Polícia catalã fecha centenas de
locais de votação na tentativa de impedir realização de consulta popular,
enquanto separatistas ocupam dezenas de escolas. Manifestações contra e
pró-referendo ocorrem em várias cidades.
O governo da Espanha informou
neste sábado (30/09) que a polícia catalã, chamada de Mossos d'Esquadra, já
fechou mais da metade dos prédios selecionados para funcionarem como locais de
votação no referendo pela independência da Catalunha, previsto para este
domingo.
"Dos 2.315 postos de
votação, 1.300 foram fechados pelos Mossos d'Esquadra", afirmou Enric
Millo, representante do governo espanhol na Catalunha. A operação é uma
tentativa de impedir a realização do referendo, considerado inconstitucional
pelo governo em Madri.
Millo acrescentou que, entre os
locais bloqueados pelos policiais, 163 ainda permanecem ocupados. Essas pessoas
terão permissão para deixar os prédios, mas ninguém poderá entrar neles.
Após as atividades escolares de
sexta-feira, professores, pais e alunos permaneceram em dezenas de escolas
previstas como locais de votação, dormiram em salas de aula e auditórios e
realizaram atividades extracurriculares ao longo deste sábado, numa tentativa
de manter os espaços abertos até domingo e garantir a realização do referendo.
Os Mossos d'Esquadra receberam
ordens do governo em Madri para esvaziar todos os prédios até as 6h de domingo
(hora local), três horas antes do horário previsto para o início da votação.
Eles também foram instruídos a não usar violência durante a operação.
"Confio no bom senso dos catalães e
confio que as pessoas vão agir com prudência [e deixar os locais]",
afirmou o representante do governo espanhol na Catalunha.
Além do fechamento de centenas de
locais de votação, autoridades espanholas afirmaram que a infraestrutura
tecnológica necessária para a votação e para a contagem dos votos foi
desmantelada, tornando "absolutamente impossível" a realização do
referendo, segundo Millo.
O representante informou que
membros da Guarda Civil, portando mandado judicial, realizaram buscas na sede
do centro de telecomunicações do governo catalão (CTTI) e desativaram o
software que seria usado para gerir os mais de 2.300 locais de voto, bem como
para divulgar os resultados.
Autoridades catalãs, por outro
lado, garantem que o referendo pela independência será realizado neste domingo.
Oriol Junqueras, vice-presidente do governo da Catalunha, assegurou que haverá
"alternativas" em locais onde policiais impeçam a votação, sem dar
mais detalhes.
Na consulta popular, os eleitores
terão de responder "sim" ou "não" à seguinte pergunta:
"Você deseja que a Catalunha seja um Estado independente sob a forma de
República?".
Organizadores do referendo
preveem que mais de 5 milhões de cidadãos votem entre as 9h e as 20h de domingo
(hora local), em um modelo de urna de plástico e por meio de cédulas impressas.
A apuração dos resultados deve ficar por conta de um grupo de acadêmicos e
profissionais.
Os acontecimentos deste sábado
correspondem a mais um episódio da tensão crescente entre o governo em Madri e
separatistas da Catalunha. O referendo foi marcado para este domingo, 1º de
outubro, pelo governo catalão, desafiando a decisão do Tribunal Constitucional
da Espanha, que declarou inválida a lei de transição para criação de um Estado
catalão, aprovada em Barcelona.
Também neste sábado, espanhóis
foram às ruas em várias cidades do país em protesto contra a consulta popular,
reinvidicando a "unidade da Espanha" e a validade da Constituição.
A manifestação em Madri foi uma
das mais expressivas. Milhares de pessoas estiveram reunidas em frente ao
prédio da prefeitura, levantando cartazes com dizeres como "Espanha unida
jamais será vencida".
Em Barcelona, capital catalã,
milhares de pessoas também foram às ruas contra a votação deste domingo. No
centro da cidade, uma faixa dizia: "Catalunha é Espanha. Democracia,
futuro e liberdade".
Cidades como Sevilha, Santander,
Alicante, Valência e Málaga também registraram protestos. Em alguns locais,
como em Vitória, no norte do país, manifestações contrárias ao referendo foram
realizadas ao lado de atos separatistas, mas não houve incidentes.
CATALUNHA - HISTÓRIA
Localizada no nordeste da
Península Ibérica, a Catalunha faz parte da Espanha desde o século 15. Mas os
separatistas catalães argumentam que são uma nação com língua, cultura e
história distintas. A língua catalã se desenvolveu em paralelo ao espanhol,
derivando do latim falado pelos romanos que colonizaram a região no século 2
a.C. A ocupação romana harmonizou as várias culturas da região numa só.
Após a conquista muçulmana da
Península Ibérica, no século 8, os habitantes da região pediram ajuda ao líder
franco Carlos Magno. Assim nascia a província da
Marca Hispânica, que passou a
servir de divisão entre a Hispânia muçulmana e a França cristã.
A Catalunha emergiu dos conflitos
na Espanha muçulmana como um poder regional, à medida que líderes cristãos se
estabeleciam na região. Tornou-se parte da Espanha no século 15.
