O
atraso tecnológico da América Latina como decorrência de aspectos geográficos e
de fatores microeconômicos
Obs
Resumo do artigo de 22 páginas.
Introdução
A
importância do efeito da tecnologia no desempenho e na competitividade das
empresas é indiscutível: hoje novos produtos e processos dão às empresas a
possibilidade de compensar seus fatores escassos ou fraquezas. E esses novos
produtos e processos são obtidos por intermédio da tecnologia.
A
tecnologia diminuiu muito a importância dos antigos fatores de produção
considerados fundamentais. As vantagens clássicas, como salários baixos,
matérias-primas abundantes, capital barato ou os grandes mercados internos
foram completamente anulados pela
competição global que hoje prevalece entre as nações. O novo paradigma da
competição é baseado na capacidade dos países e de suas respectivas empresas de
inovarem. No entanto, como pretendemos mostrar, as empresas latino-americanas
investem muito pouco em Pesquisa & Desenvolvimento e raramente atuam
nos setores denominados de alta tecnologia. Governos têm responsabilidade nesse
fato, por não contribuírem para criar um ambiente empresarial apropriado para o
surgimento de inovações. Mas talvez a principal causa para essa inapetência
tecnológica esteja na própria geografia da região. O presente artigo pretende
examinar justamente essa relação entre o espaço latino-americano e a ocorrência
de inovações tecnológicas.
A
IMPORTÂNCIA DAS CONDIÇÕES GEOGRÁFICAS NO SURGIMENTO DE INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
O
que torna alguns lugares do mundo mais propensos à inovação do que outros?
David Landes (1998) pergunta por que a Revolução Industrial aconteceu na Europa
e mais especificamente na Grã-Bretanha, e não em outros países. O
próprio Landes responde com razões de ordem cultural, histórica e geográfica,
mas enfatiza que na Grã-Bretanha de meados do século XIX havia uma crescente
autonomia da investigação intelectual combinada com um enorme interesse acerca
do que na época se chamava “a invenção da invenção”, e que Landes denomina de
rotinização da invenção. Esse aspecto acabou sendo o motor que desencadeou o
surgimento de inúmeras descobertas científicas e inovações tecnológicas por
parte da Grã-Bretanha e que resultou no domínio britânico sobre a economia
mundial no final do século XIX.
Também
datam do início do século XX as análises do economista russo Kondratiev. Como
se sabe, Kondratiev (1925) foi o responsável pelo conceito de que o crescimento
econômico ocorre em ondas, e cada uma delas tem uma duração aproximada entre 50
e 60 anos. Cada uma dessas ondas está associada a alguma importante mudança
tecnológica. Já aconteceram quatro ondas e estamos agora na metade da quinta.
Kondratiev dizia que a mudança tecnológica que
caracteriza cada onda tem um impacto enorme sobre toda a economia e a sociedade
no período da sua vigência. Cada onda, segundo ele, teria quatro subfases:
1.
prosperidade com crescimento;
2.
recessão;
3.
depressão; e
4.
decadência com substituição por uma nova onda.
Assim
sendo, inicialmente a nova onda provoca um grande crescimento econômico e
enormes mudanças na sociedade, incluindo quebra de paradigmas e mudanças
culturais. No entanto, ao final do período, a demanda começa cair, além de
haver uma saturação devido ao grande número de empresas competindo entre si.
Nesse momento, os investimentos também diminuem, as empresas se concentram em
racionalização e o desemprego aumenta. É quando começa a surgir a próxima onda
com base no surgimento de alguma nova tecnologia revolucionária.
O
PANORAMA TECNOLÓGICO DA AMÉRICA LATINA
Até
o início do século XVI, alguns dos povos que habitavam a América Latina,
principalmente os astecas, maias e incas, detinham conhecimentos científicos e
tecnológicos muitas vezes superiores aos que, à mesma época, existiam na Europa
ou na China. Em algumas áreas como astronomia, botânica, farmacologia e
metalurgia, os espanhóis assimilaram os conhecimentos adquiridos na região e os
disseminaram pela Europa.
Hoje,
no entanto, a América Latina deixou de ser um importante provedor de conhecimentos científicos e tecnológicos, pois
apesar de representar cerca de 9% da população mundial, a região toda
corresponde a apenas 1,6% do total investido
globalmente em Ciência & Tecnologia (C&T).
