sexta-feira, 16 de agosto de 2019

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

País precisa qualificar 10 milhões de trabalhadores na indústria em 4 anos

O Brasil terá que qualificar 10,5 milhões de trabalhadores na indústria até 2023, segundo levantamento divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com o estudo, a demanda será por qualificação para trabalhadores em ocupações industriais nos níveis superior, técnico, qualificação profissional e aperfeiçoamento.
A maior demanda por qualificação deverá ser pelo aperfeiçoamento de trabalhadores já empregados – apenas 22% será para capacitação daqueles que ainda vão ingressar no mercado de trabalho.

O levantamento aponta que as áreas que mais vão demandar formação profissional são; 
■transversais (1,7 milhão), permitem ao profissional exercer funções em quase todas as áreas e setores econômicos
■metalmecânica (1,6 milhão),
■construção (1,3 milhão),
■logística e transporte (1,2 milhão),
■alimentos (754 mil),
■informática (528 mil),
■eletroeletrônica (405 mil),
■energia e telecomunicações (359 mil).

Crescimento
A CNI aponta que, em relação aos novos empregos, as maiores taxas de crescimento devem vir de ocupações que têm a tecnologia como base;
■condutores de processos robotizados, (22,40%)
■pesquisadores de engenharia e tecnologia (aumento de 17,9%);
■engenheiros de controle e automação, (14,20%)
■engenheiros mecatrônicos e afins (14,2%);
■diretores de serviços de informática (13,8%); e
■operadores de máquinas de usinagem CNC (13,6%).

Maior crescimento de vagas – ocupações na indústria (2019-2023)
Áreas
Demanda 2019-2023
Logística e Transporte
495.161
Metalmecânica
217.703
Energia e Telecomunicações
181.434
Eletroeletrônica
160.409
Informática
160.027
Construção
120.924
Fonte: G1-12/08/2019 

domingo, 11 de agosto de 2019

Empresas escutam conversas de usuários com seus assistentes virtuais

Até agora, nem o Google, nem a Amazon nem a Apple foram transparentes ao explicar quem escuta as conversas dos usuários com os assistentes eletrônicos. Mas isto pode começar a mudar devido às revelações dos últimos meses sobre esse assunto. A Apple suspendeu o programa de escuta de conversas dos usuários com a Siri, como antecipa o site especializado em tecnologia TechCrunch. A empresa de Cupertino (Califórnia) afirmou a essa revista eletrônica que reverá o processo para determinar se o assistente escuta as consultas corretamente ou se é ativado por engano, e permitirá aos usuários que optem por participar ou não desse programa.

"Estamos comprometidos em proporcionar uma grande experiência com a Siri, ao mesmo tempo em que protegemos a privacidade do usuário. Enquanto levamos a cabo uma revisão exaustiva, suspendemos o programa global de qualificação da Siri. Além disso, como parte de uma futura atualização de software, os usuários poderão escolher o participar desse programa", diz a Apple em nota.

A Apple, que tem como bandeira o direito à privacidade de seus clientes, levou quase três meses para admitir ao jornal que contratava esses transcritores. Foi na semana passada, quando este jornal revelou que a empresa da maçã mantinha colaboradores na Espanha para escutar conversas privadas dos usuários em vários idiomas, entre eles o francês e o alemão. "Estes áudios não se relacionam em nenhum momento com os usuários e são ouvidos e analisados para melhorar o que a máquina entende, para entender sotaques e formas diferentes de falar”, disse uma fonte da Apple na ocasião.

A escuta de gravações privadas é realizada através de uma empresa terceirizada. Os revisores se encarregam de analisar conversas privadas e solicitações feitas ao assistente virtual dos aparelhos Apple. Deparam-se, conforme relatam, com gravações de todo tipo: desde “buscas e pedidos normais à Siri até muitas barbaridades”.

Embora os gigantes tecnológicos insistam em que os assistentes só são ativados quando um comando é pronunciado, às vezes eles começam a funcionar por engano. "Cheguei a escutar até duas vezes pessoas fazendo sexo. Às vezes, começa a gravação por acidente e não percebem”, recordavam os agora ex-revisores da Apple.

