Nos últimos anos está ganhando força a hipótese de que a internet morreu e só esquecemos de enterrar. A rede que conectava pessoas e armazenava o conhecimento humano não existe mais de acordo com essa teoria.
Ou, ao menos, está sendo substituída por uma rede
composta por máquinas que falam entre si e conteúdos gerados automaticamente
por inteligência artificial.
Por muito tempo essa ideia foi tratada como teoria da conspiração: um alarmismo longe da realidade.
No
entanto, os sinais de que há algo de podre no reino da internet estão se
tornando mais frequentes. Vejamos alguns.
Hoje, 47,4% de todo o tráfego na rede é gerado por robôs. Sabe aquelas preciosas visualizações que o seu post alcançou na sua rede social favorita?
Pois é, metade delas são provavelmente
visualizações fake, feitas por robôs.
E o pior, 30% são robôs
maliciosos, atuando com a intenção de copiar informações ou fazer ataques.
Vários são capazes de imitar o humano, se tornando indetectáveis. Enquanto
isso, o acesso realmente humano cai a cada ano. De 2021 a 2022, a queda foi de
5,1%. Se a tendência continuar, em breve a internet será terra de ninguém, ou
melhor, terra de robôs.
Outro elemento indicativo da
morte em curso da rede é a invasão de conteúdo criado por inteligência
artificial. Um estudo do Instituto de Estudos do Futuro de Copenhague prevê que
99% do conteúdo que será postado na internet em 5 anos será gerado por
inteligência artificial. Ou seja, só 1% será feito por humanos.
Não precisa nem esperar tanto
tempo. Em postagem oficial, o Google mencionou no mês passado que está tomando
providências contra conteúdos que "parecem criados para [enganar] os
mecanismos de buscas, em vez de para pessoas". Por conta disso, muita
gente vem adotando uma prática inusitada. Colocar o comando "Before:
2023" nas buscas.
A alegação é que buscar por
conteúdos "antes de 2023" gera resultados melhores. Justamente por
causa da quantidade de lixo criado por inteligência artificial que vem sendo
postado nos últimos 18 meses, já interferindo no ranking das buscas.
Até para encontrar um par
romântico a internet está morrendo. Pesquisa da McAfee feita na Índia mostrou
que 77% dos usuários de aplicativos de relacionamento já se depararam com
perfis feitos por inteligência artificial, inclusive nas fotos. Além disso, 26%
dos usuários alegam ter descoberto que estavam conversando com uma inteligência
artificial, em vez de uma pessoa real, em sites de paquera.
Outro problema familiar é o
uso de robôs em campanhas eleitorais. As eleições deste ano são as primeiras em
que a inteligência artificial generativa estará em pleno curso. Dá para esperar
novidades nesse campo.
Se tudo continuar assim, é
possível que nossa geração terá sido a única a viver o tempo em que a internet
era feita por pessoas. Para as gerações futuras, mais acostumadas com robôs do
que a gente, essa ideia poderá parecer antiquada ou até grotesca: uma internet
humana como um cobertor feito de retalhos, esquecido em algum canto mofado do
passado.
Já era – Não pensar na
regulação da inteligência artificial
Já é – Pensar em regular IA
por meio de modelos de risco
Já vem – Pensar em regular IA
por meio de modelos antitruste
Folha de São Paulo - 21.abr.2024
às 4h00; Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio
de Janeiro.
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