Seguiram-se períodos de grande
instabilidade, quando a Catalunha esteve sob proteção francesa, após se
revoltar contra o domínio espanhol na Guerra dos Trinta Anos. Durante a Guerra
da Sucessão Espanhola, a Catalunha se viu isolada e acabou dominada pelas
forças espanholas em 1714.
Durante os séculos seguintes, a
nação catalã perdeu seus direitos e teve sua língua banida. Seu renascimento
foi apoiado pela revolução industrial.
POTÊNCIA ECONÔMICA
Os produtos catalães eram
altamente procurados durante os séculos 18 e 19. A região prosperou com o
comércio com a América. Barcelona se tornou conhecida como a "Manchester
do Mediterrâneo".
Hoje a Catalunha é uma das
regiões mais ricas da Espanha e ainda abriga grande parte dos setores
industriais e financeiros do país, representando um quinto do PIB nacional.
A região reclama há muito que sua
capacidade financeira está subsidiando áreas mais pobres e afirma que fornece
10 bilhões de euros por ano a mais a Madri do que recebe de volta.
Uma decisão do Supremo Tribunal
de 2010 restringiu o controle da região sobre as finanças, alimentando
ressentimentos num momento em que o país ainda lutava contra as consequências
da crise financeira de 2008.
Os oponentes do argumento
financeiro afirmam ser justo que a Catalunha apoie regiões menos desenvolvidas,
considerando que a Constituição garante "autonomia de nacionalidades e
regiões e a solidariedade entre elas".
MOVIMENTO DE INDEPENDÊNCIA
Os nacionalistas catalães
pressionam há décadas por mais autonomia.
O ditador Francisco Franco
suprimiu a autonomia e a identidade catalãs durante seu governo, entre 1938 e
1975. Mas a Constituição democrática que veio após a ditadura concedeu a
autonomia à Catalunha em 1979.
O sentimento nacionalista foi
inflamado após o Tribunal Supremo derrubar, em 2010, partes de um novo Estatuto
de Autonomia de 2006, que havia sido acertado entre o Parlamento catalão e o
governo espanhol, com o apoio de um referendo.
Entre os 14 artigos do Estatuto
de Autonomia derrubados pelo Tribunal Supremo estavam aqueles que davam
preferência à língua catalã e controle regional sobre as finanças. A decisão de
que não havia base jurídica para descrever o povo catalão como uma "nação"
enfureceu os nacionalistas.
Protestos de larga escala levaram
a um referendo não vinculativo em 2014, apesar de Madri chamar a votação de
ilegal. O referendo aprovou a independência por 80% dos votos, mas a
participação foi inferior a 40%.
O referendo uniu os
nacionalistas, que assumiram o controle do Parlamento local em 2015, após uma
campanha prometendo um referendo oficial sobre a independência.
O presidente do governo catalão,
Carles Puigdemont, convocou um referendo de independência em junho. O Parlamento
catalão aprovou em setembro a autorização para a votação em 1° de outubro.
PODERES ATUAIS DO GOVERNO DA
CATALUNHA
A Catalunha é uma das 17 regiões
autônomas da Espanha. O governo provincial tem uma gama de poderes, mas paga
impostos ao governo em Madri.
A Catalunha é politicamente
organizada sob a Generalitat de Catalunya, com um Parlamento, um presidente e
um conselho executivo.
A região tem garantida autonomia
considerável em setores como cultura, educação e saúde, parte do sistema
judicial e do governo local.
Tem sua própria força policial,
Mossos d'Esquadra, embora a polícia espanhola também tenha presença na região.
O governo local também pode
cobrar impostos sobre riqueza, herança, jogo e transporte. O governo central
cobra imposto de renda, impostos corporativos e sobre o valor agregado.
COMPLICAÇÕES DE UMA CATALUNHA
INDEPENDENTE
E, no entanto, os catalães sabem
muito bem quão arriscado é o jogo em que estão se metendo. Pois está claro que
serão consideravelmente mais complicadas as relações de uma Catalunha
independente para com o restante da Espanha e com a União Europeia.
E não se trata apenas de que, no
caso de uma separação, o Barcelona não poderá participar nem do torneio
nacional espanhol nem na Liga dos Campeões. A região, tão grande quanto a
Bélgica, terá que erguer sua própria estrutura estatal. A Catalunha terá que
sair da UE. E o comércio, tanto com a Espanha quanto com os vizinhos europeus,
necessariamente entrará em colapso. O júbilo esfuziante pelo novo Estado logo
pode se transformar em lamúria.
O descontentamento de Madri com
as pretensões de secessão é compreensível, já que a Catalunha responde por um
quinto do desempenho econômico espanhol, e um desligamento poderia empurrar o
país ainda mais em direção à depressão econômica. Igualmente compreensíveis são
as apreensões da UE, pois uma independência catalã tem o potencial de
desencadear movimentos semelhantes no País Basco, Irlanda do Norte, Bolzano,
Escócia ou Flandres. Fonte: Deutsche Welle – 30.09 e 29.09.2017
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