AMAZON E GOOGLE
O caso da Apple não é uma exceção. Amazon e Google também contam com pessoas que escutam diariamente conversas aleatórias com o objetivo de melhorar o sistema. E também custaram a admitir a prática – só o fizeram depois que a informação havia sido divulgada. Depois do vazamento de aproximadamente mil gravações no começo de julho, o Google interrompeu esses programas e admitiu que "especialistas em linguagem" contratados pela firma ouvem aproximadamente 0,2% das conversas que os usuários mantêm com seu assistente virtual. Enquanto isso, nem a Samsung nem a Microsoft confirmaram a prática.

Vários especialistas em privacidade criticam a falta de transparência e o potencial risco de que as empresas tracem um perfil preciso de cada usuário. Borja Adsuara, advogado especialista em direito digital, lançava há alguns meses a seguinte pergunta: “O que é mais perigoso: que uma pessoa de vez em quando se conecte ao seu assistente e escreva a conversa, ou que haja uma inteligência artificial que reúna tudo o que você diz e seja possível saber até com que se preocupa?”. Para ele, é secundário que os áudios sejam escutados por pessoas. O grande problema “é que muitos que usam os assistentes não sabem que estão sendo gravados”, porque não leem as políticas de privacidade.

Para Jorge Campanillas, diretor de proteção de dados e especialista em privacidade da Iurismatica Advogados, de Madri, é importante estar ciente de que, seja mediante um algoritmo ou uma pessoa, as empresas estão tendo acesso a essas conversas. “As máquinas e pessoas estão escutando o que fazemos a todo momento, neste caso pelos assistentes de voz, mas sem nos esquecermos que o mesmo se faz no nossos e-mails em serviços gratuitos, já que o leem para depois nos mostrar publicidade a respeito, ou no Facebook, que também tem uma grande quantidade de pessoas para decidir se finalmente a plataforma publicará a fotografia que nós mesmos postamos”. Fonte: El País - 02 AGO 2019 - 09:23 BRT

Comentário:

Isso lembra o livro 1984, de George Orwell, as teletelas – aparelhos instalados nas casas, ruas e salas de trabalho, que captavam toda forma de movimento, som e expressão.

sábado, 10 de agosto de 2019

Estamos entregando nossa privacidade de uma forma excessivamente frívola e alegre

Imagine viver em uma casa com paredes de vidro que permitam que qualquer um do lado de fora veja tudo que você faz. Seus movimentos, seus hábitos e seus comportamentos. Esse é o cenário apresentado pelo diretor do Instituto de Pesquisa de Inteligência Artificial do Centro Superior de Pesquisas Científicas da Espanha, Ramón López de Mántaras (Sant Vicenç de Castellet, 1952), com a chegada do 5G e a incorporação de um grande número de dispositivos inteligentes nas residências. “Ter um monte de objetos e aparelhos em sua casa conectados à Internet é uma péssima ideia. Eles podem saber o que você consome, o que compra, quando lava a roupa, o que cozinha, o que come e até coisas tão íntimas como as que ocorrem dentro do seu banheiro”, afirma.

O cientista cita como exemplo os banheiros eletrônicos no Japão, que são capazes de analisar a urina e, dessa forma, monitorar a saúde de uma pessoa. Já existem dispositivos conectados de todo tipo para residência e escritório: de mesas que controlam quanto tempo trabalhamos até camas que detectam quantas horas um usuário dorme. Além disso, a venda de alto-falantes inteligentes não para de crescer. Apenas no último trimestre de 2018, 38,5 milhões desses dispositivos foram vendidos no mundo, o que significa um aumento de 95% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, segundo a consultoria Strategy Analytics.

“Não tenho e não quero ter um”, diz López de Mántaras. Esse tipo de aparelho está “sempre conectado e escutando”, explica o cientista.

 Empresas como Amazon, Google e Apple garantem que os assistentes só são ativados ao ouvir um comando. Mas já ocorreram vários casos em que esses dispositivos gravaram conversas privadas ao se ativar por engano: “Sempre tentam vender a ideia de que vão facilitar sua vida com base na sua renúncia à privacidade”, acrescenta.

