Sou mãe de quatro filhos. Eu passei, totalizando os 75 dias dos meus dois primeiros filhos, na UTI Neonatal, mais os 140 dias do meu terceiro filho, também na UTI Neonatal, 215 dias diariamente dentro de uma UTI Neonatal.
Meu terceiro filho, eu perdi, ele ficou 140 dias em ventilação mecânica, nunca foi para casa. Nasceu com uma síndrome incompatível com a vida.
A dor que eu senti ao perdê-lo foi muito, muito grande... Sei que são situações diferentes da que vocês viveram com seus filhos e, talvez, o que eu passei não chegue nem perto do que vocês passaram e estão passando mas, situações à parte, eu gostaria de dizer que a dor da perda é indescritível, é única, é difícil, muitas vezes parece insuportável...
A perda de um filho abre uma ferida profunda, doída, que sangra sem parar. Você vai sentir esta dor o tempo todo, diariamente, até que em algum momento, de alguma maneira, esta ferida começa a cicatrizar. No lugar da ferida aberta ficará uma cicatriz. Há dias em que não a vemos e parece que ela nem está lá. Mas há dias em que nós podemos vê-la e senti-la como se ela estivesse ainda em forma de ferida, aberta, sangrando. Estes dias se alternam, não tem momento certo para acontecer, mas a dor da ferida aberta vai cedendo, cada vez mais, lugar para a convivência com a marca da cicatriz.
Para que isso aconteça é fundamental se permitir sentir, sofrer, viver esta dor. É preciso falar, chorar, não abafar os sentimentos, falar nem que seja com o seu íntimo em seus pensamentos... Buscar algo, alguém, em vocês mesmos, na fé de cada um, aquilo que possa ampará-los neste momento. Não ter vergonha de aceitar que, às vezes, a dor é muito mais forte do que nós... Só assim, um dia a ferida vai se transformar em uma cicatriz. E como toda cicatriz, vai nos acompanhar para o resto de nossas vidas. Mas acreditem, aos poucos, lentamente, vamos convivendo cada vez melhor com ela, e chega um dia em que a tempestade abre espaço para um dia de sol e, neste dia, mesmo olhando para nossa cicatriz, ao lembrarmos de tudo o que aconteceu vamos ter a doce lembrança dos bons e abençoados momentos em que estivemos ao lado de nossos amados filhos. E isto queridos pais, queridos familiares, é só nosso, ninguém nos tira, é eterno. E isto é muito mais significativo, muito mais forte em nossas vidas do que a presença da nossa cicatriz.
Que Deus abençoe a todos vocês, queridos pais, amados filhos e familiares.
Mãe e professora do curso de Psicologia da UFSM
Obs: Referente ao incêndio da Boate Kiss em Santa Maria
Diário de Santa Maria - 01/02/2013 | N° 3365- Angélica Dotto Londero
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