigres asiáticos e a estagnação das nações latino-americanas naquele período.

Para eles, as cinco deficiências abaixo citadas estão entre os principais problemas do continente quando comparado com os tigres asiáticos:
1. Sistema educacional deteriorado com baixa formação de engenheiros;
2. Muita transferência de tecnologia, especialmente dos Estados Unidos, mas baixa capacidade de absorção devido ao pequeno investimento das empresas locais em Pesquisa & Desenvolvimento;
3. Fraca infra-estrutura de Ciência & Tecnologia;
4. Atraso no desenvolvimento das telecomunicações; e
5. Nenhuma ênfase ao setor de produtos eletrônicos.

Para que um dado setor econômico de um determinado país tenha propensão a inovar, existem dez fatores cruciais.
1. Recursos Humanos de alta qualidade;
2. Sólida Infraestrutura de pesquisa em Universidades;
3. Infraestrutura de informação de alta qualidade;
4. Ampla oferta de capital de risco;
5. Presença de clusters em vez de empresas isoladas;
6. Rede de fornecedores de alta competência/excelência;
7. Consumidores exigentes e demandantes de qualidade e sofisticação
8. Consumidores que criam a demanda de forma pioneira e inédita antes que outros consumidores em outros países o façam;
9. Intensa rivalidade entre as empresas locais do setor em questão;
10. Contexto local que encoraje o investimento em pesquisa.

Ao percorrer esse conjunto de dez fatores, é fácil perceber que, em sua grande maioria, eles realmente inexistem ou são muito fracos em toda a América Latina. Talvez a única exceção seja o item 6 – rede de fornecedores de alta competência/excelência. Isso pelo desenvolvido parque industrial do Brasil secundado pelo México.

Cumpre destacar que Porter e Stern mencionam a América Latina e destacam como grandes vulnerabilidades da região, no que diz respeito ao surgimento de inovações, a pouca ligação entre as empresas e as universidades. De acordo com os autores, “o sistema de ensino superior na América Latina tem pouca ligação com as empresas e muito pouco envolvimento com as políticas nacionais voltadas para ciência e tecnologia”. Isso é confirmado por outros autores que se dedicaram a analisar a questão científica e tecnológica do continente. Sagasti (1981) aponta como um dos problemas crônicos da América Latina o enorme distanciamento entre a produção de ciência e a geração de tecnologia, o que, segundo ele, é uma conseqüência da inexistência de  relação entre a universidade e a empresa.

Parte do problema é cultural. O México herdou a tradição européia do cientista como acadêmico e não o modelo norte-americano do cientista inventor e empresário. Para um pesquisador universitário ter ligação com a indústria é considerado prostituição pelos colegas. Do lado da indústria, não há forte tradição de investimento em P&D. Até o início dos anos 80, o México tinha uma política industrial de propriedade estatal e protecionismo que resultava em pouco incentivo ao investimento em inovação. Agora as empresas querem modernizar sua tecnologia, mas voltam-se mais para as empresas estrangeiras atrás de ajuda, e não se mostram dispostas a esperar o tempo necessário para que a ciência e a tecnologia nacionais encontrem respostas para suas necessidades.

Em suma, há várias razões para que o envolvimento das empresas e dos países da América Latina com desenvolvimento tecnológico seja pequeno. Mas, para finalizar essa relação, não se pode deixar de mencionar os aspectos culturais e a análise amarga de Montaner:
A real tragédia da América Latina é que o capital é limitado e boa parte dele está em mãos de empresários não comprometidos com o risco ou com a inovação mas sim com a especulação... Não são capitalistas modernos, mas atuam como senhores da terra de tradição feudal.

Considerações finais
A América Latina é muito rica em recursos naturais e de uma forma geral sua mão-de-obra é barata. Esses foram os principais ingredientes que fomentaram as grandes empresas originárias da região, com raríssimas exceções. Por conta desses fatores, nosso continente ostenta algumas empresas poderosas, mas quase sempre atuantes em setores que foram importantes no século XIX, mas que deixaram de ser relevantes neste século XXI. Ser ator global em setores como bebidas, cimento, mineração, agricultura, pesca ou aço não é de todo mau, mas não é suficiente. Como vimos, os países mais avançados apresentam empresas nos setores que hoje dominam a economia mundial como telefonia, software, hardware, equipamentos médicos ou a indústria farmacêutica. Em outras palavras, podemos dizer que mesmo as grandes empresas latino-americanas de uma forma geral estão fora dos setores de alta tecnologia, com raríssimas exceções como a brasileira Embraer. Empresas do nosso continente quando conseguem porte e projeção para atuar no mercado mundial estão em setores de baixa tecnologia na maioria dos casos produzindo commodities: Petrobras e Cemex são ótimos exemplos.

Os governos dos países mais avançados já perceberam, há tempos, que a competitividade das nações é resultado da competitividade de suas empresas e que, portanto, o que lhes compete é criar as condições para que suas empresas locais possam concorrer internacionalmente. Por isso dão toda atenção ao suporte necessário de Ciência & Tecnologia. Mas também já sabem que nenhuma nação pode ser auto-suficiente em todas as tecnologias. Assim, os Estados Unidos se aperfeiçoaram e criam tecnologia em áreas como farmacêutica, informática e telecomunicações, a Alemanha em mecânica, o Japão em robótica, a Inglaterra em biotecnologia e genética.

No entanto, podemos ter esperanças. Como falamos anteriormente, ao citar os ciclos de Kondratiev, nos últimos 250 anos sempre houve um fator tecnológico que, em média a cada 60 anos, definia o que de importante mudava na economia e na sociedade. Já tivemos quatro ciclos completos e estamos neste momento na quinta onda, a onda da Tecnologia da Informação. Acontece que essa onda está atravessando o seu auge, o que significa que nos próximos anos ela começa a perder importância e uma nova onda estará predominando e definindo a nova dinâmica da economia mundial talvez em 20 anos apenas.

Essa sexta onda será a da Biotecnologia e das Ciências da Vida. A América Latina tem amplas condições para se dar bem nessa sexta onda, não só por já estar desenvolvendo pesquisas de qualidade na área mas, principalmente, devido à riqueza que apresenta com sua biodiversidade, mormente na região amazônica, que avança nos territórios de pelo menos cinco países da América do Sul, inclusive o Brasil.

Em cada uma das ondas anteriores, países e regiões souberam se beneficiar e aproveitaram-se da respectiva onda para conseguir seu desenvolvimento social graças ao crescimento econômico alcançado. A América Latina não pode perder essa janela de oportunidade.
Fonte: Paulo Roberto Feldmann-Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA. USP), São Paulo, SP,

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