sábado, 25 de agosto de 2012

America Latina olha o futuro pelo retrovisor

O escritor Carlos Alberto Montaner, 57 anos, é um latino-americano que adora falar mal de latino-americanos. Motivos para isso ele tem. Nascido em Cuba, de lá saiu fugido aos 18 anos para escapar de uma condenação a dezoito anos de prisão por ter organizado uma greve estudantil. Ao contrário de seus compatriotas que se refugiaram em Miami, Montaner não se resignou a viver como uma minoria de indesejados nos Estados Unidos e mudou-se para a Espanha. Mas ele não critica os latino-americanos por despeito ou vingança. Autor do Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano, ele se dedica a combater o que chama de cultura do atraso que mantém o continente na rabeira do desenvolvimento e da civilização do mundo ocidental. De Cuba, a parte que lhe toca mais diretamente na América Latina, ele espera só o fim do ditador Fidel Castro, para voltar a participar da reconstrução do país. Formado em literatura pela Universidade de Miami, trocou a carreira de professor pela de escritor. Além do Manual... já escreveu mais de uma dezena de outros títulos e publica uma coluna semanal nos principais jornais da América Latina. Casado, pai de dois filhos, vive entre sua casa em Madri e sua editora em Miami, de onde deu esta entrevista, por telefone, a VEJA:

Veja – Por que a América Latina é mais atrasada que outros continentes, com exceção da África?
Montaner – A causa mais importante está em nossa própria história. Trazemos a visão econômica, a cultura e a educação distorcida e atrasada de Portugal e Espanha, potências européias que criaram a América Latina. Portugal e Espanha, os países mais atrasados da Europa do ponto de vista científico e técnico, reproduziram na América modelos cheios de problemas e vícios. O mais trágico é que a cultura que herdamos é estática, enquanto as outras, da Europa Central e anglo-saxônica, vão em direção ao futuro, buscam mudanças. Seguimos olhando para o passado, ao passo que os outros olham para a frente.

Veja – Como se explica que Haiti, Suriname e Jamaica, colonizados por França, Holanda e Inglaterra, estejam entre os mais atrasados?
Montaner – Nesses lugares as potências coloniais não realizaram a colonização com europeus. Por isso não conseguiram reproduzir o modelo de civilização que tinham na Europa. Isso só foi conseguido na Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos e Canadá, onde a colonização foi realizada com pessoas que traziam valores e cultura semelhantes aos deixados na Europa. O importante é que as pessoas são portadoras de valores, mas eles mudam. Por isso não estamos condenados para sempre ao subdesenvolvimento.

Veja – O senhor acredita que há uma cultura do atraso na América Latina?
Montaner – Nunca tivemos uma visão de que progresso significa conforto para uma maior parcela das massas. Somos uma cultura estática, univocamente convencida de que devemos repartir a riqueza existente, e não que devemos criar riqueza incessantemente. Essa forma estática de ver a realidade é a maior responsável por essa cultura da pobreza.

Veja – Isso ocorre também em outros continentes?
Montaner – No processo de homogeneização do mundo, a Ásia é o continente subdesenvolvido que caminha mais rápido. Países como Cingapura, Coréia do Sul e Japão estão mais próximos do mundo desenvolvido que nós. O caso da África é mais trágico porque lá se estão apagando os poucos vestígios da onda civilizatória européia. Mas, de qualquer forma, Ásia e África nunca fizeram parte do mundo ocidental.

Veja – Mas a América Latina está inserida no mundo ocidental.
Montaner – O paradoxo da América Latina é que ela faz parte do mundo ocidental e segue sendo sua parte mais pobre. Isso acontece porque ela procurou uma espécie de excentricidade, terceiras vias, em vez de alimentar o desejo de se tornar parte do mundo ao qual pertence desde o início da colonização. Espanha e Portugal, que sempre foram potências excêntricas, finalmente aceitaram sua condição de países ocidentais e conseguiram diminuir a diferença que os separava do resto da Europa. Esse é o salto que temos de dar. O problema é que, quando parece que estamos quase dando esse salto, recomeçam as histórias absurdas. Vem um sujeito como o Hugo Chávez, da Venezuela, que volta a falar em excentricidade, que recoloca o tema das terceiras vias.

