Com o fim da Segunda Guerra, os países aliados levaram os nazistas a julgamento. Pela primeira vez, representantes de um Estado tiveram que responder por seus crimes perante um tribunal internacional.
Os nazistas Hermann Göring (1893-1946), Rudolf Hess (1894-1987), Joachim von Ribbentrop (1893-1946) e Wilhelm Keitel (1882-1946) no banco dos réus em Nurembergue. Da esquerda para a direita: os nazistas Hermann Göring (1893-1946), chefe da Luftwaffe; Rudolf Hess (1894-1987), vice de Hitler; o ministro do Exterior Joachim von Ribbentrop (1893-1946); e o comandante supremo das Forças Armadas Wilhelm Keitel (1882-1946) Foto: Keystone Archives/Heritage-Imags/picture-alliance
"Por meio deste, acuso
as seguintes pessoas de crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a
humanidade: Hermann Wilhelm Göring, Rudolf Hess , Joachim von Ribbentrop…"
A sala 600 do Palácio da
Justiça de Nurembergue está lotada enquanto o procurador-chefe, o americano
Robert H. Jackson, lê um nome após o outro. Sua lista é longa. O
"Julgamento dos Principais Crimes de Guerra" contra 24 representantes
de alto escalão do Estado nazista tem início em 20 de novembro de 1945, em Nurembergue.
Ao longo dos próximos 218 dias de audiências, mais de 230 testemunhas serão
interrogadas, 300.000 declarações serão lidas e 16.000 páginas de atas serão
escritas.
A escolha de Nurembergue como
local do julgamento não foi coincidência. A cidade bávara já havia sido palco
das convenções em massa do Partido Nazista. Aqui, o regime nazista exerceu seu
poder, e aqui as Leis de Nurembergue foram promulgadas — a legislação racista e
antissemita que abriu caminho para o Holocausto .
MUDANÇA DE PARADIGMA
Foi a primeira vez na
história que altos representantes de um Estado foram responsabilizados
pessoalmente por seus atos desumanos. Uma novidade no sistema jurídico
internacional.
Após a derrota da Alemanha na
Segunda Guerra Mundial , as potências vitoriosas – Estados Unidos, Reino Unido,
França e União Soviética – uniram-se: os crimes do Terceiro Reich não poderiam
ficar impunes. Milhões de pessoas haviam sido vítimas do regime nazista –
assassinadas em campos de concentração, vítimas da guerra, da fome, da
escravização e do trabalho forçado.
Pela primeira vez, a questão
da culpa individual também se tornou crucial. "Até então, um líder como
Hermann Göring contava – e talvez até pensasse assim – que a Alemanha, o Estado
pelo qual ele agia, seria responsabilizada, mas não ele próprio", explicou
o jurista Philipp Graebke .
NINGUÉM SE DECLAROU CULPADO
À medida que os
interrogatórios aconteciam, um réu após o outro declarava-se
"inocente". "Os assassinatos em massa foram realizados exclusivamente
e sem influência, sob as ordens do chefe de Estado, Adolf Hitler",
argumentou Julius Streicher, um antissemita fanático e editor do jornal de
propaganda nazista Der Stürmer.
Walther Funk, em sua função de presidente do
Reichsbank (o banco central da Alemanha nazista), negou aos judeus o acesso às
contas bancárias.
Nessa posição, ele também
ordenou a transferência para o Reichsbank dos bens de judeus assassinados nos
campos de extermínio, incluindo o ouro de seus dentes. Em Nurembergue, ele testemunhou
no tribunal: "Ninguém morreu como resultado de medidas que ordenei. Sempre
respeitei a propriedade alheia. Sempre me esforcei para ajudar as pessoas
necessitadas. E para lhes proporcionar, na medida do possível, felicidade e
alegria."
O braço direito de Hitler, Hermann Göring ,
parcialmente responsável pela construção dos primeiros campos de concentração,
também se declarou "inocente" com convicção.
"Já disse que não tinha
a menor ideia da dimensão do que estava acontecendo", respondeu quando
questionado se havia uma política voltada para o extermínio dos judeus. Ele
afirmou estar ciente apenas de que a emigração dos judeus estava sendo
planejada, não o seu extermínio.