Além disso, tanto Amazon como Google têm funcionários que revisam diariamente conversas aleatórias que os usuários mantêm com os assistentes para melhorar o sistema. Apple, Microsoft e Samsung se negaram a informar ao jornal se têm equipes que façam esse tipo de trabalho. López de Mántaras considera que “todas [essas empresas] têm pessoas escutando” e diz que a falta de transparência a respeito disso é uma questão de marketing: “Querem fazer você acreditar que a inteligência artificial funciona muito melhor do que realmente funciona. Se você pedir a um assistente que ‘anote o seguinte na lista de compras’, ela vai dizer: ‘O seguinte foi anotado na lista de compras’, porque acha que o seguinte como o pão ou o leite. Ele não entende a semântica”.

“ TER UM MONTE DE OBJETOS E APARELHOS EM SUA CASA CONECTADOS À INTERNET É UMA PÉSSIMA IDEIA. ELES PODEM SABER O QUE VOCÊ CONSOME, O QUE COMPRA, QUANDO LAVA A ROUPA, O QUE COZINHA, O QUE COME E ATÉ COISAS TÃO ÍNTIMAS COMO AS QUE OCORREM DENTRO DO SEU BANHEIRO”

O conjunto de dispositivos conectados poderia servir para “treinar um sistema de inteligência artificial para ter um perfil muito preciso do comportamento das pessoas da casa”, afirma o cientista. “A partir do momento em que você sabe tudo de uma pessoa, pode lhe oferecer publicidade de todos os tipos. Pode oferecer, por exemplo, remédio para a insônia ao detectar que uma pessoa não dorme bem”, explica López de Mántaras.

O ESPECIALISTA ASSINALA QUE MUITAS VEZES OS USUÁRIOS NÃO TÊM PENSAMENTO CRÍTICO NA HORA DE DAR SEU CONSENTIMENTO PARA QUE DIFERENTES EMPRESAS COLETEM TODOS OS TIPOS DE DADOS: “ESTAMOS ENTREGANDO NOSSA PRIVACIDADE DE UMA FORMA EXCESSIVAMENTE FRÍVOLA E ALEGRE. É ISSO QUE ME PREOCUPA”. PARA ELE, A SOLUÇÃO PARA EVITAR ISSO INCLUI “EDUCAR E INFORMAR AS PESSOAS SOBRE TODOS ESSES PROBLEMAS”.

RECONHECIMENTO FACIAL
Mas às vezes o problema é mais grave, como quando não é nem solicitado o consentimento do usuário. É o que ocorre em alguns lugares com “as câmeras que estão nas ruas e têm, por trás delas, sistemas de reconhecimento facial”. Um homem levou à Justiça a polícia de Gales, no Reino Unido, por registrar uma imagem de seu rosto com um sistema de reconhecimento facial automático enquanto fazia compras natalinas, segundo a BBC.

O especialista em inteligência artificial ressalta que “o consentimento é imprescindível”. Embora reconheça que “não é a solução ideal”, já que muitas vezes os cidadãos não têm opção a não ser aceitar o reconhecimento facial se quiserem participar de um grande evento no qual são usados sistemas desse tipo. Por exemplo, um jogo de futebol ou um show: “Se você compra o ingresso, está implicitamente dando seu consentimento. O problema é que se você não der o consentimento, não terá o ingresso e não poderá ir. É quase uma chantagem”.

Ele assinala também que os sistemas de reconhecimento facial têm limitações. Entre elas, “80% ou 90% de falsos positivos”. E às vezes “detectam que seu rosto corresponde, com uma similaridade bastante alta, a alguém que está em uma lista de possíveis suspeitos”. De fato, em 2018 o reconhecimento facial da Amazon confundiu 28 congressistas com suspeitos procurados pela polícia. Da mesa forma, já se demonstrou que é possível passar despercebido por esses sistemas: “Também há falsos negativos. Se um terrorista colocar um adesivo no rosto ou usar óculos como os de Elton John, muito grandes e multicoloridos, é possível que não seja identificado”.

