A primeira morte na fábrica neste ano foi em 23 de janeiro. O corpo do operário Ma Xiangqian, 19, foi achado às
4h30 em frente ao prédio do seu alojamento. A polícia concluiu que ele se atirou de um andar alto.
Parentes dele, inclusive uma irmã de 22 anos que trabalhava na mesma empresa, a Foxconn Technology, disseram que ele odiava o emprego no qual estava desde novembro -um turno de 11 horas, sete noites por semana, forjando metal e plástico para fazer peças eletrônicas, em meio a vapores e poeira. Ou pelo menos esse foi o trabalho de Ma até que, em dezembro, uma discussão com seu supervisor o fez ser rebaixado para a limpeza dos banheiros.
O contracheque de Ma mostra que ele trabalhou 286 horas no mês anterior à sua morte, sendo 112 horas extras, cerca do triplo do limite legal. Por tudo isso, mesmo com o adicional de hora extra, ganhou o equivalente a US$ 1 por hora.
"A fábrica estava sempre abusando do meu irmão", disse, chorosa, a irmã dele, Ma Liqun.
Desde a morte de Ma, houve outros 12 suicídios ou tentativas de suicídios em duas unidades da Foxconn em Shenzhen, onde os empregados vivem e trabalham. Essas fábricas, com cerca de 400 mil empregados, produzem para multinacionais como Apple, Dell e Hewlett-Packard.
A maioria dos outros suicidas se encaixa no mesmo perfil: 18 a 24 anos, relativamente novos na fábrica, caindo de um edifício.
A onda de suicídios intensificou o escrutínio sobre as condições de vida e trabalho na Foxconn, maior fornecedor terceirizado de produtos eletrônicos do mundo. Reagindo ao clamor, a Foxconn concedeu nos últimos dias dois grandes aumentos salariais. No último, em 6 de junho, a empresa anunciou que, após um período de experiência de três meses, o salário dos seus operários na China poderá chegar a quase US$ 300 por mês, mais do que o dobro do que era semanas atrás.
Sociólogos e outros acadêmicos veem as mortes como sinais extremos de uma tendência mais ampla: a de uma geração de trabalhadores que rejeita as dificuldades que seus predecessores experimentavam ao compor o exército de mão de obra barata responsável pelo milagre econômico chinês.
Em vez de acabarem com as próprias vidas, muitos operários da Foxconn -dezenas de milhares- simplesmente vão embora. Em entrevistas recentes aqui, empregados diziam que o funcionário típico da Foxconn fica poucos meses na empresa antes de pedir demissão, desmoralizado.
Os operários se queixam de treinamentos do tipo militar, de xingamentos dos superiores e de "autocríticas" que têm de ler em voz alta, além de ocasionalmente serem pressionados a trabalhar até 13 dias consecutivos para completar uma grande encomenda- mesmo que isso signifique dormir no chão da fábrica.
Embora haja na China um limite de 36 horas extras semanais, vários operários contaram que estão acostumados a superar muito esse tempo.
"Eles saem [do emprego] tão rápido porque não conseguem se ajustar à vida na fábrica", disse Wang Xueliu, líder de uma equipe de produção, há seis anos funcionário da Foxconn. Ele também pretende pedir demissão em breve, mas para montar com o irmão uma fábrica de velas para exportação.
Muitas outras fábricas chinesas também enfrentam uma rotatividade elevada. Em todo o sul industrial do país, há uma grave escassez de mão de obra, já que legiões de migrantes rurais, que antes afluíam a esses empregos, agora estão escolhendo outras opções. Muitos buscam o setor de serviços, ou empregos mais próximos de suas cidades.
A Foxconn disse que está tentando oferecer condições mais dignas, mas seu executivo Louis Woo admitiu que há muito por fazer para melhorar o local de trabalho e a cultura administrativa.
A família de Ma Xiangqian negociou uma indenização com a Foxconn, que não quis comentar o caso.
"Ele era meu filho único", disse o pai de Ma Xiangqian, Ma Zishan, um pequeno produtor de plantas e árvores ornamentais vendidas nas grandes cidades. "Filhos únicos são muito importantes no interior. O que eu vou fazer?"
Fonte: Folha de São Paulo - 14 de junho de 2010 - The New York Times
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