Erber
(2000) aponta três razões estruturais para comprovar a dificuldade e a pouca
atenção com a questão tecnológica no continente latino-americano:
1. A desproporção entre o peso econômico da região e os
esforços feitos em C&T,
sejam eles expressos pelos gastos com pesquisa e desenvolvimento ou pelo número
de publicações científicas e patentes depositadas nos EUA;
2.
O claramente melhor desempenho em atividades científicas do que em atividades
tecnológicas; e
3.
O predomínio de tecnologias importadas, provocando uma limitada articulação
entre atividades científicas e tecnológicas na região.
Peter
Dicken (1998) enfatiza que uma característica importante no desenvolvimento de
países do Terceiro Mundo, sejam eles asiáticos ou latinoamericanos, é a forte
presença do Estado. No entanto, o autor assinala o fato de que na América
Latina os governos não foram tão bem-sucedidos como na Ásia.
Segundo
ele, a razão principal para o insucesso dos vários governos desses países foi a
falta de preocupação com o aumento da capacitação interna com vistas a aumentos
de exportações. Enquanto, na Ásia, a preocupação maior era o crescimento das
exportações de produtos industrializados, na América Latina a ênfase era na
substituição de importações.
Dicken
chama a atenção para o fato de que a antiga divisão de trabalho, quando as
nações desenvolvidas produziam bens manufaturados e as nações em
desenvolvimento vendiam suas commodities, sejam estas minerais ou produtos
agrícolas, não é mais válida. Hoje o fluxo de mercadorias pelo mundo é
extremamente complexo e se tornou possível graças à fragmentação das cadeias
produtivas.
Chris
Freeman e Luc Soete (1997), ao compararem o desenvolvimento econômico de
algumas nações da Ásia, especialmente Coréia do Sul e Taiwan, com o progresso
da América Latina na década de 1980 chamam a atenção para a importância das
diferenças que existem em alguns poucos aspectos. Fatos, segundo os autores,
que foram decisivos para explicar o enorme crescimento dos tigres asiáticos e a
estagnação das nações latino-americanas naquele período.
Para
eles, as cinco deficiências abaixo citadas estão entre os principais problemas
do continente quando comparado com os tigres asiáticos:
1.
Sistema educacional deteriorado com baixa formação de engenheiros;
2.
Muita transferência de tecnologia, especialmente dos Estados Unidos, mas baixa
capacidade de absorção devido ao pequeno investimento das empresas locais em Pesquisa &
Desenvolvimento;
3.
Fraca infra-estrutura de Ciência & Tecnologia;
4.
Atraso no desenvolvimento das telecomunicações; e
5.
Nenhuma ênfase ao setor de produtos eletrônicos.
Para
que um dado setor econômico de um determinado país tenha propensão a inovar,
existem dez fatores cruciais.
1.
Recursos Humanos de alta qualidade;
2.
Sólida Infraestrutura de pesquisa em Universidades;
3.
Infraestrutura de informação de alta qualidade;
4.
Ampla oferta de capital de risco;
5.
Presença de clusters em vez de empresas isoladas;
6.
Rede de fornecedores de alta competência/excelência;
7.
Consumidores exigentes e demandantes de qualidade e sofisticação
8.
Consumidores que criam a demanda de forma pioneira e inédita antes que outros
consumidores em outros países o façam;
9.
Intensa rivalidade entre as empresas locais do setor em questão;
10.
Contexto local que encoraje o investimento em pesquisa.
Ao
percorrer esse conjunto de dez fatores, é fácil perceber que, em sua grande
maioria, eles realmente inexistem ou são muito fracos em toda a América
Latina. Talvez a única exceção seja o item 6 – rede de
fornecedores de alta competência/excelência. Isso pelo desenvolvido parque industrial
do Brasil secundado pelo México.
Cumpre
destacar que Porter e Stern mencionam a América Latina e destacam como grandes
vulnerabilidades da região, no que diz respeito ao surgimento de inovações, a
pouca ligação entre as empresas e as universidades. De acordo com os autores,
“o sistema de ensino superior na América Latina tem pouca ligação com as
empresas e muito pouco envolvimento com as políticas nacionais voltadas para
ciência e tecnologia”. Isso é confirmado por outros autores que se dedicaram a
analisar a questão científica e tecnológica do continente. Sagasti (1981)
aponta como um dos problemas crônicos da América Latina o enorme distanciamento
entre a produção de ciência e a geração de tecnologia, o que, segundo ele, é
uma conseqüência da inexistência de
relação entre a universidade e a empresa.
