Apesar de não ser mais letal para crianças, a nova variante ômicron se espalha com rapidez muito maior. Casos de covid-19 entre a população infantil brasileira estão em alta há pelo menos três meses.
A taxa de transmissão da
covid-19 (Rt) no Brasil bateu recorde em 25 de janeiro de 2022, chegando a 1,78
(100 infectados podem transmitir para 178 indivíduos), segundo monitoramento do
Imperial College de Londres. Uma semana antes, a taxa era de 1,35. A
responsável é a variante ômicron, muito mais transmissível que as anteriores.
UM LEITO PARA CADA 430
CRIANÇAS: O país tem 82.699 leitos para internação pediátrica, segundo o
Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES), mantido pelo Ministério
da Saúde. Em contrapartida, a população infantil brasileira (zero a 12 anos) é
de 35,5 milhões, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia Espacial
(IBGE). Ou seja, o país oferta um leito para cada 430 crianças.
"Existem muito poucos
leitos de UTI pediátrica no Brasil como um todo", diz o pediatra infectologista
do Departamento Científico de Imunizações da SBP, Eduardo Jorge Lima.
Do total de leitos
pediátricos, 36.370 unidades – o equivalente a 43% – estão no Sistema Único de
Saúde (SUS), e somente uma pequena parte em cada estado se destina à internação
pela covid-19.
O problema não é recente nem
exclusivo de uma região, contudo. E como a oferta de internação pediátrica no
Brasil trabalha no limite, tanto na rede pública quanto privada, qualquer
aumento na demanda pode levar à lotação dessas unidades.
Segundo o pediatra, o problema
não é recente, e a Sociedade Brasileira de Pediatria alerta há anos que o SUS
vem perdendo leitos pediátricos: desde 2010, foram fechadas mais de 12,4 mil
vagas em UTIs pediátricas de todo o país.
"O cenário de vagas em
unidades de terapias intensivas pediátricas no Brasil em geral é insuficiente
desde sempre. Essas UTIs vivem cheias em qualquer período e contexto",
observa o pediatra infectologista Marco Aurélio Sáfadi, diretor do Departamento
de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Mesmo que não haja evidências
científicas de que a ômicron seja mais letal do que outras variantes, apenas em
2022, até 27 de janeiro, 29 crianças de zero a 11 anos morreram por causa da
covid-19, segundo dados do Ministério da Saúde solicitados..
SOBRECARGA INDIRETA PELA
ÔMICRON: Marco Aurélio Sáfadi diz ser a primeira vez na pandemia em que, no
momento da internação de crianças por outras doenças que não a covid-19,
descobre-se que elas estão com o vírus Sars-Cov-2.
"Em função de a variante
ômicron ser muito transmissível, temos pacientes infantis que internam por
outros problemas de saúde que não a covid, mas estão infectados com o vírus. Ou
seja, a internação não é pela covid, mas com covid", explica o pediatra
infectologista da Santa Casa de São Paulo.
Com isso, apesar de serem
internados por causa de outras doenças, os pacientes infantis infectados
precisam ficar isolados e acabam ocupando leitos e enfermarias destinados à
covid‑19.
"É um fenômeno que não
víamos com as outras variantes. Antes, com a delta, a principal causa da
internação infantil era a complicação da covid. Agora, o grande problema é a
quantidade de crianças nas enfermarias que – por também estarem com
coronavírus, mas terem procurado o hospital por outros motivos – precisam ficar
isoladas. Isso gera uma restrição ainda maior na nossa disponibilidade de
vagas", completa Sáfadi.
"VACINAÇÃO INFANTIL O
QUANTO ANTES"; Desde o início da pandemia, 1.503 crianças de zero a 11
anos morreram por covid-19 no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde.
Mais de 78% destes óbitos (1.179) foram entre as crianças de zero a quatro
anos.
"Temos observado desde o
início da pandemia que as crianças com até dois anos são mais suscetíveis aos
casos graves da covid", diz Sáfadi, ressaltando que o primeiro ano de vida
é período de maior risco de eventos mortais para qualquer doença respiratória,
por causa da imaturidade imunológica.
Mesmo que a variante ômicron
não tenha se mostrado mais mortal que a delta, somente em janeiro de 2022 ela
já foi responsável pela morte de 14 crianças de cinco a 11 anos, faixa etária
que poderia estar sendo imunizada desde dezembro, quando a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacina da Pfizer para esse grupo.
Contudo, o cuidado deve ser
maior com crianças menores: "Crianças abaixo de um ano são mais frágeis às
doenças respiratórias. Além disso, não teremos tão cedo vacina aprovada para
esse grupo etário. O ideal seria oferecer uma segurança maior a elas e
deixá-las em casa, se possível", pondera Sáfadi.
"A criança não se
contamina sozinha, ela se contamina de um adulto. Então, estes devem redobrar os
cuidados com as crianças, principalmente as que ainda não têm vacina
aprovada", alerta Lima. "O fechamento das escolas foi tão danoso que
a SBP tem a convicção que a escola é um ambiente que deve ser preservado ao
máximo para ter aulas presenciais."
Em relação às transmissões de
coronavírus, Eduardo Jorge Lima afirma que a primeira quinzena de fevereiro
deverá ser acompanhada, para que sejam tomadas novas decisões sobre o futuro da
pandemia no país.
"A expectativa é que a
ômicron alcance o ápice das transmissões no Brasil nas próximas duas semanas, e
depois ou alcance um platô ou comece a cair, como vimos com as outras
variantes, como com a ômicron na África do Sul, no Canadá e na Austrália",
diz o infectologista da SBP.
Já o pediatra Sáfadi pondera
que ainda é cedo para predizer os rumos da pandemia de covid no Brasil: "É
difícil se prever quando haverá o pico de casos da ômicron, porque há muitas
peculiaridades no caso do Brasil. Somos um país continental, ou seja, o aumento
dos casos não aconteceu em todo o país ao mesmo tempo, cada região tem uma
realidade."
"É possível que ocorra
aqui a diminuição que estamos vendo no Reino Unido e na África do Sul, mas
precisamos lembrar que, pelo menos com as outras variantes, a curva
epidemiológica se manteve num platô por mais tempo no Brasil que em outros
países, até os casos começarem a baixar", compara o pediatra da Santa Casa
de São Paulo. Fonte: Deutsche Welle – 30.01.2022
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