“Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o
Brasil”. A sentença é atribuída ao botânico e naturalista francês Auguste de
Saint-Hilaire (1779-1853), que aqui viveu alguns anos no início do século XIX.
Variações posteriores procuram traduzir a conveniência de livrar o país de algo
indesejado. Hoje, poder-se-ia aplicá-la às poderosas corporações que se
articulam para auferir vantagens em detrimento da sociedade. Como as saúvas,
elas viraram praga no setor público: na educação, na saúde, na segurança, no
Judiciário, no Ministério Público e, também, em setores do empresariado.
AS ORIGENS DO CORPORATIVISMO
A origem desses grupos remonta à Idade Média. Corporações de
ofício regulavam profissões para defender os próprios interesses. Pedreiros,
carpinteiros, padeiros e outros só podiam exercer o ofício se fossem membros da
respectiva corporação. Elas sumiram no século XVIII com o ambiente de
competição associado ao capitalismo.
No século XIX, a teoria do “corporativismo” defendia a
organização da sociedade em corporações subordinadas ao Estado. Empregados e
empregadores se agrupariam em categorias com representação política e
capacidade de controlar pessoas e atividades. A ideia esteve presente na Alemanha
e na Áustria, mas foi na Itália que ela vingou, com o fascismo de Benito
Mussolini. Nos anos 1920, trabalhadores e empresários foram organizados em
pares de corporações que representavam os setores produtivos. A Constituição do
Estado Corporativo (1926) subordinou cada confederação de corporações a um
ministério específico. O Conselho das Corporações (1936) substituiu a Câmara
dos Deputados e a Corte Suprema. O sistema foi desmontado na II Guerra.
No Brasil da ditadura Getúlio Vargas, o fascismo italiano
inspirou a Constituição de 1934, que buscava gerir o conflito entre o capital e
o trabalho. Os sindicatos de trabalhadores e patrões tornaram-se órgãos
oficiais do Estado. Em troca, recebiam regalias, como a receita do imposto
sindical. Essa estrutura corporativista desapareceu com a Constituição de 1946,
mas o imposto sindical e a Consolidação das Leis do Trabalho ainda sobrevivem.
Hoje, “corporações” são organizações que extraem renda da
sociedade mediante atuação que o economista americano Mancur Olson (1932-1988)
chamou de “ação coletiva”. É a situação em que pequenos grupos, verdadeiras
minorias organizadas, conseguem auferir benefícios de uma maioria difusa e
inerte que paga impostos. É a negação da democracia, o governo da maioria.
Dois outros economistas, Aaron Tornell (americano) e Philip
R. Lane (irlandês), estudaram o poder de grupos para se apropriar dos recursos
fiscais e dominar a economia. É o “efeito voracidade” (voracity effect, título
do artigo de defesa da tese). Eles citam como exemplo a ação de grupos como
governos regionais que extraem transferências do Tesouro Nacional, poderosos
sindicatos que obtêm vantagens excessivas, empresas que conseguem subsídios e
proteção, além de redes de corrupção em obras de infraestrutura e outras
atividades governamentais. Alguma semelhança com o Brasil?
PRIVILÉGIOS E INEFICIÊNCIA
A ação desses grupos se ampliou por aqui durante os governos
petistas. As corporações se esbaldaram. No funcionalismo, o destaque foram os
supersalários e as superaposentadorias. No setor privado, prosperaram reservas
de mercado e subsídios a torto e a direito. Com greves, polícias estaduais
criaram insegurança para obter vantagens inconcebíveis em outras
circunstâncias. A corrupção tornou-se sistêmica.
O Brasil é prisioneiro das corporações que inviabilizam a
gestão orçamentária, ameaçam a solvência do Tesouro e acarretam ineficiências e
desperdícios que inibem o crescimento da economia. Tudo isso se abate mais
sobre os pobres. A nação precisa despertar e entender essa nociva realidade e
reagir ao poder de fazer estragos de que gozam esses grupos. Exemplo? Proibir
greves por categorias como as de policiais, professores, médicos, coletores de
lixo e outras que prestam serviços públicos essenciais à população, como em
nações sérias. Outro? Restringir a concessão de subsídios e incentivos ao setor
privado. Acabar com essa saúva é fundamental. Fonte: Fonte: “Veja”, 4 de janeiro de 2017, Mailson Ferreira da Nóbrega
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