Embora costume ser apresentada como simples cálculo matemático, alcançar a imunidade de rebanho não é tarefa fácil. Ela não só depende da infecciosidade das variantes, como da adoção de medidas sanitárias pela população.
Apesar das campanhas de vacinação em massa, os casos de
covid-19 continuam crescendo por todo o planeta, do Reino Unido, Índia e Rússia
à Malásia. E, enquanto especialistas da Alemanha começam a falar de uma quarta
onda iminente, muitos querem saber, de uma vez por todas: quando essa coisa vai
chegar ao fim?
Desde o início da pandemia, o termo "imunidade de
rebanho" simboliza o momento em que suficientes indivíduos estarão
imunizados contra o vírus Sars-Cov-2, quando se poderá novamente abraçar,
aliviar o sobrecarregado pessoal de saúde e dizer adeus à covid-19.
Mas o que é, exatamente, esse nebuloso Santo Graal da saúde
mundial, e por que ele parece eternamente fora de alcance?
ENTENDENDO A IMUNIDADE DE REBANHO
Adam Kleczkowski, professor de matemática da Universidade de
Strathclyde, Escócia, compara a imunidade de rebanho a um incêndio florestal em
que a madeira seca acaba: quando não há mais material suficiente para ser
queimado, o incêndio fica sem combustível e se extingue.
Ou seja: quando uma percentagem suficiente da população
mundial estiver resistente ao novo coronavírus, seja por se recuperar de uma
infecção ou através da vacinação, o patógeno não poderá mais se propagar, a
pandemia para de crescer e começa a decair.
A percentagem necessária a esse nível de resistência
comunitária se baseia no número de reprodução (R), a média de indivíduos a que
alguém contagiado transmitirá a doença em determinado momento. Quando R é
inferior a 1, significando que é improvável alguém infectado contaminar mais de
um individuo, começa a faltar "combustível" para a doença, e ela
desaparece.
"Podemos alcançar isso esperando até que a maioria da
comunidade tenha se contagiado, ou mantendo distanciamento social e
confinamento para sempre, ou vacinando gente suficiente", explica
Kleczkowski. "A chave é entender que nem todo mundo precisa estar imune:
há um ponto a partir do qual o número de imunizados basta para impedir o
incêndio de se alastrar."
Esse "ponto-chave" não é simples de definir: no
começo da pandemia, os cientistas estimavam algo entre 60% e 70%. Durante o
último ano e meio, contudo, essa meta tem se deslocado. No momento,
especialistas acreditam que ela se aproxima de 80% ou mesmo 90%. Essa variação
se deve a diversos fatores.
O PROBLEMA DAS VARIANTES
Um aspecto é que esse número crítico é dependente do grau de
infecciosidade do vírus, ou seja, do quão rapidamente ele se propaga. Para o
sarampo, que é altamente infeccioso, a média é de 95%, mas para a gripe ela
circunda apenas em torno de 35%.
No começo do surto global, estimou-se entre 2,5 e 3 o número
R do novo coronavírus, mas ele se tornou mais transmissível à medida que
emergiram outras variantes. A variante delta, detectada pela primeira vez na
Índia, é cerca de 64% mais infecciosa do que a alfa, inicialmente identificada
no Reino Unido, a qual já era 50% mais contagiosa do que o Sars-Cov-2 original,
propagado a partir da China.
Quanto mais rápido o vírus se alastra, maior o grau de
imunidade coletiva necessário a desacelerar a taxa de infecção. "Isso
empurra esse número para cima. Talvez precisemos até de 85% de imunidade para
frear a variante delta", adverte o matemático. No entanto, ressalva, tais
percentagens não passam de estimativas: "Elas são baseadas em dados
limitados, não está completamente claro que percentagem precisaremos
alcançar."
"Só estaremos seguros quando todos estiverem"
Segundo Kaja Abbas, professor assistente de modelagem de
doenças infecciosas da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, a vacinação
é essencial para se atingir a imunidade de rebanho, já que a obtida através de
contágio natural chegaria "ao custo de uma colossal perda de vidas humanas
e muito sofrimento".
Um estudo recente realizado em Israel mostra que as vacinas
anti-covid não só protegem com sucesso contra um desenvolvimento mais grave da
doença, como também têm reduzido consideravelmente a taxa de transmissão.
Esse nível de imunidade exige que uma porção significativa
da população global esteja vacinada, frisa Abbas, e isso também implica
ministrar os imunizantes uniformemente por todo o planeta. "Não estaremos
seguros até que todo mundo, por toda parte, esteja seguro", sublinha
Kleczkowski.
Enquanto no Reino Unido e nos Estados Unidos quase 50% já
estão completamente vacinados, e Israel vai chegando aos 60%, no Brasil apenas
11% da população recebeu as duas doses; na Índia, um pouco mais que 3%, dois
países que, juntos, já registram quase 900 mil mortes por covid-19. Além disso,
pode ser que sejam necessárias uma terceira ou quarta dose, a fim de proteger
contra as variantes do coronavírus.
UM FUTURO SEM COVID?
Um fator que os cálculos matemáticos de imunidade de rebanho
não podem levar em consideração, são as complexidades do comportamento humano.
Tão logo se alcance um certo grau de imunização, é possível que se relaxem as
medidas de controle como uso de máscaras, distanciamento físico e fechamento de
fronteiras. Em consequência, ocorrem novos surtos, e a proteção coletiva se
perde.
Por esse e outros motivos, Kleczkowski não considera útil
definir a imunidade de rebanho através de uma cifra concreta. Em vez de focar
em alcançar 70% ou 80%, ele considera mais eficaz pensar na imunidade como um
processo gradual de erradicação do vírus, até eliminá-lo completamente.
Sua receita é manter uma combinação de medidas de controle –
como testagem continuada e uso de máscaras onde as taxas de contágio são altas
– e vacinação em ampla escala, assim como revacinação em reação a novas
variantes.
Mesmo que não seja possível erradicar inteiramente o
Sars-Cov-2 – coisa que só se conseguiu antes com a varíola – peritos como Abbas
e Kleczkowski afirmam que as vacinas basicamente protegerão contra os piores
efeitos da covid-19, caso novos surtos venham a ocorrer. Fonte: Deutsche Welle – 18.06.2021
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