quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Relacionamentos

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos (relacionamentos) são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol.
Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal.
Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.
EXPLICO-ME.
Para começar, uma afirmação de Nietzche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele:
 “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice ?’
Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.” (…)

A música dos sons ou da palavra – é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer.
Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: “Eu te amo…”

Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, ‘eu te amo’ não quer dizer mais nada.”
É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética.

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de interromper, derrotar.
O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca.
Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.
Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado.

Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir, ir e vir, ir e vir… E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos…

A bola: são nossas fantasias, idéias, sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá… Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão… O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.

Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração.
O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres.
Bola vai, bola vem – cresce o amor…

Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim..
Fonte: Rubem Alves- psicanalista, educador, teólogo e escritor brasileiro, é autor de livros e artigos abordando temas religiosos, educacionais e existenciais, além de uma série de livros infantis
Comentário: Hoje o relacionamento prevalece na fluidez da internet. A internet é o divã dos internautas. 

MBAs descobrem o pensamento crítico

Há uma década, Roger Martin, diretor da Escola Rotman de Administração, da Universidade de Toronto (Canadá), teve uma epifania. A liderança da escola primária do seu filho havia lhe pedido para se reunir com a diretora, que estava se aposentando, a fim de descobrir como replicar as lições dela. Ele descobriu que a diretora prosperara ao pensar por meio de prioridades conflitantes e opções em potencial, em vez de se aferrar a qualquer estratégia pré-planejada -a mesma abordagem adotada pelo sócio-gerente de um bem-sucedido escritório internacional de advocacia da cidade.

"O momento 'eureca' foi quando pude extrair um elo entre um astro da advocacia voltado para os bancos de investimentos e uma diretora de escola primária", lembra Martin. "Pensei: 'Puxa vida, em situações completamente diferentes, essa gente está pensando de modos muito semelhantes, e pode haver algo de especial com esse padrão de pensamento'."

Essa sacada levou Martin a defender uma ideia então considerada radical no ensino de negócios: que os alunos precisavam aprender a sempre pensar crítica e criativamente, assim como precisavam aprender finanças e contabilidade. Precisavam aprender a abordar problemas a partir de muitas perspectivas e combinar várias abordagens para encontrar soluções inovadoras.

Em 1999, poucos compartilhavam dessa opinião nos EUA. Mas, uma década e um cataclismo econômico depois, as coisas mudaram. "Acho que há uma sensação de que as pessoas precisam afiar as suas habilidades de raciocínio, seja questionando premissas ou examinando problemas a partir de múltiplos pontos de vista", diz David Garvin, professor da Escola de Negócios de Harvard e coautor, com Srikant Datar e Patrick Cullen, de um livro ainda inédito sobre o tema.

Aprender a pensar de forma crítica é algo historicamente associado ao ensino das artes liberais, não a um currículo de administração, assim que essa alteração representa uma mudança de dimensão tectônica para os dirigentes do ensino de negócios. Martin chega a descrever seu objetivo como uma espécie de "MBA em artes liberais".

"O desejo das artes liberais", diz, é produzir "pensadores holísticos que pensem amplamente e tomem essas importantes decisões morais". "Eu tenho o mesmo objetivo", agregou.
Com poucas exceções, a instrução tradicional nas escolas de administração envolve disciplinas separadas, como finanças, marketing e estratégia, com ênfase em métodos e análises quantificáveis. Embora alguns já valorizassem o que uma formação em artes liberais poderia oferecer, a visão dominante era de que esses elementos não tinham lugar nas escolas profissionais de administração.

Mas, antes mesmo da reviravolta financeira do ano passado, os executivos de um mercado global em constante mutação começaram a valorizar gestores capazes de pensar de forma mais perspicaz por meio de diversos sistemas, culturas e disciplinas. A crise financeira salientou essas preocupações -nas escolas de negócios e no próprio mundo dos negócios.
Como resultado disso, várias escolas de negócios proeminentes têm reavaliado e, em alguns casos, redesenhado seus MBAs nos últimos anos.

E, embora poucos falem explicitamente em adotar a abordagem das artes liberais para a administração, muitas das mudanças estão levando as escolas de negócios para um território mais tradicionalmente associado às artes liberais: as abordagens multidisciplinares, a compreensão de perspectivas e contextos históricos e globais, um maior foco na liderança e na responsabilidade social e, sim, em aprender a pensar criticamente.
Há dois anos, por exemplo, a Escola de Pós-Graduação em Negócios da Universidade Stanford, da Califórnia, fez uma abrangente mudança curricular que dava mais ênfase a perspectivas multidisciplinares e à compreensão de contextos culturais. O currículo obrigatório do primeiro trimestre, por exemplo, agora inclui uma aula chamada "O Contexto Global da Gestão e da Liderança Estratégica". Alunos de primeiro ano têm uma disciplina chamada "Pensamento Crítico e Analítico".