Veja – O senhor escreveu um livro chamado Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano. Quem é o perfeito idiota latino-americano?
Montaner – Os perfeitos idiotas são os que insistem em formas de desenvolvimento que já foram desacreditadas na prática. São os que repetem a "teoria da dependência", os que embarcam em campanhas antiocidentais, os que pediram a mão dura dos militares e ditadores. Os idiotas são aqueles que não aprenderam com a experiência de um século de fracassos na América Latina. Foi por isso que disse que o presidente Fernando Henrique Cardoso era um ex-idiota e agora é um homem curado por completo.

Veja – Por que o senhor responsabiliza a esquerda pelo atraso no continente?
Montaner – Quando as esquerdas estiveram no poder na América Latina foi um desastre, caso da Nicarágua, de Cuba, de Velasco Alvarado no Peru. Há ainda uma zona fascistóide onde esquerda e direita se confundem, como Perón, na Argentina, e Chávez, na Venezuela. Quando as esquerdas adotam o caminho da violência também fazem estragos terríveis, como as guerrilhas colombiana e mexicana.

Veja – Mas o senhor não acredita que haja uma esquerda progressista?
Montaner – As melhores esquerdas do mundo são aquelas que deixaram de ser esquerdas, como Tony Blair, na Inglaterra. Quando alguém abandona a luta de classes e a mentalidade antimercado e se converte em um amante do estado de direito já não é mais de esquerda.

Veja – Saúde e educação, bandeiras geralmente defendidas pela esquerda, não são boas idéias?
Montaner – A sociedade deve se ocupar da formação das pessoas de uma maneira que ainda não fez. Se quisermos competir com o Primeiro Mundo, não podemos pensar em uma população doente ou desnutrida. O problema é que a esquerda quer fazer isso por meio do Estado, mesmo depois de constatar o desastre de nossos sistemas estatais de educação e saúde. Esse papel cabe à sociedade civil. Hoje, as escolas particulares dão um banho nas públicas. O que temos de fazer é ajudar os pobres a se educarem em escolas privadas.

Veja – Mas como uma família de baixa renda vai mandar seu filho para estudar em uma escola paga?
Montaner – Primeiro temos de descentralizar o sistema de ensino público, entregar as escolas aos pais, alunos e professores. Que sejam eles os responsáveis pelo que se ensina e como se ensina. Isso está sendo feito no Chile e na Nicarágua. O governo entrega os recursos diretamente aos pais para que eles decidam onde aplicar o dinheiro.

Veja – Mas educação e saúde não são funções do Estado?
Montaner – A função mais importante do Estado é promover a justiça. A chave de um Estado moderno está no Poder Judiciário. Se não houver uma Justiça rápida e justa, as pessoas nunca vão confiar nas instituições do Estado. Depois, em um patamar inferior, vêm outras coisas como saúde e educação.

Veja – Qual deve ser o tamanho do Estado?
Montaner – Depende das necessidades da sociedade. Ela tem de definir qual é o Estado suficiente, mas o peso das responsabilidades deve recair sobre a sociedade civil, e não sobre a burocracia estatal, porque aí seria mortal.

Veja – Que país latino-americano tem futuro?
Montaner – O Chile é o país com melhores condições de alcançar o grau de desenvolvimento do Primeiro Mundo. Se não houver tropeço algum, em dez ou quinze anos eles terão índices parecidos com os de países da Europa Ocidental e Estados Unidos. O maior perigo é uma radicalização da sociedade, que pode ocorrer em caso de condenação do general Pinochet. O processo de transição das ditaduras para as democracias foi muito malfeito na América Latina. Deveríamos ter seguido o exemplo da Europa comunista. Lá, a solução não foi nenhuma anistia, mas amnésia mesmo. Temos de esquecer completamente o passado. É verdade que o regime de Pinochet matou milhares de pessoas, mas foi ele também quem realizou a transição para a democracia e ainda representa quase a metade do eleitorado chileno.

