Crise no Egito: como a euforia se transformou em tragédia
A euforia que se seguiu à queda do ex-presidente Hosni Mubarak em 2011 parece cada vez mais distante no Egito. À primeira vista, o país considerou a saída do líder, após mais de três décadas no poder, como um recomeço. Esperava-se que, a partir daquele momento, a vida da maior parte da população melhoraria.
Mas as expectativas foram esmagadas por uma combinação de fracasso político, interesses arraigados e crise econômica. A revolução de 2011, que deu início à chamada Primavera Árabe, como ficou conhecida a onda de levantes nos países da região, havia sido motivada por uma profunda insatisfação de uma geração de jovens com o status quo.
À época das manifestações, cerca de 60% da população do mundo árabe tinha menos de 30 anos. Os jovens perceberam que não tinham espaço na velha ordem. O sonho de um emprego decente, capaz de garantir sua independência financeira, tampouco seria possível dentro daquele cenário.
O choque de realidade coincidiu com o crescimento exponencial dos novos meios de comunicação. Diferentemente do passado, os países não poderiam mais ser desconectados do resto do mundo por seus líderes.
Naquele momento, os egípcios tinham acesso à TV a cabo e à internet, o que lhes permitia constatar que outros cidadãos do mundo árabe passavam por problemas similares. Mas a energia dos revolucionários de 2011 foi minada pelo poder e pela organização das forças estabelecidas no Egito, especialmente a dos militares, remanescentes da velha elite, e da Irmandade Muçulmana.
Na eleição presidencial realizada no ano passado, a disputa final opôs Mohammed Morsi, da Irmandade Muçulmana, a um ex-general da Força Aérea do país, que havia sido o último primeiro-ministro do governo Mubarak. Nesse contexto, a vitória de Morsi acabou por representar o nirvana dos rebeldes, que de forma desorganizada ocupavam a Praça Tahrir, no centro do Cairo.
Promessas não cumpridas
Quando foi eleito presidente, Morsi prometeu governar para todos os egípcios. Mas a promessa não foi cumprida. A Irmandade Muçulmana passou 80 anos almejando chegar ao poder no Egito. Quando o momento finalmente chegou, Morsi estava determinado a aproveitar a oportunidade para reformar o Egito à sua imagem e semelhança.
O erro de Morsi, o rosto do partido, foi ter se comportado como se tivesse amplo apoio popular para transformar o país em um Estado muito mais islâmico. Ainda que muitos egípcios professem o islamismo, isso não significa automaticamente que compartilham a visão austera da Irmandade Muçulmana para o futuro do país.
Para piorar a situação, o governo de Morsi era criticado pela falta de competência. O presidente não conseguia manter suas promessas sobre como recuperaria a destroçada economia do país. Até o final de junho deste ano, o descontentamento popular deu origem a uma nova onda de protestos populares, que, por sua vez, se transformaram, aos olhos dos militares, em uma oportunidade para remover Morsi do poder.
A insatisfação ganhou ampla acolhida da população, exceto dos correligionários da Irmandade Muçulmana. Mesmo liberais democratas respeitados internacionalmente, como o vencedor do Prêmio Nobel da Paz Mohamed El Baradei, enalteceram e apoiaram as manifestações.
No início de julho, em entrevista à BBC, El Baradei afirmou que o Exército não havia realizado um golpe de Estado. Em vez disso, o ato, amparado pela demanda popular, daria ao povo egípcio a chance de "reiniciar sua democracia", segundo o renomado político egípcio.
Diferentes pontos de vista
A previsão de El Baradei, no entanto, não se concretizou. Até agora, o governo militar parece mais uma tentativa de reviver o Estado de segurança que marcou os últimos 30 anos do Egito. Mais uma vez, o país está sendo governado sob uma lei de emergência que dá ao Estado poderes draconianos.
Em meio à nova onda de violência, El Baradei renunciou ao cargo de vice-presidente do governo militar instalado. Centenas de egípcios estão mortos. A Irmandade Muçulmana e os militares - e seus respectivos simpatizantes - acreditam que o futuro da próxima geração do Egito está em jogo, e ambos estão certos. Mas suas visões do futuro são muito diferentes.
O melhor caminho a seguir seria que os dois lados chegassem a um consenso em torno de uma negociação e, em última instância, à paz. Mas isso não está acontecendo. A discussão está sendo travada nas ruas. E isso é uma tragédia. Fonte: BBC Brasil - 16 de agosto, 2013
Comentário: A democracia ocidental se adapta ao mundo árabe? Como a democracia pode existir em países com conflitos étnicos, religiosos, acrescido com taxa elevada de desemprego, falta de segurança, etc? A democracia necessita de consenso, requer diálogo, todos devem ceder para chegar a um consenso. Os fatores em jogo no mundo árabe, conflitos étnicos, religiosos, acrescido com taxa elevada de desemprego, falta de segurança, dificultam chegar a uma solução ou construir uma nova solução que inclui as posições antagônicas das etnias envolvidas. Uma solução nova traz o medo, a incerteza, a insegurança.
Confrontos violentos em todo o Egito entre simpatizantes da Irmandade Muçulmana e forças de segurança mataram 173 pessoas na sexta-feira, 16 de agosto, incluindo 95 na região central da capital Cairo, disse o Ministério da Saúde do país. O ministério disse ainda que 1.330 pessoas ficaram feridas em todo o país, com 596 feridas nos confrontos no Cairo. A primavera árabe virou primavera árabe negra.