John J. Fernandes, presidente e executivo-chefe da Associação para o Avanço das Faculdades de Negócios, estima que apenas 25% das escolas filiadas estejam fazendo mudanças curriculares significativas com foco naquilo que ele chama de "a criação de líderes mais sustentáveis". Mas ele espera chegar a 75% em dez anos.
Garvin acha que há "um imperativo de mudança". "A esta altura", disse ele, "as forças por uma mudança são reais, a necessidade de mudança é real, e os projetos já estão em andamento".
Fonte: Folha de São Paulo - São Paulo, 08 de março de 2010 

Comentário: A essência e origem da Universidade é o pensamento crítico. No Brasil as universidades e faculdades tornaram-se shopping center de ensino. A maioria vai lá para passear e pegar o diploma.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

O Futuro do Trabalho

Primeiro a Reengenharia (fazer mais com menos), depois a Globalização (abertura de fronteiras internacionais) e agora as Inovações Tecnológicas (informática e robotização), responsáveis pelo grande avanço na sociedade, têm sido responsáveis pelo grande enxugamento dos postos de trabalho e, por conseguinte, pelos grandes índices de desemprego estrutural. O cenário no mundo do trabalho nos apresenta uma nova realidade: o fim do emprego formal.

Segundo estimativas, em um futuro próximo apenas 25% da população economicamente ativa conseguirá registro na carteira de trabalho. Isso significa que os 75% da população economicamente ativa restante deverá trabalhar como autônomos e oferecendo algum produto ou serviço à sociedade para, em troca, garantir seu sustento.
A verdade é que a estabilidade no emprego está em extinção. O mundo empresarial que está para vir não prevê mais a segurança do trabalho que tiveram antigamente os nossos pais, os nossos avós.

No novo mundo do trabalho, a tendência geral é o auto-emprego, isto é, cada um tendo que gerar seu próprio trabalho, ser agente do seu próprio negócio, patrão de si mesmo.
José Pastore, sociólogo e professor da USP especialista em relações do trabalho e desenvolvimento institucional, afirma que “O mercado de trabalho foi dividido em dois mundos: o do emprego, com carteira assinada, e o do trabalho. O segundo está em alta. Você que é jovem,  entenda que, no mundo moderno, o emprego formal não é a única maneira de ganhar a vida nem será a mais abundante daqui para a frente.”

No novo mundo o trabalhador será empregado em algumas ocasiões e trabalhador autônomo na maioria das vezes. O seu salário poderá ser formado de uma parte fixa e outra variável, conforme os resultados do negócio ou, ainda, comissionado, isto é, todo o seu salário dependerá do que foi produzido ou vendido. Isso não significa obstáculo, incapacidade ou fracasso pessoal – o trabalho no novo mundo será assim mesmo: nada será permanente ou estável.

Segundo Cláudia Giunta, fundadora e criadora do modelo de negócio da empresa General Motors (GM) do Brasil, “a mistura de pessoas com formações diferentes, sejam funcionários, sejam trabalhadores temporários, faz parte dos novos tempos”

Tom Peters, celebrado escritor e guru secular do mundo dos negócios, faz a seguinte afirmação sobre o futuro do trabalho: “Não existem mais empregos para a vida inteira. Empregos estáveis em grandes empresas são coisa do passado. A carreira média das pessoas provavelmente abarcará duas ou três “ocupações” e meia dúzia de empregadores. A maioria de nós passará longos períodos da carreira realizando algum tipo de trabalho autônomo . Resultado líquido: estamos por nossa conta, pessoal. Isso não é teoria. Já é uma realidade

Se por um lado o emprego é “coisa do passado”, por outro surgem novos modos de trabalhar: por projetos, por produtividade, por comissão, contrato temporário, consultoria, facção, freelancer, estágio remunerado, diarista etc. Já se reconhece nessas novas formas de trabalhar oportunidades de geração de renda e melhoria da qualidade de vida. Muita gente já descobriu esse novo caminho: viver sem patrão.

Para Ricardo Neves, consultor de empresas e escritor, “Provavelmente, os jovens do meio do século XXI estarão mais confortáveis num mundo onde o emprego, da forma como o entendemos, restará apenas de forma marginal.”

A estabilidade do emprego fixo acabou, é coisa do passado. O trabalhador cristão precisa encarar essa nova realidade. O crente em Jesus precisa ter uma visão ampliada do que é trabalho. Trabalho é mais que um “emprego”. Trabalho é forma de geração de renda existente.
Concluímos o seguinte: no século XXI não há desemprego, o que há é o fim do emprego formal; o trabalho não desaparecerá, estará mais em alta do que nunca.
Fonte: O Futuro do Trabalho por Roberto Marques

Comentário:
O artigo é interessante, mas não concordo,  não há trabalho para todos. A oferta e demanda de profissionais estão em desequilíbrios.
O mercado mundial mudou, estamos na era do conhecimento tecnológico, não há necessidade de ter tantas fábricas e empregos  como antigamente. Existe uma reorganização industrial onde o excedente de mão de obra  não há como ser aproveitado, acrescido com crescimento demográfico e imigrações. Esse é grande problema da maioria dos países, não há emprego para toda  a  população. Cada vez mais a indústria utiliza menos mão de obra para fabricar um produto, gerando um excedente de mão de  obra cada vez maior. O crescimento do PIB de qualquer país não é suficiente para gerar novos empregos  para os trabalhadores que estão entrando no mercado de trabalho e os demais que perderam empregos que estão procurando.  E com mais um agravante,  novos países que antigamente não fazia parte do comercio mundial, tornaram-se fornecedores desse comércio afetando os demais países tradicionais, substituindo-os na produção de produtos 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Bombardeio de Dresden

Entre 13 e 15 de fevereiro de 1945, ataques aliados mataram 25 mil pessoas e destruíram a cidade à beira do rio Elba. Violência da operação é até hoje motivo de discussões.