DOZE SENTENÇAS DE MORTE, SETE
SENTENÇAS DE PRISÃO
Muitos dos principais
nazistas não demonstraram remorso e consistentemente atribuíram a culpa
exclusivamente a Hitler, que já não podia ser condenado, pois havia cometido
suicídio nos últimos dias da guerra.
Mas toda negação foi inútil.
As evidências eram esmagadoras: filmes dos campos de concentração, depoimentos
de sobreviventes, cartas e ordens dos perpetradores. Pela primeira vez, o mundo
viu as atrocidades cometidas nos campos de Auschwitz-Birkenau , Buchenwald e
Bergen-Belsen.
Em 1º de outubro de 1946, os
primeiros Julgamentos de Nurembergue foram concluídos. O tribunal proferiu doze
sentenças de morte, sete sentenças de prisão e três absolvições aos réus
nazistas do alto escalão.
"JUSTIÇA DOS
VENCEDORES"
"Quando os réus foram condenados,
a maioria dos alemães pensou: 'Agora finalmente pegamos os verdadeiros culpados
e pronto'", diz Bernhard Gotto, do Instituto de História Contemporânea de
Munique-Berlim.
Sua colega Stefanie Palm
acrescenta: "Os Julgamentos de Nurembergue estabeleceram uma certa
narrativa entre a população alemã: [...] todos os outros apenas cumpriram
ordens, foram meros seguidores, não tinham culpa! [...] Adotou-se uma espécie
de perspectiva de vítima: 'Somos as vítimas desse pequeno grupo em torno de
Hitler'".
Sob esse ponto de vista, a
maioria dos alemães se opôs aos doze julgamentos subsequentes contra advogados,
médicos e industriais que atuaram no regime. O tribunal foi considerado
"justiça dos vencedores" [expressão pejorativa usada para se referir
à aplicação da justiça pela parte vitoriosa de um conflito], porque levanta
imediatamente a questão de até onde se estende a responsabilidade pelos crimes
nazistas", diz Gotto.
"E então, de repente,
não são mais apenas Göring e Keitel, a Wehrmacht [as Forças Armadas Alemãs),
Himmler e, claro, Hitler que são acusados de seduzir os alemães, mas o fardo
dessa culpa é distribuído por mais pessoas, e a maioria dos alemães não queria
aceitar isso."
PRECURSORES DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL
Hoje, os Julgamentos de
Nurembergue são considerados um marco no direito internacional. Em 1945,
esperava-se que os padrões legais aplicados em Nurembergue fossem replicados
igualmente a todos a partir de então. Nenhum criminoso de guerra deveria ter a
possibilidade de invocar unilateralmente o poder de seu cargo ou as leis de seu
próprio país.
O jurista Philipp Graebke
afirma que, a partir dos Julgamentos de Nurembergue, "podemos traçar uma
linha direta, através da tradição dos tribunais da ONU para crimes de guerra na
década de 1990, até a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI)".
No entanto, "isso certamente
não levou à aplicação impecável do direito penal internacional desde 1946, nem
à aplicação impecável que vemos hoje", esclarece ele.
O TPI foi estabelecido em
Haia, na Holanda, apenas em 1998 e iniciou suas atividades em 2002. Mas nem
todos os Estados o reconhecem. As principais grandes potências estão ausentes
dos 125 Estados-membros: Estados Unidos, Rússia, China e Índia. Israel também
não é membro.
TPI: APENAS UM TIGRE DE
PAPEL?
Mas mesmo Estados que
reconhecem o TPI já desafiaram mandados de prisão. Até recentemente, a regra
para líderes acusados era simples: se você não quer ir para a prisão, basta
não sair do seu país.
Agora, nem isso é mais
necessário. Por exemplo, o presidente da Rússia, Vladimir Putin , contra quem
existe um mandado de prisão pelo sequestro de crianças ucranianas, viajou para
a Mongólia, signatária do TPI, em setembro de 2024 e foi recebido com todas as
honras. A Mongólia é altamente dependente economicamente de seu poderoso
vizinho.
Portanto, o fato de um criminoso de guerra ser levado a julgamento depende do empenho dos Estados-membros. E o próprio Tribunal de Haia não têm os recursos nem a autoridade para levar os suspeitos a julgamento. Fonte: DW - quarta-feira, 19 de novembro de 2025




