Seis anos e meio depois de declarar que se afastaria
definitivamente do terrorismo, o grupo basco independentista ETA anunciou seu
desaparecimento como organização através de um comunicado divulgado na quinta-feira, 3 de maio, às 9h06 (horário de
Brasília). A forma que utilizou para expressar sua dissolução foi “o
desmantelamento total do conjunto de suas estruturas” e “o final de sua
trajetória e da sua atividade política”. É o último comunicado de um grupo com
59 anos de história, a derradeira organização terrorista a se extinguir na
Europa.
O comunicado foi lido em espanhol por Josu Urrutikoetxea,
mais conhecido como Josu Ternera, histórico dirigente do ETA e participante do
processo de diálogo mantido pela organização com o Governo de José Luis
Rodríguez Zapatero, em 2006. Josu Ternera está em paradeiro desconhecido, pois
é procurado pela Justiça espanhola. O texto, intitulado Declaração Final do ETA
ao Povo Basco, tem 378 palavras – uma extensão semelhante à do comunicado de
outubro de 2011 em que o grupo separatista renunciava à violência – e não faz
nenhuma alusão às vítimas da sua ação terrorista. Aliás, busca justificar sua
trajetória criminosa.
As instituições e os partidos consideram que o comunicado do
ETA corrobora a sua dissolução. Fontes do Governo regional basco avaliam que
ele “cumpre as condições exigidas”, mas denunciam suas falhas. “Falta um
reconhecimento do dano causado a todas as vítimas, e pretende justificar sua
trajetória terrorista”, disse uma dessas fontes.
Na sexta-feira, no começo da tarde, uma delegação
internacional, composta entre outros pelo advogado sul-africano Brian Currin e
pelo prefeito de Bayonne (França), Jean René Etchegaray, registrará em cartório
a dissolução da organização separatista, num ato a ser realizado em
Cambo-les-Bains, localidade basca no lado francês da fronteira. Os Governos das
regiões espanholas do País Basco e Navarra (onde também há importante presença
basca) não comparecerão. Mas estarão lá representantes dos partidos bascos, com
exceção do Partido Popular e do Partido Socialista de Euskadi.
“O ETA, organização
socialista revolucionária basca de libertação nacional, quer informar ao Povo
Basco sobre o final de sua trajetória”, diz o comunicado da organização
HISTÓRIA SANGRENTA
O grupo terrorista ETA para trás uma história sangrenta com
853 mortos, segundo o site do Ministério do Interior da Espanha, sendo a
maioria bascos; 79 sequestrados, 12 deles assassinados, e 6.389 feridos.
Desaparece ficando pendentes de esclarecimento 197 casos – 170 absolvidos, e 27
arquivados.
Nasceu em 1959, mas não foi uma organização surgida para
combater a ditadura de Francisco Franco. Sua carreira de assassinatos começou
nos estertores do franquismo, em 1968, e se prolongou por mais 43 anos. O ETA
praticou o terrorismo durante apenas sete anos da ditadura, e outros 36 entre a
transição e a democracia. Foi uma organização terrorista que, em sua pretensão
de impor um projeto totalitário no País Basco, tentou desestabilizar a
democracia espanhola e o autogoverno basco, ambos atacados com mais sanha nos
momentos mais difíceis da transição. Concretamente, entre 1979 e 1980 – anos do
referendo constitucional espanhol, da votação do Estatuto de Gernika e da
criação do primeiro Governo basco depois da Guerra Civil –, assassinou 244
pessoas, quase um terço dos seus crimes. Pouco antes, em 1977, o grupo havia se
beneficiado de uma anistia que libertou todos os seus presos (o que serviu de
pretexto ao tenente-coronel Tejero Molina para a sua tentativa de golpe de
Estado de 23 de fevereiro de 1981). Seu balanço terrorista e desestabilizador é
nítido: 93% de seus 829 assassinatos foram cometidos entre a transição e a democracia,
Só 7% durante a ditadura.
A NARRATIVA DE MAIS DE MEIO SÉCULO
O ETA desapareceu da vida pública em 20 de outubro de 2011,
quando abandonou definitivamente o terrorismo e chegaram ao fim seus
assassinatos, seus sequestros, suas extorsões e suas ameaças
A história do ETA foi um absurdo. Embora inspirado no IRA e
nos movimentos de libertação nacional – Cuba, Argélia etc. –, diferenciou-se
destes por ter realizado a maior parte da sua trajetória terrorista contra uma
Espanha que inaugurava a democracia e um País Basco que estreava o autogoverno,
sob o amparo da União Europeia. Nessas condições, estava destinado a
desaparecer sem alcançar seus objetivos, tal como aconteceu. Embora
progressivamente debilitado desde 1982, com a dissolução do ramo político-militar
do ETA, sua injustificada bitola antifranquista, a guerra suja e alguns erros
na luta antiterrorista contribuíram para que seu final fosse mais lento.
Ao Governo do PP caberá exigir o cumprimento da legalidade
aos detentos do ETA que pretendam se reinserir na sociedade, mas sem se exceder
nas condições. É o momento para que o Executivo de Mariano Rajoy cumpra o que
muitos de seus correligionários disseram no passado: que quando o ETA se
dissolvesse reveriam a política penitenciária, concebida para lutar contra o
terrorismo. Tanto o Governo basco como o Parlamento regional terão um papel supervisor.
A convivência passa, também, pelo cumprimento da legalidade sem cláusulas
abusivas.
O avanço na convivência exige, igualmente, que não se busque
apenas esclarecer os casos pendentes de vítimas do terrorismo etarra. Também é
preciso olhar para as vítimas da guerra suja, pendentes de investigação em mais
de 60% dos casos. Do mesmo modo, para efeitos jurídicos, as instituições devem
conceder a todas as vítimas, sejam do ETA, da guerra suja ou de abusos
policiais, o mesmo reconhecimento. Fonte: El País - San Sebastián / Madri 3 MAI
2018
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