A pandemia de covid-19 trouxe
o anseio por uma vacina contra o novo vírus. Hoje considerado praxe, método de
imunização surgiu a partir de procedimento do século 18 para combater a varíola
que podia até levar à morte.
Desde o início da pandemia de
covid-19, esperamos por uma vacina que nos devolva nossas vidas normais.
Infelizmente, contudo, o processo de produção moderna de vacinas leva tempo e
está longe de ser fácil.
Depois que as moléculas
certas são descobertas, a vacina precisa passar por uma série de ensaios
clínicos e pré-clínicos nos quais é testada em animais e em humanos. Em
seguida, uma empresa deve solicitar a aprovação do órgão de saúde pública
competente do país ou região de produção. Quando aprovada, uma vacina deve ser
produzida e distribuída em massa, possivelmente no mundo todo.
Em séculos passados, porém,
produzir uma vacina não era uma tarefa tão complicada.
NO QUE CONSISTE A VACINAÇÃO?
O conceito de vacinação é
bastante simples e se baseia na resposta do nosso sistema imunológico: sempre
que ele encontra um corpo estranho causador de uma doença na forma de um vírus
ou bactéria, produz anticorpos contra uma parte ou mais partes dele. Após um
segundo encontro, os anticorpos capturam o patógeno e impedem que ele provoque
doenças.
Como algumas patologias são
fatais ou causam sintomas graves, é melhor evitá-las de uma vez por todas, se
possível, por meio da vacinação. Uma vacina contém vírus ou bactérias inativos
ou fracos que o corpo pode usar como modelo para produzir anticorpos sem
adoecer. Embora algumas vacinas provoquem sintomas como febre leve ou fadiga,
elas geralmente não são tão ruins quanto os causados pelas doenças de verdade.
DE QUEM FOI A IDEIA DA
VACINAÇÃO?
Em 1796, o médico e cientista
inglês Edward Jenner testou o primeiro procedimento de vacinação, contra a
varíola, usando material de uma lesão causada pela varíola bovina, uma
enfermidade causada por um vírus semelhante. Hoje, Jenner é amplamente
conhecido como o "pai da imunologia".
Curiosamente, no entanto,
Jenner não descobriu a vacinação, e sim apenas popularizou um conceito comum
chamado de "variolação". Na época, variolação significava usar as
crostas secas de um paciente com varíola para dar imunidade a outra pessoa. Em
uma pessoa variolada, a doença se manifestava de maneira mais suave.
Muitos de nós tivemos
catapora, também chamada de varicela, mas essa doença é muito diferente da
varíola apesar do nome semelhante: embora ambos os vírus ataquem as células da
pele e formem uma erupção cutânea, a varíola é mais drástica, e os
sobreviventes ficam com cicatrizes severas, fazendo desta enfermidade uma das
mais mortais de que se tem conhecimento. Trinta em cada 100 pessoas infectadas
pela varíola costumavam morrer da doença.
VARIOLAÇÃO
Como mencionado acima, a
variolação usava crostas secas da varíola que abrigavam o vírus. Diversos
métodos surgiram na sequência.
Alguns médicos esfregavam as
crostas secas na pele da pessoa que deveria ser imunizada. Já os chineses moíam
as crostas secas até reduzi-las a pó, para então expô-las a vapor quente,
danificando assim as partículas virais e reduzindo a quantidade de infecção com
potencial de ser transmitida. O pó era então assoprado no nariz da pessoa a ser
imunizada.
Na Europa, o método mais
popular de variolação era a inoculação: a amostra de varíola obtida de um
paciente ou vítima era injetada em um indivíduo por via subcutânea com a ajuda
de uma agulha. Hoje em dia, soa um tanto bárbaro inserir em alguém uma agulha
que contenha um vírus perigoso, principalmente levando-se em conta não haver
garantia de sobrevivência no procedimento. Mas a varíola era um assunto tão
sério que, para muitos, o risco parecia valer a pena.
ONDE COMEÇOU A VARIOLAÇÃO?
