quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

A polêmica em torno de um poema em Berlim

Estampado em prédio, texto de Eugen Gomringer foi acusado de espelhar mulher como objeto. Para Ricardo Domeneck, caso reflete discussão tardia e necessária sobre misoginia e gera debate sobre liberdade de expressão.

Na parede de um prédio em Berlim, está estampado um dos poemas clássicos de Eugen Gomringer, considerado um dos criadores da poesia concreta ao lado dos brasileiros Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos. Chama-se Um admirador:

avenidas
avenidas e flores
flores
flores e mulheres
avenidas
avenidas e mulheres
avenidas e flores e mulheres e
um admirador

Estampado na parede da escola superior Alice Salomon Hochschule, no bairro de Berlin-Hellersdorf, desde 2011, o poema causou polêmica no ano passado, quando foi acusado de espelhar a passividade da mulher como objeto e a situação feminina como não agente dos próprios passos, dos próprios olhos. Nesta terça-feira, as autoridades locais decidiram que, numa planejada reforma da fachada da escola em meados deste ano, o texto de Gomringer será substituído por um poema de Barbara Köhler.

Estamos passando por um momento difícil, em que nos vemos em meio a uma conversa extremamente necessária e importante, que começou tarde. Mas não tarde demais. E é por ser uma conversa tão importante e tão tardia, a que discute finalmente a misoginia e a violência contra a mulher em nossa sociedade, que me parece muito importante saber onde concentrar nossas energias. E que erros evitar.

Estamos vendo no Brasil uma onda de boicotes e conversas muito pouco civis, ainda que pareçam cheias de fervor republicano e cidadão. Exposições fechadas por supostas apologias a atos criminosos, boicotes a palestras tanto à direita quanto à esquerda. Este talvez seja um assunto pesado demais para uma coluna sobre literatura. Mas trata-se, afinal, de um poema. Por ter visto o meu desejo criminalizado por tanto tempo, não tenho a menor vontade de criminalizar o desejo de outros.

Não sei se a você, querido leitor, este poema soa sexista. Não há nele, certamente, qualquer violência ou apologia à violência. Não sei mais onde traçaremos a linha da liberdade de expressão e liberdade artística se todos, dentro de uma comunidade, começarem a tentar fazer desaparecer os discursos que desagradam à sua visão de mundo, sem que haja qualquer desvio constitucional em tais discursos. Fonte: Deutsche Welle – 23.01.2018

Comentário:
A poesia concreta surgiu com o Concretismo, fase literária voltada para a valorização e incorporação dos aspectos geométricos à arte (música, poesia, artes plásticas).
O poema do Concretismo tem como característica primordial o uso das disponibilidades gráficas que as palavras possuem sem preocupações com a estética tradicional (verso/rima) de começo, meio e fim e, por este motivo, é chamado de poema-objeto.
Caminhamos, ou melhor, já estamos no totalitarismo das redes sociais. Cada um é um censor.
A rede social é o Ministério da Verdade (1984, George Orwell), produtor das notícias, entretenimento, educação e artes.

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