Talvez daqui a algum tempo o sistema [de reconhecimento facial] funcione muito bem e os erros sejam suficientemente baixos a ponto de ser aceitáveis, mas é preciso ter cautela e esperar ”
Essas limitações e a perda de privacidade que tais sistemas acarretam provocaram polêmicas nos últimos meses. São Francisco se tornou há duas semanas a primeira cidade dos Estados Unidos a proibir sistemas desse tipo. “Considero perfeito. Vendo como funcionam mal, acho que é isso que deve ser feito. É preciso ter cautela e esperar. Talvez daqui a algum tempo o sistema funcione muito bem e os erros sejam suficientemente baixos a ponto de ser aceitáveis”, afirma López de Mántaras. Apesar disso, ele não se mostra tão contundente ao dizer se estenderia essa proibição para outros lugares: “Seria preciso estudar o assunto com muito cuidado, é um problema difícil. A regulamentação é complicada e seria necessário o trabalho de especialistas em leis e assuntos jurídicos”.Fonte: El País -01 JUN 2019 

domingo, 4 de agosto de 2019

Acordo UE-Mercosul pode ser ratificado em dois anos

Próximos passos do acordo são a aprovação do Conselho Europeu e a apreciação do texto pela Eurocâmara
O acordo de livre-comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul, assinado no último dia 28 de junho, poderia ser ratificado em um prazo de até dois anos, previu o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Espanha, José Gasset Loring.
"A política comercial, de troca comercial, já é uma política comum (dos países da UE). Agora, só precisamos da ratificação do Parlamento Europeu", acrescentou o empresário. "Acredito que em dois anos (a ratificação) terá ocorrido."

Loring explicou que os próximos passos do acordo são a aprovação do Conselho Europeu, que deve ocorrer no último trimestre deste ano, e a apreciação do texto pela Eurocâmara, prevista para acontecer em 2020.
O empresário também destacou que o compromisso do Brasil com o Acordo de Paris contra a mudança climática é "muito firme" e não representa um impedimento para as negociações, como questiona o governo da França.

Para ele, o setor agropecuário europeu não deve dificultar a aprovação do acordo, mesmo dos produtores de carne, que exigem melhores condições fitossanitárias por parte do Brasil. "Acredito que o acordo é suficientemente mais amplo para não só se concentrar no comércio de produtos agrícolas. Há produtos industriais que também serão positivamente afetados", ressaltou.

O representante empresarial sugeriu a aplicação de medidas compensatórias aos setores que podem ser prejudicados na Europa, como os criadores de gado, além dos produtores de açúcar, de críticos e arroz. Eles poderiam receber, segundo Loring, recursos oriundos dos fundos de globalização da Política Agrícola Comum da UE.

O embaixador do Brasil na Espanha, Pompeu Andreucci Neto, reforçou o compromisso ambiental do Brasil, dizendo que este é um ponto fundamental e muito sensível, no qual há muito empenho do atual governo. Fonte: O Estado de S.Paulo-12 de julho de 2019


Gráficos - Folha de São Paulo, 3 de agosto de 2019

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Desigualdade global - A revolta da classe média

Afetados pela globalização perdem status e se rendem ao populismo

REINO UNIDO
Antes do início dos anos 1990, a paisagem do noroeste da Inglaterra era dominada pelas chaminés de mais de mil fábricas, a maioria de tecelagens do auge da revolução industrial, no século 19.

Foi uma época em que as primeiras máquinas a vapor multiplicaram a geração de bens e de fortunas. Primeiro na Inglaterra. Depois, no resto da Europa, nos EUA e em outras partes do mundo.
Em seu apogeu, Oldham, na Grande Manchester, foi um dos locais mais dinâmicos da Terra, conectado ao resto do mundo por ferrovias que chegavam ao porto de Liverpool.
Hoje, a cidade de 100 mil habitantes parece um museu. Sobraram poucas chaminés e, com ares de decadência, centenas de pequenas casas de tijolos escuros que abrigavam os operários do passado.

No alto, prédio em ruínas da tecelagem Hartford, inaugurada em 1907, em Oldham, no Noroeste da Inglaterra; abaixo, edifício abandonado de companhia de seguros e centro de Oldham

Na Union Street, uma das ruas principais, o ponto mais movimentado parece ser um centro para desempregados. É ali que Brian Melling, 65, busca trabalho há quatro anos.
Ex-motorista de caminhão, seu padrão de vida decaiu junto com as indústrias de Oldham, afetadas por uma globalização que encontrou salários mais baixos na Ásia e expulsou gente jovem e educada para as grandes cidades.