A variolação remonta a China,
Índia e Península Arábica, embora a origem não seja muito clara. A prática
chegou a Constantinopla, hoje Istambul, trazida por pessoas vindas do norte da
África ou pelos árabes.
ENTUSIASTA DE ALTO ESCALÃO
Em 1718, Lady Montague,
esposa do então embaixador britânico, decidiu variolar o filho em
Constantinopla após tomar conhecimento da prática. Ela mesma já havia sido
infectada com varíola, tendo ficado com cicatrizes severas que deformaram seu
rosto.
Quando voltou para casa,
comunicou a ideia a seus amigos e membros da família real, que decidiram se
submeter ao procedimento. Foi uma atitude muito inteligente, pois uma epidemia
de varíola se alastrava pela Europa na época.
Em 1721, um cirurgião
escocês, Charles Maitland, realizou um teste de variolação em seis prisioneiros.
Todos sobreviveram e, quando expostos à varíola, mostraram-se protegidos ou
"imunes", para usar um termo da medicina moderna.
Maitland também variolou duas
princesas do País de Gales, o que colocou a prática em moda na Europa. Na
América colonial, a variolação foi introduzida por escravos africanos, com
testes realizados em Boston pelo reverendo Cotton Mather.
A variolação não é isenta de
riscos. Na verdade, indivíduos variolados podem espalhar o vírus e até morrer.
No entanto, a taxa de mortalidade era significativamente menor (1 em 100)
quando uma pessoa adquiria o vírus por variolação, em contraste com quando se
infectava naturalmente (30 em 100). No século 18, esse era provavelmente
considerado um risco aceitável. Os indivíduos variolados também apresentavam
uma forma mais leve de varíola do que aqueles infectados por acaso, pois as
crostas secas usadas no procedimento apresentavam uma forma mais fraca do
vírus.
OS AVANÇOS DE JENNER
O fato de que aqueles que
ordenhavam vacas não se infectarem com varíola era conhecimento no século 18. A
explicação estava na infecção anterior com a varíola bovina, que pertence à
mesma família do vírus da varíola comum e compartilha semelhanças estruturais
com ele. Assim, ao produzir anticorpos contra a versão bovina, o corpo humano
também se protege contra a varíola.
Jenner descobriu que uma
ordenhadora de leite, Sarah Nelmes, tinha varíola bovina. Com vírus extraídos
de pústulas nas mãos da mulher, ele inoculou então James Phibbs, um garoto de 8
anos de idade. Meses depois, Jenner expôs o garoto à varíola, e o menino não
foi infectado. Seu experimento foi repetido em outras pessoas com sucesso.
Em 1801, Jenner publicou A
origem da inoculação de vacinas e ficou conhecido como o descobridor da vacina
moderna. O termo vacina é derivado da palavra "vacca", que significa
vaca em latim, já que Jenner usou a varíola bovina para provar sua observação.
VACINAÇÃO, UMA HISTÓRIA DE
SUCESSO
A vacinação para combater a
varíola começou em 1796. Ao contrário da variolação, que usava o vírus da
varíola, a vacinação seguiu o exemplo de Jenner de usar o vírus da varíola
bovina, menos perigoso, para criar imunidade contra a varíola.
No início, os médicos usavam
uma agulha portadora do patógeno bovino e o inoculavam arranhando a pele da
pessoa. Mais tarde, a seringa foi inventada, facilitando a administração da
vacina.
Em 1959, a Organização
Mundial da Saúde iniciou uma campanha global de erradicação da varíola. Depois
que muitos desafios foram superados, a entidade anunciou em 1980 que a doença
havia sido erradicada.
O vírus da varíola percorreu
a Terra por 10 mil anos e matou bilhões de pessoas, com um número de mortes
estimado entre 300 milhões e 500 milhões só no século 20. A vacina não apenas
impediu muitas mortes, mas também salvou milhões de terem que suportar
cicatrizes ou deformidades pelo resto de suas vidas. Fonte: Deutsche Welle- DW-20.07.2020
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