Durante décadas, o número de mortos nos bombardeios de Dresden nas vésperas do fim da Segunda Guerra Mundial, entre 13 e 15 de fevereiro de 1945, foi motivo de intensas especulações. Alguns estimavam o número em 70 mil, enquanto os mais realistas asseguravam que ele não passava de 35 mil.

Em 2004, uma comissão interdisciplinar foi criada pelo governo da cidade para acabar com a discussão. Em 2010, ela entregou seu relatório, chegando à conclusão que os ataques tiraram a vida de 25 mil pessoas.

Em 13 de fevereiro de 1945, 245 quadrimotores Avro Lancaster da quinta frota de bombardeiros britânicos decolaram em direção à cidade à beira do rio Elba, que contava então 630 mil habitantes e abrigava um número estimado de centenas de milhares de refugiados.

Estratégica e economicamente, Dresden era irrelevante para o desenrolar da guerra, cujo desfecho já era previsível no início de 1945.

DESTRUIÇÃO EM 23 MINUTOS
Às 21h39, as sirenes antiaéreas soaram na cidade. Cerca de 3 mil bombas explosivas de alta capacidade e 650 mil bombas incendiárias choveram sobre a "Florença do Elba", como Dresden era conhecida por sua beleza arquitetônica e por seus tesouros culturais. Tudo isso em apenas 23 minutos.

O centro da cidade virou um mar de chamas. O brilho era tão intenso que pilotos britânicos relataram que, já a 320 quilômetros de distância e 6.700 metros de altitude, era possível ver Dresden em chamas. O calor atingiu temperaturas tão altas que era capaz de derreter vidro nos porões. Duas ondas de ataques britânicos e uma subsequente de bombardeiros dos EUA arrasaram cerca de 15 quilômetros quadrados da cidade.

O comandante da operação de destruição de Dresden, da qual participaram centenas de pilotos britânicos e americanos, era Arthur Harris, comandante-em-chefe da Royal Air Force (RAF) e o homem do primeiro-ministro Winston Churchill para o bombardeio da Alemanha nazista, um instrumento de guerra visando desmoralizar o inimigo.

ARTHUR "THE BUTCHER" HARRIS
"Sem hobbies, nunca leu um livro, não gostava de música, vivia para o seu trabalho." Essa foi uma das mais curtas definições do militar Harris, até hoje uma figura polêmica.

Harris era o antibritânico. A cortesia tão peculiar a seus compatriotas era coisa estranha para ele, uma pessoa rude e propensa a ofensas. Muitos o chamavam simplesmente "The Butcher", o açougueiro.

No período entre as duas grandes guerras, Harris descobriu sua paixão pelo combate aéreo. Foi comandante de esquadrão da RAF no Paquistão e no Iraque, onde voava, ele mesmo, frequentemente. Tinha preferência pelo emprego de bombas incendiárias contra os curdos e árabes, pondo em chamas suas casas cobertas de palha. Ele adorava o efeito da guerra quando visto do alto.

Assim como muitos oficiais das forças aéreas, também fora do Reino Unido, Harris acreditava na superioridade militar dos bombardeios. Já em 1943, prometeu levar a Alemanha à capitulação somente a partir do ar, sem o uso de tropas terrestres. Um ano depois, em 1944, Harris afirmava que 45 das 60 maiores cidades alemãs estavam destruídas, incluindo Colônia e Hamburgo. Era hora de dar cabo do restante, reivindicava. Isso incluia Dresden.

COOPERAÇÃO COM OS SOVIÉTICOS
Alguns historiadores veem o bombardeio de Dresden como parte de uma crescente cooperação militar entre as potências ocidentais e a União Soviética, nos estágios finais da Segunda Guerra. Desde o final de 1944, a ofensiva aliada contra a Alemanha ia a passos lentos na frente ocidental, enquanto o Exército Vermelho avançava rapidamente no leste. Diante disso, Churchill, pouco antes da Conferência de Yalta, determinou que fosse verificado se "Berlim e outras grandes cidades do leste da Alemanha não deveriam ser consideradas objetivos que valessem particularmente a pena".