Parte
do problema é cultural. O México herdou a tradição européia do cientista como
acadêmico e não o modelo norte-americano do cientista inventor e empresário.
Para um pesquisador universitário ter ligação com a indústria é considerado
prostituição pelos colegas. Do lado da indústria, não há forte tradição de
investimento em P&D.
Até o início dos anos 80, o México tinha uma política
industrial de propriedade estatal e protecionismo que resultava em pouco
incentivo ao investimento em inovação. Agora as empresas querem modernizar sua
tecnologia, mas voltam-se mais para as empresas estrangeiras atrás de ajuda, e
não se mostram dispostas a esperar o tempo necessário para que a ciência e a
tecnologia nacionais encontrem respostas para suas necessidades.
Em
suma, há várias razões para que o envolvimento das empresas e dos países da
América Latina com desenvolvimento tecnológico seja pequeno. Mas, para
finalizar essa relação, não se pode deixar de mencionar os aspectos culturais e
a análise amarga de Montaner:
A real tragédia da América Latina é que
o capital é limitado e boa parte dele está em mãos de empresários não
comprometidos com o risco ou com a inovação mas sim com a especulação... Não
são capitalistas modernos, mas atuam como senhores da terra de tradição feudal.
Considerações
finais
A
América Latina é muito rica em recursos naturais e de uma forma geral sua
mão-de-obra é barata. Esses foram os principais ingredientes que fomentaram as
grandes empresas originárias da região, com raríssimas exceções. Por conta
desses fatores, nosso continente ostenta algumas empresas poderosas, mas quase
sempre atuantes em setores que foram importantes no século XIX, mas que
deixaram de ser relevantes neste século XXI. Ser ator global em setores como
bebidas, cimento, mineração, agricultura, pesca ou aço não é de todo mau, mas
não é suficiente. Como vimos, os países mais avançados apresentam empresas nos
setores que hoje dominam a economia mundial como telefonia, software, hardware,
equipamentos médicos ou a indústria farmacêutica. Em outras palavras, podemos
dizer que mesmo as grandes empresas latino-americanas de uma forma geral estão
fora dos setores de alta tecnologia, com raríssimas exceções como a brasileira
Embraer. Empresas do nosso continente quando conseguem porte e projeção para
atuar no mercado mundial estão em setores de baixa tecnologia na maioria dos
casos produzindo commodities: Petrobras e Cemex são ótimos exemplos.
Os
governos dos países mais avançados já perceberam, há tempos, que a
competitividade das nações é resultado da competitividade de suas empresas e
que, portanto, o que lhes compete é criar as condições para que suas empresas
locais possam concorrer internacionalmente. Por isso dão toda atenção ao suporte
necessário de Ciência & Tecnologia. Mas também já sabem que nenhuma nação
pode ser auto-suficiente em todas as tecnologias. Assim, os Estados Unidos se
aperfeiçoaram e criam tecnologia em áreas como farmacêutica, informática e
telecomunicações, a Alemanha em mecânica, o Japão em robótica, a Inglaterra em
biotecnologia e genética.
No
entanto, podemos ter esperanças. Como falamos anteriormente, ao citar os ciclos
de Kondratiev, nos últimos 250 anos sempre houve um fator tecnológico que, em
média a cada 60 anos, definia o que de importante mudava na economia e na
sociedade. Já tivemos quatro ciclos completos e estamos neste momento na quinta
onda, a onda da Tecnologia da Informação. Acontece que essa onda está
atravessando o seu auge, o que significa que nos próximos anos ela começa a
perder importância e uma nova onda estará predominando e definindo a nova
dinâmica da economia mundial talvez em 20 anos apenas.
Essa
sexta onda será a da Biotecnologia e das Ciências da Vida. A América Latina tem
amplas condições para se dar bem nessa sexta onda, não só por já estar
desenvolvendo pesquisas de qualidade na área mas, principalmente, devido à
riqueza que apresenta com sua biodiversidade, mormente na região amazônica, que
avança nos territórios de pelo menos cinco países da América do Sul, inclusive
o Brasil.
Em
cada uma das ondas anteriores, países e regiões souberam se beneficiar e
aproveitaram-se da respectiva onda para conseguir seu desenvolvimento social
graças ao crescimento econômico alcançado. A América Latina não pode perder
essa janela de oportunidade.
Fonte: Paulo
Roberto Feldmann-Professor da Faculdade de Economia e Administração da
Universidade de São Paulo (FEA. USP), São Paulo, SP,