Sistemas de controle financeiro e de comunicação secretos,
quatro níveis de contas e até uma estratégia para evitar bebedeiras de
carregadores de dinheiro fizeram parte dos nove anos de funcionamento do Setor
de Operações Estruturadas da Odebrecht.
Essa divisão da empresa especializada no pagamento de
propinas, repasses de caixa dois e remuneração camuflada de seus executivos foi
criada em 2006 para organizar o crescente fluxo de dinheiro sujo na companhia.
Encarregado de montar o setor, o executivo Hilberto
Mascarenhas Alves da Silva Filho disse em sua delação que logo percebeu a
necessidade de ter um sistema de registros exclusivo para a área.
"Quando começou a circular dinheiro demais, fiquei
preocupado. Então fomos analisando o sistema da tesouraria oficial, conhecido
como o "MyWebDay", e dizendo o que a gente precisava adaptar",
afirmou.
Esse exame levou ao desenvolvimento da versão "B"
do "MyWebDay", cujos dados foram armazenados em um servidor em
Angola, país onde a Odebrecht tem obras.
Como o sistema de informática sempre caía e um funcionário
da área de tecnologia no país africano chegou a bisbilhotar o "MyWebDay
B", a empresa decidiu levar os registros para onde não houvesse operações
da companhia.
Um data center na cidade de Genebra, na Suíça, então, foi
escolhido para armazenar as informações.
Para as comunicações entre os membros do setor e operadores
financeiros, foi usado um sistema de e-mails paralelo, o "Drousys",
instalado no mesmo local na Suíça.
O fluxo do dinheiro também contou com um método de
ocultação. Segundo o delator Luiz Eduardo Soares, o setor tinha quatro camadas
de contas correntes.
As contas de nível um ficavam em nome de empresas do grupo
no exterior, que pagavam companhias subcontratadas pela Odebrecht.
Essas subcontratadas, por sua vez, abasteciam as chamadas
contas de nível dois, abertas por Soares em nome de terceiros no exterior. Em
seguida, em uma terceira etapa, os recurso eram transferidos para contas de
mesmo perfil, apenas para acrescentar uma camada à operação.
As contas de nível quatro tinham como titulares os
operadores financeiros de confiança da empresa, e daí os recursos seguiam para
os destinatários finais.
Soares diz que, a partir de 2009, o volume de operações
cresceu de maneira "vertiginosa" e "o dinheiro ia direto do
nível dois para o quatro".
O setor também tinha uma estratégia para evitar a eventual
embriaguez de transportadores de valores.
"Tinha uma tentativa nossa de não pagar nada nem
segunda e nem sexta. Essa era uma exigência dos operadores. Eles achavam que
segunda muita gente faltava porque tinha tomado cachaça no fim de semana, e
sexta o cara já estava na cachaça também", explicou Hilberto.
ENTENDA
O Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, responsável
pelo pagamentos de propinas e repasses de caixa dois, possuía dois sistemas
paralelos de acesso restrito
MyWebDay “B”
Sistema para requisição, processamento, pagamento e controle
de todas as operações feitas pela área
Drousys
Sistema utilizado para comunicação, troca de e-mails,
arquivo e solicitações com pessoas fora da Odebrecht, principalmente operadores
e diretores de bancos
COMO FUNCIONAVA O MYWEBDAY “B” - Geração do crédito de
propina ou caixa dois
Após acertarem os repasses para políticos ou agentes
públicos, os executivos da Odebrecht criavam codinomes para os beneficiários e
davam início a um “programa” no Setor de Operações Estruturadas
COMO FUNCIONAVA O MYWEBDAY “B” - Requisição e aprovação de
pagamento
Os executivos solicitavam os pagamentos e tinham aprovação
para realização do “programa”, que ganhava uma senha
COMO FUNCIONAVA O MYWEBDAY “B” - Ordem de pagamento
Secretárias do setor preparavam as ordens de pagamento no
Brasil e no exterior e depois começava o fluxo de dinheiro por contas bancárias
para obter os valores de propina ou caixa dois
COMO FUNCIONAVA O MYWEBDAY “B” - Geração do pagamento
Após todas as etapas de preparação internas, a programação
de pagamento ia para o gerente do setor, que efetivamente gerava as ordens de
pagamento
COMO FUNCIONAVA O MYWEBDAY “B” - Execução do pagamento
Doleiro ou operador era acionado pelo Drousys para realizar
o pagamento no exterior ou entrega em local combinado no Brasil
A data era inserida no sistema e a requisição passava para
“atendida”
COMO FUNCIONAVA O MYWEBDAY “B” - Execução do pagamento
1º semestre de 2006 - Início das operações no Brasil
2º semestre de 2006 - Migração do sistema para Angola
Jul.2007 - Migração do sistema para a Suíça
Final de 2014 - Desligamento do sistema, após fase da Lava
Jato que prendeu empreiteiros
Fonte: Folha de São Paulo - 15/04/2017
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