SEUL
— São duas cenas emblemáticas: o showroom da Sony em Tóquio não tem filas ou
consumidores desesperados para colocar as mãos em algum aparelho recém-chegado.
O da Samsung, no centro de Seul, é um barulhento entra e sai de grupos de todas
as idades. Tem um clima de parque de diversões, com brinquedos novos sendo
inaugurados. Enquanto a japonesa Sony luta contra prejuízos e a falta de
lançamentos bombásticos, a sul-coreana Samsung Electronics brilha. É a grande
rival dos smartphones e tablets da Apple, tirou da Nokia o título de maior
fabricante de celulares do planeta e atropelou não só a Sony como dois outros
gigantes japoneses, Panasonic e Sharp, no mercado de TVs. A empresa é a síntese
de um país que fez apostas certas no futuro e assumiu o papel de potência
industrial e tecnológica.
Os
recordes da Samsung — US$ 5,2 bilhões de lucro e 20 mil smartphones Galaxy
vendidos por hora no primeiro trimestre — escancaram o novo capítulo de um
milagre econômico, que tem o investimento em tecnologia como protagonista. A
imagem de uma nação que fabricava produtos baratos e ruins foi substituída por
outra, moderna e influente. O primeiro ciclo do crescimento sul-coreano foi
impulsionado por uma economia centralizada, amparada por exportações e uma mão
de obra disciplinada e mal remunerada. Foi a era de ouro dos tigres asiáticos,
soterrada pela crise monetária de 1997.
Desde
então, os sul-coreanos mergulharam num processo de reinvenção. Estão se movendo
com o pé no acelerador e as mãos nos gadgets nacionais. Embora seu Produto
Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) seja
modesto perto do dos vizinhos japoneses e chineses (US$ 1,1 trilhão, o 15 do
mundo), o país é tido por especialistas como modelo por quem busca saltos em
competitividade, oportunidades de negócios e melhores índices sociais. Como o
Brasil.
86%
dos jovens nas faculdades
Para
alcançar o mesmo salto de qualidade, o caminho que o Brasil precisa trilhar é
longo. Diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV),
o economista Carlos Langoni destaca duas diferenças estruturais profundas na
formação das economias do Brasil e da Coreia do Sul a partir da metade do
século passado.
—
Da Segunda Guerra Mundial até os anos 1990, o Brasil montou um parque
industrial com baixa capacidade. Nos dois modelos, o Estado foi o motor da
economia, mas o Brasil não foi exposto ao ambiente de competitividade no
exterior. No caso da Coreia, a industrialização veio junto com forte estímulo
às exportações, enquanto no Brasil houve um foco na substituição de importações
voltada somente para atender ao nosso enorme mercado interno — diz Langoni.
Outra
vantagem sul-coreana em
relação ao Brasil, reflete Langoni, é a valorização da
qualificação da mão de obra por meio da educação.
—
O Brasil só começou a descobrir que a rentabilidade do capital humano é maior
do que a do capital físico na década de 1990. Na Coreia, desde o início, houve
um processo de industrialização com acumulação de capital humano — analisa.
A
Samsung, maior empresa de tecnologia do mundo em faturamento, é a marca mais
conhecida dessa virada, mas nomes como Hyundai e LG também comprovam o poder
crescente do selo made in Korea. São grifes globais que explicam por que a
Coreia do Sul do século XXI está sendo comparada ao Japão dos anos 80 e início
dos 90.
—
Somos um país de apenas 50 milhões de pessoas. Temos que pensar para além de
nossas fronteiras, ao contrário dos japoneses, que podem focar em seu mercado
doméstico. Tudo o que fizemos foi pensando na competitividade internacional —
explica Kenneth Hong, diretor de comunicações da LG, segunda maior fabricante
de TVs do mundo.
Entre
1970 e 2011, a
renda per capita dos sul-coreanos subiu de US$ 254 para US$ 22 mil. A evolução
se reflete nas ruas de Seul. A metrópole é globalizada, segura e hi-tech, com
transportes públicos impecáveis. Após a guerra que dividiu a península entre
comunismo e capitalismo, o Sul viu seu PIB triplicar em quatro décadas, com
políticas econômicas ditadas pelo regime militar. A prioridade para a educação
— uma obsessão entre os sul-coreanos — reduziu os índices de analfabetismo a
menos de 1%, ajudando a deixar a pobreza no passado e a formar trabalhadores
altamente qualificados (86% dos jovens cursam o ensino superior).
O
ponto de ruptura veio com a crise financeira no fim dos anos 90, que sacudiu a
Ásia e abriu uma nova página na história dos conglomerados sul-coreanos, os
chaebol, cujos poderes iam além dos negócios. O Fundo Monetário Internacional
(FMI) ajudou na recuperação do país, que já completara a transição para a
democracia, e as empresas passaram por reestruturações profundas. Leis que
impediam demissões caíram; fábricas foram fechadas; escritórios, enxugados, e
companhias, vendidas.
A
decisão do governo de investir de forma ousada em novas tecnologias, criando
uma geração conectada, foi fundamental para que uma nova Coreia do Sul surgisse.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica da Samsung (Seri, na
sigla em inglês), o país aplica hoje 3,74% do PIB na área de pesquisa e
desenvolvimento — índice que só perde para os de Israel e Finlândia no ranking
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, que reúne os
países mais industrializados).
Não
à toa, o PIB sul-coreano avançou 3,6% em 2011, o dobro da média da OCDE. Este
ano, a projeção é crescer 3,3%.
—
As reestruturações deixaram as companhias menos vulneráveis a crises globais.
Além disso, passaram a tomar decisões de forma mais rápida, fator essencial em
meio à revolução tecnológica. E investimos nas áreas certas. A Samsung deixou
de ser analógica para apostar no universo digital — resume o analista Hansoo
Kang, do Seri.
Câmbio
também é trunfo de exportações
A
moeda desvalorizada também está entre os trunfos das exportações sul-coreanas.
Segundo dados do FMI, mil wons coreanos equivalem a US$ 0,85 ou 0,69 — ou,
ainda, a R$ 1,70.
Sem
uma mudança de mentalidade industrial, no entanto, marcas que hoje estão em
ascensão teriam continuado apagadas, defendem os executivos. A Hyundai já foi
motivo de piada entre as montadoras. Seus rivais tiveram que engolir o riso
quando o sedã de luxo Genesis, projetado para competir com os dos tradicionais
modelos alemães como Audi A6, BMW Série 5 e Mercedes-Benz Classe E, ganhou o
prêmio de carro do ano nos EUA em 2009. Em 2011, o sedã médio Elantra repetiu o
feito, desbancado concorrentes como os japoneses Toyota Corolla e Honda Civic.
—
Investimos em qualidade e vemos os resultados agora. Criamos carros eficientes,
com design caprichado, e apostamos na diversificação do mercado mundial, para
não depender de uma região específica — explicou William Lee, vice-presidente
da Hyundai, que constrói a primeira fábrica brasileira, em Piracicaba (SP),
com investimento previsto de US$ 600 milhões (R$ 1,2 bilhão).
Acusada
pela Apple de copiar suas patentes, a Samsung trava uma batalha ferrenha com a
concorrente. Um encontro entre os executivos-chefes das duas empresas, Tim Cook
e Choi Gee-Sung, foi arranjado pela corte federal de São Francisco, mas, após
dois dias de conversas, não houve acordo. O início do julgamento do caso está
previsto para julho. Nada que pareça abalar os arranha-céus de Seul, que está
contratando engenheiros na Índia. Os talentos nacionais já não são suficientes
para a ofensiva global. Fonte: O
Globo - 09/06/12