Antes, Melling podia, como diz, "ter motocicleta, fumar, beber e fazer o que quisesse. E economizava dinheiro".
Hoje, vive em um apartamento quase que totalmente subsidiado por uma fundação privada e passa os dias com 73 libras por semana (R$ 340) do seguro desemprego. Para economizar, come enlatados de baixa qualidade, lanches frios, frutas e bebe muito chá.

Melling e as pessoas de sua região foram as maiores responsáveis pela aprovação do brexit em 2016. Numa vitória apertada, 51,9% dos que votaram no referendo optaram por sair da União Europeia e reconquistar a opção de fechar o Reino Unido à imigração e a produtos estrangeiros.

Em Oldham, não só mais pessoas votaram no referendo como o apoio ao brexit atingiu 61%, taxa que se repetiu em toda a Grande Manchester. Na Grande Londres, mais dinâmica e cosmopolita, deu-se o contrário: 60% votaram pela permanência.
Recentemente, a ex-primeira-ministra britânica Theresa May renunciou ao não concluir o brexit, e pode ser substituída pelo ex-prefeito de Londres Boris Johnson, defensor da saída mesmo sem um acordo com a União Europeia.

O motorista de caminhão desempregado Brian Melling vive com 73 libras por semana do seguro desemprego e mora em um apartamento subsidiado em Oldham, na Inglaterra. "Votei pelo brexit porque estávamos melhor antes do mercado comum. Empobrecemos muito e todos têm nos tratado muito mal", diz Melling.
Em sua opinião, o radicalismo na Europa vem se alimentando de um sentimento parecido com o seu. "Veja os 'coletes amarelos' na França. As pessoas querem um basta."

Para David Soskice, coordenador do International Inequalities Institute, em Londres, enquanto moradores de grandes centros têm se saído melhor por serem mais educados e globalizados, os do interior perdem renda e status.
Isso explicaria tanto o brexit quanto Donald Trump nos EUA, onde estados empobrecidos do meio-oeste garantiram a vitória do republicano.

EMPOBRECIMENTO DA CLASSE MÉDIA
Mas o principal motor do radicalismo e do populismo, sobretudo no Ocidente, seria o empobrecimento da classe média -resultado da mistura de globalização, avanços tecnológicos, melhor educação concentrada no topo e financeirização do capital em detrimento da produção física que gera empregos.

Cada vez mais distante dos ricos acima e pressionada por serviços públicos piores e gastos maiores, sobretudo com moradia, sem que os salários acompanhem, é a classe média quem se volta a partidos eurocéticos, anti-imigração e de extrema direita atrás de soluções.
"São pessoas preocupadas em não cair no poço da pobreza, ou que isso possa acontecer aos seus filhos. Elas votam pensado nisso", diz Soskice.

Foi esse tipo de decadência pessoal que levou Mark Hodgkinson, 58, a marchar recentemente durante 14 dias e por 450 km em defesa do brexit, do interior da Inglaterra até o Parlamento em Londres. Morador de Rochdale, ao norte de Manchester, o vendedor de produtos online viu seus dois filhos e de amigos fugirem para cidades maiores como Londres atrás de oportunidades que não existem mais onde viviam. "Há 20 anos havia muito trabalho aqui. Hoje, os jovens não têm chances", diz.

O economista Branko Milanovic, autor de "Global Inequality" (Harvard University Press), diz que o que existe hoje é um "voto de protesto" contra a falta de programas coerentes para estancar o encolhimento da classe média.

Segundo ele, o fenômeno tornou-se estrutural e poderá, no futuro próximo, afetar o consumo, principal motor do crescimento econômico.
"Para ficar num exemplo extremo, haveria demanda por um automóvel Maserati de um lado, e uma imensa demanda por arroz e pão, de outro. Isso não significa que não haverá crescimento, mas ele será de um tipo diferente."