Veja – A eleição de Vicente Fox muda alguma coisa no México?
Montaner – Acho que os mexicanos deram um basta ao Partido Revolucionário Institucional, PRI, nessas eleições. Mas a origem de Fox é também conservadora e, internamente, não deve mudar muita coisa. O que vai mudar mesmo é a política externa. O México vai olhar mais para o sul e esquecer um pouco os Estados Unidos e o Canadá. Deve ser mais atuante e se voltar mais para a América Latina, coisa que também deveria fazer o Brasil.

Veja – Por que o Brasil deveria voltar-se para a América Latina?
Montaner – O Brasil virou as costas para o continente. Por exemplo, todos os anos em Genebra se discute o tema da violação dos direitos humanos na América Latina. O que faz o Brasil? Se abstém. A diplomacia brasileira sempre foi indiferente. Um país do tamanho do Brasil não pode ter essa atitude. O ideal seria formar uma aliança com México e Argentina para defender a democracia no continente, sobretudo agora que está em perigo potencial com Chávez e Fujimori. A pessoa do presidente Fernando Henrique até que me agrada, mas acho que falta liderança nesse sentido. Com relação à política interna, acho Fernando Henrique uma opção melhor que Lula, mas gostaria que fosse mais decidido em favor do mercado e da democracia.

Veja – O que o senhor acha do embargo americano a Cuba?
Montaner – O embargo, na prática, não funciona. O principal suporte do regime cubano são os exilados que mandam remessas de 800 milhões de dólares por ano à ilha. Com ou sem embargo, a situação de Cuba seria a mesma. Acho que deveriam levantar o embargo com a condição de que os cubanos possam ter acesso à propriedade, fazer investimentos, desenvolver suas pequenas empresas. O embargo serve a Fidel como um pretexto.

Veja – Até quando dura o castrismo?
Montaner – Infelizmente até a morte de Fidel.

Veja – Por que Fidel está durando tanto?
Montaner – O histórico das ditaduras latino-americanas é de longevidade. Castro tem apoio de 20% da população, o suficiente para mantê-lo no poder. O restante do povo vive entre o medo e a indiferença. Nenhuma população no mundo comunista liquidou o regime de forma violenta. O país que chegou mais próximo disso foi a Romênia, mas mesmo assim não foi o povo e sim as Forças Armadas.
Veja – O senhor acredita que Cuba ganhou alguma coisa com Fidel?
Montaner – O maior avanço se deu na educação. Em uma população de 11 milhões de habitantes, Cuba tem quase 700 000 pessoas com curso superior. Isso prova apenas que o sistema não funciona. Com um capital humano dessa natureza, como o país pode estar cada vez mais pobre? Cuba também avançou no sistema de saúde. O que está errado é que lá há um médico para cada 165 habitantes. Na Dinamarca, o país com o melhor sistema de saúde do mundo, a proporção é de um médico para 350 habitantes. Para que um médico para cada 165 habitantes? Fidel tem mania de formar médicos e criar escolas de medicina. O que quero dizer com isso é que em Cuba as decisões são burocráticas e arbitrárias. Isso não ajuda a melhorar o sistema de saúde.

Veja – O que será de Cuba depois de Fidel?
Montaner – Num prazo de dez anos, deve estar entre os quatro países mais desenvolvidos da América Latina. Os cubanos teriam uma ajuda enorme dos Estados Unidos para que a economia se levantasse, não por razões humanitárias, mas para evitar uma onda migratória para os Estados Unidos.