Tudo isso para impressionar Moscou. Stalin estava desconfiado. Durante anos, ele havia exigido das potências ocidentais a abertura de uma segunda frente. Outra teoria diz que, como os soviéticos já haviam garantido o leste da Alemanha para si, mesmo antes da Conferência de Yalta, britânicos e americanos extravasaram sua ânsia de destruição sobre Dresden e outras cidades da região.

Mas, teorias à parte, Dresden estava nos planos de Harris. E houve avisos bem antes do 13 de fevereiro. Notícias divulgadas pelas rádios dos aliados e jornais afirmavam que cada cidade alemã poderia se tornar um alvo da linha de frente. Além disso, Dresden era ponto de junção de estradas e linhas ferroviárias, tanto no eixo leste-oeste como norte-sul. E Dresden era considerada, pelos aliados, um possível refúgio de Hitler e dos nazistas no caso de Berlim e Leipzig serem desligadas como linhas de abastecimento.

Dresden estava, portanto, no foco, e Churchill era mais do que alguém que apenas tolerava o impiedoso modo de bombardeiro de seu estrategista de aviação Harris. Pouco antes de morrer, este chegou a dizer que a destruição de Dresden "foi considerada na época uma necessidade militar por pessoas que eram muito mais importantes do que eu".

O Exército Vermelho, comandado pelo marechal Jukov, estava em fevereiro de 1945 a apenas 80 quilômetros a leste de Dresden, quando bombardeiros britânicos e americanos quiseram dar aos soviéticos um sinal de cooperação contra a Alemanha de Hitler.

"Uma barbárie como essa jamais seria feita pelo Exército soviético", disse mais tarde Jukov. E, mesmo na Inglaterra, o bombardeio de Dresden ainda é questão controversa. Em 1992, quando "Bomber Harris" ganhou uma estátua de bronze de 2,70 metros no centro de Londres, a rainha o chamou de "líder inspirador", enquanto centenas de manifestantes gritavam "genocida, genocida". Fonte: Deutsche Welle - Data 13.02.2015

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Quinze minutos de fama

Andy Warhol profetizou que no futuro todo mundo teria direito pelo menos 15 minutos de fama, com certeza não tinha idéia das dimensões da indústria que estava inaugurando. A profecia contagiou o planeta através de um vírus que se entrincheirou na corrente sanguínea da humanidade, especialmente na dos mais jovens, tornando-se resistente a qualquer investida de médicos, pais de santo, curandeiros e que tais.

A fama, até então uma entre muitos sonhos do ser humano, passou a ser uma obsessão endossada pelo grande ícone da cultura pop do século passado. Entre um indivíduo famoso e um anônimo estabeleceu-se uma relação singular de natureza distanciada e hierárquica. Os famosos passaram integrar uma elite de referência capaz de ditar valores sociais, e o culto da fama passou a refletir a outra face do grande prêmio: o castigo do anonimato e da marginação social. Foi como se o mundo tivesse se dividido em duas castas, os que atuam e os que observam, embora ambos façam parte do mesmo espetáculo orquestrado pelos meios de comunicação.

A fama hoje é uma construção da comunicação. Heróis e mitos, antigos símbolos da excelência, modulam as celebridades da atualidade convertidas em produtos de consumo através de rituais comunicativos. Os meios de comunicação tornaram-se indústrias de fabricação da fama, ingrediente fundamental na formação da opinião pública e de um potente mercado de canibalismo humano. A mídia promove a exposição de indivíduos capazes de atrair a atenção pública. A profissionalização da fama equivale a um projeto de vida que expressa uma ideologia e uma realidade concreta.

Uma vez estabelecida no mercado, à celebridade passa a dedicar-se à prática, sempre rentável, do “eutretenimento”, ou seja, a capacidade de explorar a própria vida como divertimento público. O efeito mais óbvio do “eutretenimento” são esses personagens que têm seus dramas e amores pessoais transformados pela mídia em telenovelas e em seguida transformam-se a si mesmos em lucrativos empresários de seus dramas e aventuras, em vez de voltar ao anonimato.

Os profissionais do mundo da fama provocam reconhecimento, entusiasmo, respeito. Tudo o que fazem tem valor como publicidade. São reconhecidos com facilidade e deixam suas impressões digitais na história coletiva. O famoso é uma espécie de marionete, entertainer teledirigido que atrai audiências e as mantém cativas num sistema que premia o individualismo e a competição.

A expressão fama agora se situa como um processo transversal decisivo dentro da opinião pública e como fronteira social baseada na relevância na arena midiática. A fama é um prêmio que se mede em visualização e isto, hoje em dia, significa dinheiro. O herói midiático –aquele que materializa a frase “o que não se vê é como se não existisse”– supera a dimensão de auto-afirmação e se introduz num espaço onde sua persona e suas habilidades são um produto econômico, sujeito a leis de mercado, que vende espaços midiáticos.