Para Martin Wolf, comentarista-chefe no jornal britânico Financial Times, respostas como o brexit, Trump e outros radicalismos "não farão nada para resolver o problema".
"Na verdade, isso só vai piorar as coisas, encorajando pessoas a culpar algum outro grupo, muitas vezes mais vulnerável", diz, em referência à imigração.

Entre todas as regiões do mundo, contudo, é na Europa Ocidental onde a desigualdade de renda ainda cresce mais devagar, embora ela também tenha tomado uma curva ascendente desde os anos 1980 -sobretudo pela crescente acumulação no topo.

No Reino Unido, o 1% mais rico dobrou a participação na renda nacional no período e hoje se apropria de cerca de 12% do total, segundo o Relatório da Desigualdade Global, da equipe do economista Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris.

Abaixo do topo, porém, 500 mil britânicos decaíram nos últimos cinco anos e hoje vivem com renda mensal inferior a 60% da média nacional.
Eles são hoje 4 milhões de trabalhadores (1 em cada 8) com renda mensal inferior a 1.100 libras (R$ 5.170), o que os classifica como pobres, segundo a Joseph Rowntree Foundation a partir de um dos critérios da União Europeia.

Esse empobrecimento coincidiu com cortes de mais de 30 bilhões de libras (R$ 140 bilhões) em benefícios sociais no Reino Unido desde 2010.
Isso contribuiu para dobrar, por exemplo, a procura pelos Food Banks (bancos de alimentos) entre os britânicos a partir de 2013.

"Em 2018, ajudamos quase 8.000 pessoas. Há sete anos, quando começamos, eram cem", diz Lisa Leunig, 52, chefe do Food Bank de Oldham.
Em todo o Reino Unido só no ano passado foram distribuídas 1,4 milhão dessas cestas montadas com doações -quase o dobro na comparação com cinco anos atrás.

Quando a Folha visitou o Food Bank de Oldham, Katherine Storor, 33, estava lá com seu filho. Ex-funcionária de uma tecelagem que fechou e trabalhando agora em uma loja ganhando 250 libras por semana (R$ 1.170), ela recorre ao sistema em emergências.
Katherine mora com a mãe porque não consegue alugar uma casa por menos de 600 libras (R$ 2.800) por mês.

DO OUTRO LADO DO CANAL DA MANCHA, A FRANÇA VIVE UMA HISTÓRIA PARECIDA.
Nos últimos dez anos, cerca de 630 mil pessoas passaram a viver na pobreza, muitas vindas da classe média. São considerados agora pobres 5 milhões de pessoas, ou 8% da população, segundo o Observatório das Desigualdades.

O organismo considera pobre os que vivem com menos da metade do salário médio francês, ou cerca de 855 euros (R$ 3.600) -o equivalente ao aluguel de um apartamento de 20 m² em Paris.
Usando a mesma régua do Reino Unido (menos de 60% da renda média), os pobres na França saltariam a 8,8 milhões, ou 14% da população.

Na última década, o total de pessoas atendidas por programas de alimentação praticamente dobrou no país, para 4,8 milhões. Embora a França ainda apresente níveis de pobreza equivalentes à metade da média europeia, seu aumento vem rompendo uma histórica tendência de queda.

Segundo o Relatório da Desigualdade Global, após os "gloriosos 30 anos" (1950-1983) que elevaram a renda média de 99% da população em 200% (e a do 1% mais rico em 109%), houve uma reversão.

A partir dali, enquanto o crescimento acumulado dos rendimentos da metade mais pobre foi de 31%, no decil mais rico ele aumentou 49% -e chegou a 98% no 1% do topo.
Com salários e ganhos de capital crescentes, os 10% mais ricos recebem hoje, em média, 109 mil euros por ano (R$ 460 mil). Na metade mais pobre, o valor médio é de 15 mil euros (R$ 63 mil).

Os protestos dos "coletes amarelos" na França são considerados em parte produto da desigualdade e teriam se originado, por um lado, pelos cortes de impostos para os mais ricos adotados pelo presidente Emmanuel Macron.
Por outro, pelo aumento da taxação sobre combustíveis no fim de 2018, quando as manifestações eclodiram.