Veja – Como o senhor analisa a nova onda de autoritarismo na América do Sul?
Montaner – Vejo com preocupação que esses novos ditadores como Alberto Fujimori, no Peru, e Hugo Chávez, na Venezuela, estejam buscando nos mecanismos democráticos uma justificativa para a ditadura e para desmontar o estado de direito. Tudo isso serve para prostituir a democracia e passar uma idéia de que ela não funciona na América Latina. As pessoas não acreditam nas instituições porque elas nunca funcionaram adequadamente. Quando ocorre um desgaste do sistema recorre-se sempre a um homem forte que ajeite as coisas, um caudilho.

Veja – Fujimori não foi uma boa solução para o Peru?
Montaner – Fujimori terminou com as guerrilhas e acabou com a desordem econômica que reinava em governos anteriores. No aspecto macroeconômico, o Peru está muito melhor que há dez anos. Mas Fujimori acabou com os partidos políticos, destruiu as instituições sobre as quais se sustentam o estado de direito, destruiu o poder policial, corrompeu o Poder Legislativo e transformou a Presidência no único órgão de governo com certa respeitabilidade. Atualmente acho que entre prós e contras os contras são mais graves.

Veja – A América Latina tem saída?
Montaner – Tem de crescer. Continuar com essa política distributiva sem crescimento econômico não adianta nada. Com o crescimento do PIB se começa a eliminar a pobreza.
Fonte: Veja – edição 1663 – 23 de agosto de 2000

Comentário: Tópicos importantes para reflexão
1-Trazemos a visão econômica, a cultura e a educação distorcida e atrasada de Portugal e Espanha, potências européias que criaram a América Latina. Portugal e Espanha, os países mais atrasados da Europa do ponto de vista científico e técnico, reproduziram na América modelos cheios de problemas e vícios. O mais trágico é que a cultura que herdamos é estática, enquanto as outras, da Europa Central e anglo-saxônica, vão em direção ao futuro, buscam mudanças. Seguimos olhando para o passado, ao passo que os outros olham para a frente.

2-Nunca tivemos uma visão de que progresso significa conforto para uma maior parcela das massas. Somos uma cultura estática, univocamente convencida de que devemos repartir a riqueza existente, e não que devemos criar riqueza incessantemente. Essa forma estática de ver a realidade é a maior responsável por essa cultura da pobreza.

3- O paradoxo da América Latina é que ela faz parte do mundo ocidental e segue sendo sua parte mais pobre. Isso acontece porque ela procurou uma espécie de excentricidade, terceiras vias, em vez de alimentar o desejo de se tornar parte do mundo ao qual pertence desde o início da colonização. Espanha e Portugal, que sempre foram potências excêntricas, finalmente aceitaram sua condição de países ocidentais e conseguiram diminuir a diferença que os separava do resto da Europa. Esse é o salto que temos de dar. O problema é que, quando parece que estamos quase dando esse salto, recomeçam as histórias absurdas. Vem um sujeito como o Hugo Chávez, da Venezuela, que volta a falar em excentricidade, que recoloca o tema das terceiras vias.

4-Os perfeitos idiotas são os que insistem em formas de desenvolvimento que já foram desacreditadas na prática. São os que repetem a "teoria da dependência", os que embarcam em campanhas antiocidentais, os que pediram a mão dura dos militares e ditadores. Os idiotas são aqueles que não aprenderam com a experiência de um século de fracassos na América Latina. Foi por isso que disse que o presidente Fernando Henrique Cardoso era um ex-idiota e agora é um homem curado por completo.

4- A sociedade deve se ocupar da formação das pessoas de uma maneira que ainda não fez. Se quisermos competir com o Primeiro Mundo, não podemos pensar em uma população doente ou desnutrida. O problema é que a esquerda quer fazer isso por meio do Estado, mesmo depois de constatar o desastre de nossos sistemas estatais de educação e saúde. Esse papel cabe à sociedade civil. Hoje, as escolas particulares dão um banho nas públicas. O que temos de fazer é ajudar os pobres a se educarem em escolas privadas.

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