Dito isto, a ninguém deveria estranhar que as novas gerações tendam a equiparar seres humanos com produtos comerciais e a sociedade com um gigantesco supermercado, apesar das conseqüências desastrosas que já se podem notar. Por exemplo, o ser humano tratado como kleenex: usar e descartar. Exagero? Fantasia? Pode ser. Mas, com uma fantasia dessas, quem precisa da realidade?  Fonte: Marco Lacerda

Comentário:É a pura realidade. Se você ainda espera pelos seus quinze minutos de fama, não precisa mais esperar. Conheça as redes sociais, Youtube, internet, selfies, etc,  pode revolucionar sua vida.

Mercearia Paraopeba

Quando assisti este documentário, lembrei do filme americano, Conduzindo Miss Daisy (Driving Miss Daisy   passado numa cidade do interior. Aquele ar de interior.
Mercearia lembra o período da minha infância quando passava férias da casa da minha avó.  Era as  Vendas do Interior, onde tem um pouquinho de tudo. É o lugar de bater papo, colocar a conversa em dia, comprar, etc.

É um tipo de comércio que persiste no interior onde a confiança e a amizade, prevalecem. É o comércio  de compra e venda, de troca de produto por produto. É o comércio comunitário da vizinhança em que predomina o relacionamento humano. Hoje o comercio é impessoal, típico da sociedade atual.

Esta mercearia além de ser típica, vai mais além, os proprietários preocupam com os clientes, ou melhor, com os amigos. Eles atuam como se fosse um investidor de micro-crédito (acho que estou escrevendo difícil). Preocupam em melhorar a vida de algumas pessoas, efetuando parcerias, eles entram como fornecedores de matéria prima (ingredientes) e as pessoas escolhidas entram com o seu conhecimento para produzir doces, salgados, etc. Com esses  recursos estas pessoas, por pouco que seja, consegue melhorar sua condição de vida. Olha os termos atuais, responsabilidade social, parceria, cauda longa, principio de pareto,  todos esse termos exóticos, a mercearia a executa de maneira simples. O que esse vídeo transmite  é gostar do que faz.

A Mercearia Paraopeba existe há quatro gerações, na Rua João Pessoa 110, em Itabirito (MG).
É um vídeo que deveria passar nas Universidades,  para que os estudantes descobrissem  que os modismos de marketing, já existiam muito antes, com simplicidade e objetividade. E principalmente a relação humana do comércio com a comunidade. Parabéns para os idealizadores deste documentário.


sábado, 18 de fevereiro de 2017

Em busca do tempo perdido

Em 500 anos, os EUA saltaram à frente da América Latina ao conjugar capitalismo e democracia. No mundo pós-crise, começa a ficar claro que esse binômio se constrói mais na política do que no mercado

Durante sua primeira e única visita aos Estados Unidos, entre abril e julho de 1876, o imperador dom Pedro II registrou em seu diário um feito que lhe chamou a atenção: o trem que ligava Nova York a São Francisco completara o percurso "em 84 horas e 26 minutos". Três dias e meio, apenas. No Brasil de 1876, a estrada de ferro mais movimentada, cuja extensão era uma fração da ferrovia americana, fazia a ligação entre as plantações de café e os portos do Rio de Janeiro e Santos.

Uma equivalente a Nova York-São Francisco no Brasil deveria ligar Porto Alegre a Fortaleza – e ainda faltaria chão. Por que os Estados Unidos, que então comemoravam o primeiro centenário de sua independência, já tinham trens rasgando o país do Atlântico ao Pacífico, enquanto no Brasil a maioria das viagens era mesmo feita em lombo de mula?

A questão que se apresentou ao imperador estava no seu nascedouro e, de lá para cá, ficou ainda mais pertinente e intrigante: por que os Estados Unidos, que largaram atrás de tantos países da América Latina, inclusive do Brasil, conseguiram tamanho sucesso, enquanto a maioria da população da América Latina só agora começa a experimentar a vida em padrões pouco acima da linha de pobreza? Por que o "grande irmão do norte" se notabilizou por dois séculos de estabilidade política e social, enquanto os países ao sul do Rio Grande tiveram sua história entrecortada por golpes de estado e experimentalismos econômicos, resultando em um nível de desigualdade obsceno que só rivaliza com o da África?

Quem der as respostas definitivas terá achado o Santo Graal do progresso material e social. Enquanto isso não acontece, as explicações para o fosso vão ficando cada vez mais refinadas. Uma delas aparecerá no próximo livro do economista Bruce Scott, da Universidade Harvard, a ser lançado em novembro pela editora Springer-Verlag, de Heidelberg, na Alemanha. Nos dois capítulos que antecipou a VEJA, Scott mostra que, enquanto nos Estados Unidos se deu o surgimento simultâneo da democracia e do capitalismo, a América Latina teve relação conflituosa com esses conceitos, nunca corretamente entendidos por seus líderes.