"Quando as pessoas viram suas contas aumentando e outros sendo beneficiados, houve um grande descontentamento", diz Lucas Chancel, coordenador do Relatório da Desigualdade Global.

A menor taxação sobre os ricos na França, acredita, só aumentará a desigualdade.
Moradora em Saint-Denis, ao norte de Paris e um dos locais mais empobrecidos da França, a designer Valery Voyér, 45, afirma que se juntou aos "coletes amarelos" como forma de protesto contra as desigualdades e a precarização do trabalho em seu país.
"Muitos estão lá porque a situação é trágica, insustentável. Outros, por solidariedade aos demais", afirma.

Valery diz ser obrigada a trabalhar ao menos 50 horas semanais (a jornada oficial na França é de 35 horas) para "manter um certo nível".

Como resposta às manifestações que já duram mais de seis meses, Macron anunciou a redução no imposto sobre o rendimento para 15 milhões de famílias, uma ajuda de até 1.000 euros (R$ 4.200) para pessoas de baixa renda e a suspensão do fechamento de hospitais e escolas até 2022.

O impacto das medidas no Tesouro francês será de 17 bilhões de euros (R$ 71 bilhões).
De olho nos manifestantes mais identificados com políticos nacionalistas, Macron também defendeu políticas mais duras contra a imigração, em um aceno aos cada vez mais numerosos simpatizantes da direita francesa.

Casal pede esmola em frente a loja de artigos de luxo na avenida Champs Élysées, em Paris
Neste cenário de radicalismo, a Espanha surpreendeu em abril quando os socialistas venceram as eleições parlamentares, embora sem conquistar sozinhos a maioria.

ESPANHA
No mesmo pleito, no entanto, foi confirmada a entrada no Parlamento do Vox, primeira legenda de ultradireita -e de viés populista- a chegar ao Congresso espanhol desde 1979.
"Há esse reflorescimento da direita. Fruto do desemprego e de pessoas vivendo de ganhos irregulares que lembram a pré-história", diz Joan Babiloni, 62, diretor de fotografia e morador do bairro El Raval, em Barcelona.

Desde a crise global de 2008-2009, a desigualdade na Espanha subiu, e os 10% mais ricos ficam hoje com mais de 30% da renda bruta, ante os 26% divididos na metade mais pobre.

"A classe média espanhola sempre foi de trabalhadores ou pequenos empresários com um futuro. Isso acabou. Agora, só há medo entre nós, os precarizados", diz Babiloni.

GLOBALIZAÇÃO FRACASSOU PARA MUITOS, E REAÇÕES PODEM SER VIOLENTAS
Coordenador do Relatório da Desigualdade Global diz que 'fuga para o mais barato' achatou as classes médias e levou à precarização dos serviços públicos
Para o economista Lucas Chancel, um dos coordenadores do Relatório da Desigualdade Global, as promessas da globalização "fracassaram" para muitos ao redor do mundo.
Em sua opinião, os países precisam reorganizar a integração econômica global para evitar "reações violentas" no futuro.

Embora os muitos pobres estejam melhorando por causa da Ásia, os mais ricos ficam cada vez mais ricos em todo o mundo e a classe média está sendo espremida. Quais as razões e as perspectivas desse movimento?
O que vemos são os três lados da história da globalização. O lado mais feliz é o enorme crescimento da Ásia. Na China, na Índia e em outros países. Há uma melhora substancial nos padrões de vida,e isso levou à redução das desigualdades entre os países.
Alguns se concentraram nisso para dizer que a globalização é ótima e que é preciso aprofundá-la,pois a desigualdade global diminuiu.

Mas há um outro lado. A renda cresce em ritmo muito baixo entre as classes trabalhadoras na América do Norte e em alguns países europeus. Nos EUA, toda a metade mais pobre ficou de fora do crescimento da renda nos últimos 38 anos.
Isso também precisa ser entendido a partir da perspectiva da terceira história da globalização, que é a da elite econômica global.
Onde quer que olhemos o mundo, na Europa, na América Latina, na América do Norte ou na Ásia, vemos a renda do 1% mais rico subindo brutalmente. São taxas de crescimento acima de 100% ou de 200% para o 1% do topo entre 1980 e hoje. Em alguns países a taxa ultrapassa os quatro dígitos.