"A América Latina sofre de falta de capitalismo, e não de capital", diz ele. O economista afirma que o capital, nacional ou estrangeiro, só ruma para um país quando se sente protegido por um conjunto de instituições. É por essa razão, completa ele, que não funcionou o que parecia ser a bala mágica contra a miséria na região, a famosa proposta do peruano Hernando de Soto, apresentada no livro O Mistério do Capital. De Soto dizia que a regularização dos lotes e casebres das camadas mais pobres da população permitiria seu uso como garantia de empréstimos bancários e despejaria bilhões de dólares na economia formal. Não foi o que aconteceu nos países onde a experiência de De Soto foi tentada. O que deu errado? A precariedade institucional. Sem garantias explícitas de, em caso de calote, recuperarem o empréstimo concedido ou o imóvel financiado, os bancos não entraram na dança. Mais desanimador ainda para eles era recorrer à Justiça. As sentenças demoravam, na melhor das hipóteses, oito meses e, na pior, oito anos. Ou seja, sem regras o capitalismo não existe.

"A recuperação do valor de um bem é, em última instância, um teste sobre a saúde das instituições capitalistas", diz Scott. "E essas instituições formam um sistema de economia política, não apenas de mercado." Eis uma novidade, sobretudo vinda de um economista: quando se trata de promover desenvolvimento capitalista, a política é superior ao mercado. É na política que se definem as regras do jogo, cabendo ao mercado atuar dentro dessa moldura.

Quanto mais democrático for o regime, mais chance terá de criar instituições saudáveis. Com a crise financeira mundial deixando patente a necessidade de mais regulação do que preconizava a era Reagan, parece óbvio afirmar que a política tem um papel a cumprir, mas nem sempre foi assim. O mercado, dizia-se, trazia em si mesmo os germes do seu próprio aperfeiçoamento. A abordagem de Scott inspira-se na corrente mais em voga para explicar o fosso econômico que separa o norte e o sul das Américas: a tese institucional (veja o quadro).

Capitaneado por teóricos como Douglass North e Ronald Coase, o novo institucionalismo sustenta que as regras e normas, econômicas e políticas, formais e informais, estão na base do desenvolvimento de uma sociedade. Nos Estados Unidos, desde os primórdios da colonização inglesa, as instituições, que são resultado de negociações políticas, protegem a propriedade privada, zelam pelo respeito aos contratos e leis, garantem o funcionamento impessoal da Justiça, estimulam a prestação de serviços públicos, como hospitais e escolas, para a maioria da coletividade, e não apenas para uma elite.

No começo da colonização, a América Latina era mais rica e tinha sociedades mais complexas que a América do Norte. O Brasil, com terra e clima promissores, já tinha vida comercial, com o pau-brasil e depois com o açúcar, mercadoria altamente valorizada na época, enquanto as tentativas de colonização nos Estados Unidos eram um fracasso atrás do outro.

Nos primeiros 250 anos da colonização européia, a América ibérica teve alguma vantagem sobre a América inglesa. Nos 250 anos seguintes, período em que as colônias viraram países independentes e republicanos, o jogo inverteu-se brutalmente. A renda per capita dos americanos e canadenses disparou (veja o gráfico nas págs. 138 e 139). De acordo com as contas do cientista político Francis Fukuyama, o ex-ícone do conservadorismo americano e editor de Falling Behind, que trata do desnível entre as Américas, o calendário do fosso foi o seguinte.
■ Até cerca de 1800, o norte e o sul das Américas evoluíram de modo mais ou menos semelhante.
■ De 1820 a 1870, período que concentrou as guerras de independência, a América Latina encolheu 0,5% ao ano. Os Estados Unidos cresceram 1,39% ao ano.
■ De 1870 a 1970, com uma interrupção durante a depressão dos anos 30, a América Latina cresceu até mais do que os Estados Unidos, mas num ritmo longe de cobrir a diferença.
■ De 1970 até agora, os Estados Unidos voltaram a crescer mais que os vizinhos do sul, aprofundando o fosso.
■ Em 2001, a renda per capita americana superava 27000 dólares. A latino-americana não chegava a 6 000 dólares.
O Brasil avançou em muitos aspectos, mas ainda é "a eterna promessa de futuro", ora como celeiro do mundo, ora como potência verde, ora com etanol, ora com pré-sal, mas sempre o país em busca de cumprir o vaticínio da aurora redentora.

O México progrediu, recuou e voltou a progredir, e ainda duela para superar a frase imortal de Porfírio Diaz: "Pobre México, tão perto dos EUA e tão longe de Deus". A Argentina fez pior. Já tendo sido mais rica que a Suíça, andou para trás. Buenos Aires, cuja prosperidade pregressa deixou rastro nas avenidas e cafés, nos teatros e na onipresença da arquitetura neoclássica, transformou-se melancolicamente no que o escritor André Malraux chamou de "capital de um império que nunca existiu". No início do século XIX, com a dianteira americana se alargando, atribuiu-se o atraso latino-americano ao trauma da conquista colonial, brutal e sangrenta.

Em seguida, apareceu a tese da inferioridade cultural e religiosa dos ibéricos católicos em relação aos anglo-saxões protestantes, o que não levava em conta o contraste entre o sul e o norte dos Estados Unidos. Do início do século XX em diante, a esquerda dizia que o atraso era produto do imperialismo americano, e não atentava para o Canadá, que, ilhado pelo império, se a tese estivesse certa, não deveria então ser a potência que já era e segue sendo.

Com a peculiaridade de ser a única ex-colônia portuguesa e a única monarquia depois da independência, o Brasil deu origem a teses também peculiares. Quando o conceito de raça ainda era tido como verdade científica, dizia-se que os Estados Unidos haviam saltado à frente porque eram hegemonicamente brancos. O Brasil era atrasado porque era mestiço. (Do Canadá à Patagônia, o Brasil é o país onde se deu a maior diversidade étnica das Américas.) Nos anos 30, ainda que muitos não entendessem, a mitologia racial foi pulverizada pelo clássico Casa-Grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre, que resgatou o valor do negro na formação brasileira e abriu uma perspectiva de análise mais ampla – cultural, social, histórica.

Em 1954, com Bandeirantes e Pioneiros, o escritor Vianna Moog dissecou a natureza da colonização, mostrando que os pioneiros da colônia inglesa desenvolveram um sentimento de pertencimento à nova terra devido às suas atividades produtivas, enquanto os bandeirantes viviam interessados no extrativismo mineral, que era um convite ao desenraizamento. Não há nas Américas dois países tão parecidos como Brasil e Estados Unidos, ambos terra de índios dizimados e gigantes continentais que apostaram na agricultura e na escravidão. Mas, por trás das semelhanças, existem diferenças cruciais.

No Brasil, os portugueses, depois de séculos sob a mística da poligamia moura, eram mais disponíveis aos impulsos dionisíacos diante da beleza das índias e das negras. Nos Estados Unidos, os ingleses, puritanos caucasianos, não. Para os portugueses, a mulher era alvo e presa, e até padre católico se esgueirava nas sombras por um chamego de negra. Para os ingleses, a mulher era uma companheira e braço para o trabalho. Os portugueses chegaram sozinhos, sem mulher nem filhos, movidos pelo desejo de enriquecer e voltar à pátria-mãe, vitoriosos. Os ingleses, não. Vieram com família, dispostos a criar uma nova vida na nova terra. Nas pinturas que retratam as primeiras horas do Brasil e dos Estados Unidos, só no norte aparecem mães embalando berços. Os ingleses queriam fundar sua pátria calvinista. Os portugueses estavam em busca do Eldorado. Os ingleses eram colonizadores.

Os portugueses, conquistadores. Longe da família, já com a cobiça pela riqueza tomando o lugar antes ocupado pela reverência católica à pobreza, o português, nos trópicos, fez-se outro. Na definição inspirada de Vianna Moog: "Ao forte e exuberante português da Idade Média e das Descobertas sucedeu o outro, mulhereiro, cobiçoso, guloso, onzenário, inventor de receitas de doces, barroco, presa de angústias e daquela tristeza apagada e vil em que já o surpreendia Camões no fim do século XVI".

Do caldeirão de diferenças e semelhanças nasceram ordens políticas e econômicas tão diferentes entre o norte e o sul. Mas por quê? As instituições decorrem das condições materiais de cada lugar ou são moldadas pelo interesse do colonizador? Em 2002, os economistas Stanley Engerman e Kenneth Sokoloff mostraram como as instituições refletem as condições materiais. Por exemplo: onde havia terra e clima adequados ao cultivo de cana-de-açúcar o europeu recorreu à escravidão porque precisava de braços para plantar e colher.

A Geórgia, no sul dos Estados Unidos, é um caso lapidar. A colônia foi fundada por James Oglethorpe, um reformista social com uma boca feminina e um narigão de corvo, que fez questão de proibir, por escrito, a escravidão. Mas a pressão dos fazendeiros, ávidos pelo braço do negro, levou à legalização do trabalho escravo em apenas uma geração. Eis por que os ingleses eram humanitários no norte e escravocratas no sul dos Estados Unidos, em Barbados e na Jamaica.

Na América espanhola, as instituições também foram assumindo formas distintas conforme as condições locais. No Peru, populoso e rico, eram fechadas, controladas pelo colonizador. Na Argentina e no Chile, então mais pobres e menos populosos, o controle colonial era mais frouxo, o que acabou encorajando maior participação comunitária na vida pública.

O inglês James Robinson, professor de Harvard, acredita na importância das instituições, mas não as considera resultado direto das condições materiais. Acha que são guiadas pelo interesse do colonizador. Robinson diz que nas colônias ricas e populosas não interessava ao europeu dar direitos civis e econômicos à maioria da população. Foi o que ocorreu na maior parte da América Latina. Já nas regiões mais pobres e com baixa densidade populacional, onde os próprios europeus constituíam a maioria, era interessante ter mais liberdade e proteger direitos de propriedade. Foi o que aconteceu no norte dos Estados Unidos e no Canadá. "As instituições econômicas nas diversas colônias foram moldadas pelos europeus de modo a beneficiar a eles mesmos", diz Robinson.

Sejam as instituições produto do meio ou do homem, ou um pouco de cada coisa, é certo que o atraso da América Latina resulta de sua riqueza inicial. É o paradoxo da abundância. A fartura de recursos naturais no raiar da colonização explica as instituições deformadas: exclusivistas, autoritárias, concentradoras. A relativa pobreza do norte da América inglesa, onde a agricultura não convidava à escravidão e a propriedade privada da terra foi multiplicada, é a razão de suas instituições mais funcionais: homogêneas, igualitárias, democráticas.

A missão da América ibérica é livrar-se da herança institucional do passado colonial que emperra o crescimento, a radicalização da democracia e a superação da desigualdade aguda. Mas a tarefa é politicamente mais complicada do que parece. As instituições podem ser eliminadas do papel com uma canetada. Outra coisa é desentranhá-las da vida cotidiana.

Os Estados Unidos fizeram uma guerra civil para abolir a escravidão, brutal ruptura da ordem política, mas a herança desse período se perpetuou por décadas na segregação racial, até Martin Luther King liderar a conquista da igualdade nos anos 60. Mesmo assim, a tensão racial chegou até os dias de hoje. No Brasil, a elitização do poder político começou na colônia e, apesar da independência, do fim da escravatura, da Revolução de 30, da industrialização, da redução do analfabetismo, da universalização do voto, apesar de tudo, ela ainda está aí. No Nordeste, onde o Brasil nasceu e onde é ainda mais arcaico, o coronelismo, versão atualizada do mando escravocrata, resiste à extinção.

 O historiador José Murilo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, encontra as raízes do atraso brasileiro na ausência de rupturas – não por acaso, na maior delas, a Revolução de 30, nasceu o Brasil moderno. A falta de rupturas, diz o historiador, é um problema porque consome o tempo das reformas.

Os estudiosos Adam Przeworski e Carolina Curvale, da Universidade de Nova York, calcularam o custo anual de adiamento da independência (165 dólares per capita) e de tumulto posterior (70 dólares), assim considerado o período decorrido entre a independência e o fim do mandato do primeiro dirigente eleito. No Brasil, o custo foi de 12.200 dólares. Ou seja: se o Brasil tivesse ficado independente mais cedo e politicamente estável em seguida, a renda per capita do brasileiro seria hoje 12.200 dólares maior – ou cerca de 20.000 dólares, curiosamente igual à de Portugal. Num país em que Getúlio Vargas virou líder do operariado sindicalizado, e o operário sindicalizado Luiz Inácio Lula da Silva virou líder do lumpesinato, o pendor para as instituições enjambradas é uma dificuldade adicional. Eliminá-las requer a extinção das condições que as criaram.

No mundo das reformas, já se tentou até transplantar instituições de um país para outro, como fez a Inglaterra na Índia, mas não funcionou. Por diversas razões, inclusive resistência cultural, a Índia não se deixou impregnar pela ordem inglesa. Eis um favor decisivo: instituições, para produzir efeito, precisam ser absorvidas. É um lembrete útil para a casta de consultores que, regiamente remunerados, se entregam a papagaiar receitas institucionais como se sua aplicação fosse tão natural e inevitável como a lei da gravidade. Sem a intermediação da política, elas não desabrocham.

Entre os economistas, sociólogos e historiadores, há controvérsia sobre os fatores decisivos para o desenvolvimento, mas existe o consenso de que, sem educação, não há avanço. E, de novo, a educação é uma construção política. Em 1850, os Estados Unidos já tinham a população mais educada do planeta. No Caribe inglês, as primeiras escolas só foram abertas em 1870, o que explica seu atraso. Em 1950, a renda per capita da Coreia do Sul correspondia a 8% da americana. Em 2000, era metade. Nenhum país latino-americano avançou tanto no último meio século. Nenhum fez, nem de longe, o investimento sul-coreano em educação. No Brasil, a educação, escassa e precária, fincou raízes cedo, sob a influência da atrasada família real portuguesa, que não realizou a reforma religiosa do catolicismo, nem a revolução econômica do capitalismo, nem a revolução científica. Isso se refletiu na falta de democracia, na falta de capitalismo e, é claro, na educação do povo, desastrosa na colônia, no império e nos primeiros 100 anos da República. Dom Pedro II talvez tenha sido o dirigente mais culto da história do Brasil.

Tinha curiosidade científica, interessava-se por tecnologia, falava espanhol, italiano, francês, inglês, alemão e hebreu e dizia que, se não fosse imperador, queria ter sido professor. Quando anotou em seu diário, no dia 5 de junho de 1876, que o trem levara 84 horas e 26 minutos de Nova York a São Francisco, talvez não tivesse clareza de que aquilo era fruto da conjunção de democracia e capitalismo na América, mas intuía que o Brasil do lombo de mula já estava em busca do tempo perdido. Fonte: Revista Abril - Edição 2130 / 16 de setembro de 2009

Comentário: O Brasil continua perdido no tempo, pois, a educação anda no lombo de burro . As camadas mais pobres não visualizam que a educação é o planejamento futuro dos filhos. Eles  preocupam com o trabalho que é imediatismo  e as mesadas sociais do governo. E a política sabe como manobrar essa parte social.