Um debate bem informado sobre a globalização precisa levar em conta essas três histórias. Não dá para dizer apenas que os pobres estão melhorando e que isso é ótimo. Ou que as pessoas do topo estão ganhando muito e que isso é terrível.
O que vai acontecer? O lado bom da história é que tudo depende de nós.
Tudo vai depender do que os formuladores de políticas implementarem. E isso vai depender,em muitos países, das decisões dos cidadãos.

Como os países individualmente podem combater a desigualdades e as empresas hoje são globais e o capital é livre para migrar, mas as pessoas, não?
O capital pode migrar por que organizamos a globalização dessa maneira. Assinamos tratados que nos permitem mover bens e às vezes trabalhadores e, em muitos casos, o capital. Mas não assinamos tratados que harmonizassem a tributação.
Então, qualquer tipo de entidade na qual há livre comércio sem harmonização fiscal será uma entidade econômica que não funcionará adequadamente. Particularmente do ponto de vista da desigualdade. Com certeza, essa é uma questão-chave que precisa ser enfrentada.

Nos últimos 30 anos houve, dentro da União Europeia, uma "fuga para onde for mais barato" em termos de tributação progressiva,ou em termos de tributação de uma empresa. Porque todo país acha que, se não fizer o jogo da "fuga para o mais barato", vai sair perdendo.
Mas, no final, todo mundo perde porque não sobram recursos para os atores públicos que quer em financiar um bom nível de educação, transporte público e saúde.

Basicamente, os formuladores de políticas foram um pouco preguiçosos, e apenas diziam que "tudo bem, vamos fazer o jogo da fuga para o mais barato". Mas qual é a consequência desse jogo?
Bem, há contribuintes "móveis", que são as multinacionais e os cidadãos ricos, que ameaçam e chantageiam o governo com o argumento de que "se você aumentar meus impostos, eu me mudo".
Mas também há"contribuintes imóveis", a classe trabalhadora, a classe média e o contribuinte que simplesmente não pode se mudar. E essas pessoas querem a manutenção de bons níveis de serviço público.
Então, quem vai pagar os impostos? Se isso recair sobre a classe média, sobre os grupos de baixa renda, não será nenhuma surpresa que venhamos a ter uma reação muito violenta, brutal.

Já temos fenômenos como Donald Trump, brexit e populistas ganhando terreno. A "desglobalização" vai se acentuar nessa onda?
Um dos problemas é que as promessas da globalização em grande parte fracassam. Ela deveria aumentar o padrão de vida em países de baixa renda, e isso aconteceu
Mas também deveria melhorar a vida das classes médias e dos trabalhadores nos países ricos, e isso não aconteceu.
Uma das formas de entender a rejeição a o multilateralismo é o próprio fracasso do multilateralismo.
Mas uma maneira de tentar torná-lo bem-sucedido é abordar a questão-chave que você colocou, da fuga de capitais. É preciso organizar a globalização e saber com muito mais transparência onde está a riqueza e como ela se move de um país para outro.
Isso significa, por exemplo, que não podemos continuar negociando com paraísos fiscais que não respeitam as regras básicas da transparência. Porque países e governos perdem nesse jogo. Isso justifica a imposição de limites.

Em The Great Leveler, Walter Scheidel argumenta que a desigualdade é um fato da vida. Que só diminuiu após eventos extremos, como guerras e pestes. Qual a sua opinião?
Sim, é um fato da vida e, em certa medida, sempre existirá, até o fim dos tempos.
Mas a questão é até que ponto aceitaremos esse nível de desigualdade. E há outro fato, não um fato da vida, mas das sociedades humanas, que é a discussão permanente sobre como a riqueza deve ser compartilhada. E esse tipo de discussão está no centro da construção das democracias modernas. Fonte: UOL Noticias - 22.jul.2019-Fernando Canzian

Em nenhum outro período da história, tantas pessoas emergiram da pobreza extrema e conseguiram acesso a bens e alimentos como nos últimos 40 anos.
Mas enquanto milhões de indivíduos saem da pobreza,  a classe média é cada vez mais "espremida" entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos.