sábado, 18 de janeiro de 2020

China tem o menor crescimento econômico em quase 30 anos

Apesar de ritmo lento devido a disputas com os Estados Unidos e queda no consumo, economia do país asiático cresce 6% em 2019, pouco abaixo do registrado em 2018, e já mostra sinais de recuperação.

A economia chinesa cresceu no ano passado no ritmo mais lento das quase últimas três décadas, afetada pelas disputas comerciais com os Estados Unidos e pelo fraco desempenho no consumo doméstico. Dados divulgados nesta sexta-feira (17/01) mostram, porém, que a segunda maior economia do mundo encerrou um ano difícil mais forte.
A trégua nas tensões comerciais entre Pequim e Washington reavivou a confiança do mercado e as medidas adotadas pelo governo para impulsionar a economia parecem surtir efeito.

Como já era esperado, o crescimento de 6,1% registrado no ano passado ficou abaixo dos 6,6% de 2018, segundo dados do Departamento Nacional de Estatísticas da China. Apesar de robusta para os padrões globais, e ainda dentro das previsões do governo, esta foi a menor expansão registrada desde 1990 e marca três anos consecutivos de queda.
Apesar de a segunda maior economia do mundo perder fôlego gradualmente nos três primeiros trimestres de 2019, ela se manteve firme em 6% entre outubro e dezembro.

O ano de 2020 é considerado crucial para as ambições do governo chinês de atingir seu objetivo de dobrar o Produto Interno Bruto (PIB) do país e os rendimentos ao longo da próxima década, transformando a China em uma nação "moderadamente próspera".
Analistas avaliam que para que essas metas de longo prazo sejam atingidas, a China dever manter o crescimento anual em torno dos 6%, ainda que algumas autoridades tenham alertado que neste ano a economia poderá enfrentar desafios ainda maiores do que em 2019. Fonte: Deutsche Welle-17.01.2020
Comentário: Enquanto isso, o Brasil acelera em ponto morto.


Year
USA
GDP Growth Rate
Year  China
Real growth (%)
Ano
Brasil
Taxa PIB (%)
2018
2.9%
2018
6.6
2018
1,12%
2017
2.4%
2017
6.8
2017
1,06%
2016
1.6%
2016
6.7
2016
-3,30%
2015
2.9%
2015
6.9
2015
-3,55%
2014
2.5%
2014
7.3
2014
0,50%
2013
1.8%
2013
7.8
2013
3,00%
2012
2.2%
2012
7.9
2012
1,92%
2011
1.6%
2011
9.5
2011
3,97%
2010
2.6%
2010
10.6
2010
7,53%
2009
-2.5%
2009
9.4
2009
-0,13%
2008
-0.1%
2008
9.7
2008
5,09%
2007
1.9%
2007
14.2
2007
6,07%
2006
2.9%
2006
12.7
2006
3,96%
2005
3.5%
2005
11.4
2005
3,20%
2004
3.8%
2004
10.1
2004
5,76%
2003
2.9%
2003
10.0
2003
1,14%
2002
1.7%
2002
9.1
2002
3,05%
2001
1.0%
2001
8.3
2001
1,39%
2000
4.1%
2000
8.5
2000
4,11%
1999
4.8%
1999
7.7
1999
0,47%
1998
4.5%
1998
7.8
1998
0,34%
1997
4.4%
1997
9.2
1997
3,40%
1996
3.8%
1996
9.9
1996
2,21%
1995
2.7%
1995
11.0
1995
4,42%
1994
4.0%
1994
13.0
1994
5,33%
1993
2.8%
1993
13.9
1993
4,67%
1992
3.5%
1992
14.2
1992
-0,47%
1991
-0.1%
1991
9.3
1991
1,51%
1990
1.9%
1990
3.9
1990
-3,10%
1989
3.7%
1989
4.2
1989
3,28%
1988
4.2%
1988
11.2
1988
-0,10%
1987
3.5%
1987
11.7
1987
3,60%
1986
3.5%
1986
8.9
1986
7,99%
1985
4.2%
1985
13.4
1985
7,95%
1984
7.2%
1984
15.2
1984
5,27%
1983
4.6%
1983
10.8
1983
-3,41%
1982
-1.8%
1982
9.0
1982
0,58%
1981
2.5%
1981
5.1
1981
-4,39%
1980
-0.3%
1980
7.8
1980
9,11%

domingo, 12 de janeiro de 2020

Brasil precisa de mais reformas para crescer

Nos últimos três anos, muitos economistas erraram de forma vergonhosa em suas previsões econômicas para o Brasil. Em viradas do ano passadas, com frequência previram taxas de crescimento altas demais. Desta vez, os bancos de investimento optaram pela cautela. Segundo o consenso do setor, a economia do Brasil crescerá no máximo de 2 a 2,5% em 2020. Mas alguns economistas conhecidos avisam, cautelosos: o risco de um crescimento mais rápido do que previsto é maior do que o de uma retração.

No curto prazo, isso é verdade – no médio prazo, no entanto, o potencial de crescimento do Brasil permanece limitado. Há muitas indicações de que o Brasil crescerá duas vezes mais rápido em 2020 do que em 2019. Existem várias razões para isso: as últimas estatísticas econômicas mostram que o consumo e os investimentos aumentaram significativamente.
Por outro lado, os gastos do governo diminuíram, afetando, assim, a parcela com que o Estado contribui, como consumidor e investidor, para o crescimento do PIB.

TAXA DE JUROS BAIXA
Um dos motivos pelos quais os brasileiros consomem mais e as empresas (principalmente na indústria da construção civil) investem mais é a baixa taxa de juros, que agora é de 4,5%. Isso torna os empréstimos e investimentos mais baratos. Dificilmente algo mudará em 2020. A taxa de juros permanecerá baixa.

AGÊNCIAS DE CLASSIFICAÇÃO DE RISCO
A confiança no exterior no Brasil também melhorou significativamente da perspectiva dos investidores: os credit default swaps (CDS) caíram para o nível mais baixo em nove anos. Isso mostra que quase nenhum investidor teme que o Brasil deixe de honrar suas dívidas. As agências de classificação de risco melhoraram ligeiramente as perspectivas para o Brasil. Isso se deve principalmente à aprovação da reforma previdenciária do governo, que aliviará o orçamento estatal.

Além disso, os outros planos de reforma do governo também são vistos de maneira positiva pelo setor econômico: com quase uma dúzia de planos de reforma, o governo quer limitar os gastos no setor estatal e, ao mesmo tempo, criar espaço para investidores privados. Isso se aplica, por exemplo, à nova lei do saneamento, às privatizações no setor de energia e às planejadas licitações na área de infraestrutura.

O Brasil, por outro lado, dificilmente poderá esperar impulsos positivos do comércio mundial: a China, o comprador mais importante de produtos agrícolas brasileiros, está crescendo menos e terá que importar mais soja dos EUA no futuro. A Argentina, o comprador mais importante de produtos industriais no Brasil, atravessa uma profunda crise. Europa e EUA também importam menos do Brasil. No entanto, são boas as chances de o Brasil crescer em 2020 e também em 2021.

DÉCADA PERDIDA
Mas isso não significa que o Brasil alcançará agora um crescimento médio mais alto do que na década perdida que chegou ao fim. Se for adicionado o crescimento esperado para 2020 (2,25%), o Brasil terá crescido menos de 1% ao ano na primeira década do milênio. Isso é muito pouco para reduzir os altos níveis de pobreza e desemprego no país.

BAIXA TAXA DE POUPANÇA
E é exatamente nesse ponto que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe, estão focando seu trabalho: com suas reformas estruturais, eles querem aumentar a baixa taxa de poupança (12% do PIB) e a taxa de investimento (12% do PIB). Elas sempre foram menor do que na maioria das economias em desenvolvimento mundiais, mas desde 2014, as parcelas relativas a poupança e investimentos no PIB literalmente despencaram.

As reformas de Guedes miram na direção certa, mas são reformas difíceis, que muitas vezes só podem ser alcançadas com mudanças constitucionais, ou seja, com apoio com uma maioria de dois terços do Congresso. A reforma previdenciária, sobre a qual havia um amplo acordo, precisou de dez meses para ser aprovada pelo Congresso. Em 2020, o Legislativo só contará com real poder decisório até o meio do ano, no máximo. Porque em outubro são realizadas eleições municipais. Elas são importantes para o governo como eleições de meio de mandato. E os deputados vão querer evitar votações difíceis.

Conclusão: o Brasil crescerá mais rápido nos próximos 24 meses. No entanto, para crescer de forma sustentável nos próximos dez anos após a década perdida, para reduzir a pobreza e o desemprego, são necessárias mais reformas estruturais, especialmente na máquina estatal. E 2020 mostrará se governo e Congresso avançarão com a agenda de reformas. Fonte: Deutsche Welle- 02.01.2020 - Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt  

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Bolsa Família sem portas de saída

ADEUS AO TRABALHO - Lucinete Nobre mora em Junco do Maranhão, o município com a maior proporção de habitantes assistidos pelo Bolsa Família. Ela deixou de trabalhar na roça e sustenta a família com os 216 reais que recebe por mês: “Tomara que continue assim pelo resto da vida"

Na cidade maranhense de Junco do Maranhão, a maioria dos 3 790 habitantes passa o dia vendo televisão, cuidando dos afazeres domésticos ou batendo papo na porta de casa. São raros os que têm horário para cumprir no trabalho. Isso porque, em Junco, 90,5% da população vive com o dinheiro do Bolsa Família. É o município brasileiro com a maior proporção de cidadãos assistidos pelo programa federal. Lançado no primeiro mandato do presidente Lula, o Bolsa Família completa uma década no mês que vem. O objetivo anunciado era reduzir a pobreza e a desigualdade social com a transferência direta de dinheiro às famílias miseráveis. Dez anos depois, a pobreza de fato regrediu. Em 2003, o Brasil tinha 12% da população vivendo com menos de 2,8 reais por dia. Em 2011, o índice caiu para 4,2%. O Bolsa Família contribuiu para essa melhora, mas, obviamente, não foi o único responsável pelo bom resultado.

Impulsionado pelo consumo mundial de commodities como aço e ferro, o PIB do país experimentou um crescimento anual médio de 4,3% entre 2004 e 2011. O estímulo econômico fez ascender para a chamada nova classe média 35 milhões de brasileiros. O poder de compra do salário mínimo e o total de crianças matriculadas nas escolas aumentaram. Embora a pobreza venha diminuindo, a quantidade de dependentes do Bolsa Família cresce a cada recadastramento. Em uma década, o número saltou de 3,6 milhões de famílias para 13,8 milhões. Ao todo, são hoje subsidiados 50 milhões de brasileiros, um quarto da população do país. Nesse período, apenas 1,7 milhão de famílias deixaram de receber o auxílio. Os números superlativos fazem do Bolsa Família o maior programa de transferência de renda condicionada do mundo.

O Bolsa Família está presente em todos os 5 570 municípios brasileiros. Destes, 1 750 têm mais da metade da população vivendo parcial ou totalmente com o recurso federal. Ocorre que muitos beneficiários continuam sem perspectiva ou oportunidade de encontrar uma ocupação. É certo que, na vida em sociedade, a maioria produtiva deve auxiliar os incapazes, mas permitir que famílias inteiras sejam subsidiadas para sempre por um sistema que não estimula sua força de trabalho é favorecer a dependência. Fonte: Veja - 15 set 2013

Comentário:
Lembrando o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos; Vemos as filhas do Bolsa Família serem mães do Bolsa Família. Vamos assistir a elas serem avós do Bolsa Família?  O "ciclo da pobreza", explicou, só será ultrapassado pela qualificação dos serviços universais de educação e saúde.

 BOLSA FAMÍLIA SUSPEITOS DE FRAUDE EM 2018
O Tribunal de Contas da União (TCU) identificou indícios de irregularidade em benefícios pagos pelo governo que somaram R$ 2,25 bilhões em 2018. A maior parte das suspeitas foi encontrada em benefícios previdenciários acima do teto do INSS, acumulados indevidamente ou concedidos mediante uso irregular de documentos, num total de R$ 957,1 milhões. Outros R$ 649,5 milhões em repasses duvidosos são do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
Os dados serão encaminhados ao Poder Executivo e devem servir de base para o governo direcionar os trabalhos da força-tarefa que faz a revisão dos benefícios com indícios de irregularidade. O pente-fino foi instituído pela Medida Provisória (MP) 871, transformada em lei pelo Congresso Nacional.
A auditoria analisou 55,6 milhões de benefícios pagos em 2018, incluindo Previdência, assistência, Bolsa Família, seguro-desemprego e seguro-defeso (benefício de um salário mínimo pago a pescadores artesanais durante o período de proibição da atividade de pesca).
Na análise dos dados da Previdência, o TCU detectou no ano passado 34 mil casos de acumulação indevida de benefícios, além de 25,2 mil casos de uso irregular do CPF ou do Número de Inscrição do Trabalhador (NIT). Há ainda 1.457 pessoas que receberam valores acima do teto do INSS (na época, de R$ 5.645,80) indevidamente. Fonte: Estadão - 01/09/19 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Qual a relação entre salário, produtividade e desigualdade?

É comum que, em economia, as perguntas mais básicas se revelem as mais difíceis de responder.
A pergunta mais relevante da atualidade, recorrente entre os economistas, mas com destaque renovado depois da publicação de "O Capital no Século 21", de Thomas Piketty, é: qual a relação entre salários, produtividade e desigualdade? Como a evolução dessa tríade ao longo do tempo, para países diversos, pode elucidar as dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento?

Como documentou Piketty em sua extensa obra, a desigualdade de renda e riqueza no mundo aumentou muito nos últimos 30 anos. Nos EUA, vários estudos têm tentado destrinchar os motivos para a elevação brutal da desigualdade, sobretudo a proveniente das disparidades observadas na renda do trabalho.
A estagnação salarial que sobreveio da crise de 2008, a ausência de ganhos reais significativos ao longo dos últimos sete anos, contribuiu para acentuar a crescente divergência entre os mais ricos e os mais pobres, tornando-a mais evidente.

Ao analisar os dados para a economia americana, observa-se algo surpreendente: os salários não apenas estão parados como não têm acompanhado a produtividade ascendente da economia nas últimas décadas.
Ou seja, enquanto a produtividade sobe, o trabalhador americano está deixando de desfrutar dos ganhos de renda do aumento da eficiência produtiva.

DILEMA AMERICANO
Diz o recém-divulgado relatório da Commission for Inclusive Prosperity: "À medida que o crescimento se desacelerou, grande parte das economias desenvolvidas observou bifurcação entre o aumento da produtividade e a elevação da renda do trabalho. Nos EUA, a lucratividade das empresas se traduziu em maior renda para os acionistas e os altos executivos, mas não para os empregados".
O dilema americano, além de ressuscitar a complexa questão das relações entre desigualdade e crescimento econômico, tem gerado debate aguerrido sobre o que fazer para combater a crescente disparidade da renda.

No seu mais recente discurso sobre o Estado da União, o presidente Barack Obama delineou medidas para conter a escalada da desigualdade, como o controvertido aumento dos impostos sobre os ganhos de capital para que se possam reduzir os tributos que incidem sobre a classe média e sobre os mais pobres.
Entre diversos economistas prevalece a noção de que, nos EUA, a quebra da relação entre salários e produtividade explica o aumento da desigualdade. Quando os trabalhadores são crescentemente excluídos dos ganhos de eficiência embolsados por acionistas e executivos, elevando a desigualdade, uma solução seria implantar política de redistribuição por meio de um tributo sobre os ganhos de capital.

No Brasil, ocorre o oposto do que se observa nos EUA: há pelo menos uma década, os salários crescem acima da produtividade. Nesse mesmo período, a desigualdade caiu substancialmente.
Nos últimos anos, entretanto, há evidências de que a desigualdade parou de cair, ou, ao menos, começou a se estabilizar em patamar ainda demasiado alto.

Há quem credite aos salários que subiram acima da produtividade boa parte da queda da desigualdade nos últimos anos: devido às políticas de elevação da renda do trabalhador implantadas pelo governo brasileiro -como as regras de indexação do salário mínimo-, houve redistribuição da renda, dos empresários para a mão de obra.
Isso, entretanto, nada diz sobre a sustentabilidade da redução da desigualdade. Como observa estudo recente do FMI, às vezes a desigualdade é obstáculo ao crescimento econômico simplesmente porque motiva a adoção de determinadas políticas redistributivas que têm efeito perverso sobre a atividade.

Exemplo disso são políticas que estimulam o descolamento entre salários e produtividade: rendimentos que crescem acima do valor que o trabalhador é capaz de gerar acabam por onerar excessivamente as empresas, que poderão repassar esse aumento de custos para os preços, demitir trabalhadores ou deixar de investir.
A inflação corrói a renda dos mais pobres; o desemprego e a queda do investimento reduzem o crescimento; sem crescimento, não há diminuição contínua da desigualdade. Sobretudo se a regressividade da estrutura tributária punir a classe média e os mais pobres, como ocorre no Brasil.

ATIVIDADE EMPERRADA
Eis, portanto, um dos desafios da tríade salários-produtividade-desigualdade: quando os salários se descolam da produtividade, seja para cima, como no Brasil, seja para baixo, como nos Estados Unidos, a desigualdade pode aumentar.

Se a desigualdade aumentar, parte crescente da renda produzida haverá de ser embolsada pelos mais ricos, em detrimento da classe média e dos mais pobres -a desigualdade é processo que se retroalimenta, a não ser que seja impedida por políticas redistributivas. Mas certas políticas redistributivas podem emperrar o crescimento, sobretudo quando combinadas com a má gestão da política macroeconômica. Isso é o que parece ter ocorrido, em parte, no Brasil.

Como sair do torvelinho nefasto em que políticas redistributivas emperram o crescimento e a falta de crescimento impede que a desigualdade continue a cair de forma sustentada? Pergunta básica, resposta difícil.

BRASIL – EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
No caso do Brasil, talvez a forma mais óbvia de atacar o problema da desigualdade não seja nova, tampouco desconhecida, embora requeira muito esforço.
Relatório recente da OCDE sobre a desigualdade diz que, para reduzi-la, é preciso que a população tenha acesso a educação de qualidade -não basta ter crianças e adolescentes nas escolas, é preciso que aprendam a ler, que desenvolvam o gosto pela leitura, que tenham intimidade com os números e com as operações matemáticas. É preciso, ainda, que desfrutem de rede de apoio, sobretudo quando o nível educacional de pais e parentes for insuficiente para mantê-los engajados no aprendizado.

É preciso que tenham acesso aos serviços públicos básicos, como saúde e saneamento. O relatório da OCDE afirma que a redução sistemática da desigualdade só é possível se essas condições estiverem presentes e beneficiarem os 40% mais pobres, ou seja, tanto as pessoas de baixa renda quanto a classe média mais vulnerável.
O problema é que o Brasil pouco avançou nessas áreas nos últimos 15 anos, não soube usar a bonança externa -a alta dos preços internacionais das matérias-primas, os ingressos de recursos externos entre 2004 e 2010- para avançar.

A má gestão da economia, hoje, nos obriga a adotar políticas de ajuste que haverão de adiar a redução contínua da desigualdade e a ampliação do processo de inclusão social. O adiamento inevitável já suscita críticas daqueles que, em vez de perceber os erros do passado recente, preferem chamar de fracasso a correção de rumos que acaba de se iniciar.

A tríade dos múltiplos dilemas ganha, pois, faceta adicional: como fazer com que os órfãos da heterodoxia falida sintam-se incluídos no debate sobre a redução da desigualdade? Eis um problema unicamente brasileiro.

Afinal, nos EUA como em outros países, todos já compreenderam que a redução da desigualdade é um valor universal, não pertence aos partidos políticos ou aos intelectuais de ocasião. Fonte: Folha de São Paulo - 08/03/2015  02h00- MONICA DE BOLLE é economista, sócia-diretora da Galanto/MBB Consultoria e pesquisadora do instituto Wilson Center

sábado, 4 de janeiro de 2020

Manifestantes atearam fogo na Igreja Institucional dos Carabineiros

Os manifestantes atearam fogo na igreja de San Francisco de Borja, destinada ao serviço religioso dos Carabineiros do Chile, depois das 19h30 da sexta-feira.  

Segundo testemunhas no local, os manifestantes retiraram móveis, objetos,  e atearam fogo sem a presença de  policial no local.

Os bombeiros nada puderam fazer, pois os manifestantes  impediam seu acesso ao local. Segundo comandante dos bombeiros de Santiago, a central de alarme recebeu o comunicado o que estava acontecendo e procedeu ao envio de três Cias de Bombeiros ao local, mas o acesso estava bloqueado por manifestantes, por isso que tivemos que aguardar proteção policial.

"De acordo com as informações fornecidas pelos bombeiros que puderam acessar o local , o incêndio estava afetando a nave da igreja e uma edificação adjacente", acrescentou.

Finalmente, os bombeiros conseguiram controlar o fogo.

O recinto religioso foi construído em 1876 e entregue à polícia há mais de quatro décadas. O templo é usado para cerimônias fúnebres como uma "capela‑ardente" para policiais que morrem em serviço.

Não é a primeira igreja afetada  por incêndio. No dia 8 de novembro,  um grupo saqueou e queimou a Paróquia de La Asunción, na Avenida Vicuña Mackenna e usou pinturas e esculturas como barricadas e incendiá-las. Quatro dias depois, houve um incêndio na Igreja de Veracruz, no bairro Lastarria, uma igreja de  mais de 200 anos que foi declarada Monumento Histórico em 1983. Fontes: La Nación e La Tercera - 3 JAN 2020

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Alemanha está despreparada para combater o crime organizado

A criminalidade organizada é global e não conhece fronteiras, mas alguns países carecem de instrumentos para combatê-la. É um absurdo que nações não se unam para enfrentar juntas esse problema, escreve Anabel Hernández.
   
Como outros países da Europa, a Alemanha sofre ataque constante de vários grupos do crime organizado transnacional que se dedicam principalmente ao narcotráfico, introduzindo toneladas de drogas ilegais em território alemão, bem como grandes quantidades de dinheiro ilícito para que seja lavado na economia legal do país.

Ao contrário de países na América Central e na América do Sul, na Europa o crime organizado geralmente não é violento, não mata pessoas, não queima mulheres, bebês e crianças em seus veículos, não explode bombas. Ele não se deixa perceber; por não ser visível, há pouca consciência sobre sua periculosidade. A Espanha e a Holanda, por exemplo, vivem as consequências disso; a Alemanha também.

Uma das regiões onde a presença de tais organizações criminosas cresceu de maneira preocupante é a Renânia do Norte-Vestfália, um dos 16 estados alemães. Como na Espanha e na Holanda, um dos fatores que o tornam "atraente" é sua localização geográfica e seu desenvolvimento econômico.

O estado é vizinho à Holanda, um dos principais produtores de metanfetaminas do mundo, e à Bélgica. Através do rio Reno, ele tem conexão direta com o porto de Antuérpia. Sua forte economia produz mais de um quinto do PIB alemão e concentra mais de 17 milhões de habitantes, o que representa um mercado consumidor em potencial para os traficantes de drogas. Segundo fontes ligadas à Justiça e à segurança pública, é por essa região que a maior parte das drogas entra na Alemanha.

CRIME ORGANIZADO NA EUROPA
Em 2013, a Europol havia identificado 3,6 mil grupos de crime organizado na Europa; em 2018, a agência detectou ao menos 5 mil. O Relatório Mundial sobre Drogas, publicado em 2019 pelas Nações Unidas, informou sobre uma pesquisa realizada em 73 cidades da Europa, focada na análise de urina em busca de sinais de anfetaminas, cocaína, ecstasy e metanfetaminas.
Segundo os resultados do estudo, na Alemanha foi detectado o maior uso de metanfetaminas, ao lado de Holanda e Bélgica. As três cidades com maior consumo foram Erfurt, Chemnitz e Dresden.

Como outras nações da União Europeia, a Alemanha não possui instrumentos para combater organizações criminosas que traficam e distribuem drogas no país e efetuam operações de lavagem de dinheiro.

Quando, em 2011, a 'Ndrangheta, da Calábria, na Itália, assassinou seis pessoas em Duisburg, na Renânia do Norte-Vestfália, acendeu-se um sinal de alerta que ao longo dos anos se tornou um sinal vermelho. Foi um ajuste de contas entre clãs que operam na Alemanha.
Naquela época, as autoridades asseguraram que não haviam detectado "nenhuma atividade mafiosa". Hoje, o secretário de Justiça do estado, Peter Biesenbach, junto a promotores e autoridades policiais, tem como missão enfrentar organizações criminosas que operam em seu território: italianas, mexicanas e turcas, entre outras.

CARTÉIS MEXICANOS
Chama atenção dos investigadores o fato de que, quando conseguem deter "testemunhas colaboradoras", estas se mostram abertas a falar sobre as operações da 'Ndrangheta, mas quase nunca dos cartéis mexicanos, porque mesmo entre os criminosos eles são considerados os mais violentos. Através dessa difusão do terror, os cartéis mexicanos crescem mais rapidamente.
Principalmente o Cartel de Sinaloa, que é o mais antigo e mais experiente nesse ramo criminal.

GRUPO DE TRABALHO ANTIMÁFIA
No início de novembro, Biesenbach e uma equipe de colaboradores participaram em Palermo, na Sicília, de um grupo de trabalho antimáfia, chefiado pelo procurador-geral Roberto Scarpinato. Este é membro do primeiro pool mundial de especialistas criado na Itália nos anos 1980 para lutar de maneira especializada contra uma forma de crime organizado que eles chamavam de "máfia" e que estava se expandindo na Sicília, confrontando o Estado, assumindo o controle do cotidiano de seus cidadãos, distorcendo os valores sociais.

FALTAM INTERCEPTAÇÃO E INFILTRAÇÃO.
De acordo com conversas informais com membros da delegação alemã, Berlim tem três desvantagens para lidar com esse tipo de crime organizado: do ponto de vista cultural, é difícil para os alemães entenderem como são e como operam essas organizações.
O crime de associação criminal foi introduzido na legislação apenas em 2017, mas faltam outras reformas legais que facilitem a investigação dessas organizações. Há escassez de instrumentos legais mais fortes para a investigação de suas operações e de seu patrimônio: faltam interceptação e infiltração.
Outro fator negativo para o combate legal a essas organizações criminosas é que a lei criminal alemã é feita para punir crimes cometidos por indivíduos, não pelo crime organizado.
Crime organizado investe em países com menos riscos legais

LEI DE "PREVENÇÃO PATRIMONIAL"
Na década de 1980, o Estado italiano criou uma lei de "prevenção patrimonial" que permite confiscar bens quando há suspeita de origem ilegal, sem a necessidade de provar um crime específico. A legislação permite o confisco de bens quando se evidencia uma desproporção entre o patrimônio e os lucros declarados ao Fisco.
Segundo investigações da Justiça italiana, desde a adoção dessa lei, organizações criminosas como 'Ndrangheta, Cosanostra e La Camorra não deixam mais ativos ilegais na Itália, porque há uma alta probabilidade de serem confiscados.
É por isso que esses capitais migram para outros países, como a Alemanha, onde há falta de conhecimento do problema, de legislação correspondente e de treinamento específico de agentes da lei. São ativos sangrentos cuja geração custou milhares de vidas humanas no México, mas também são capitais perversos que só conhecem as regras de seus próprios benefícios sem nenhuma ética, consciência ou responsabilidade social.

CRIME ORGANIZADO É GLOBAL
Nos dois anos em que me aprofundei no modelo italiano de combate ao crime organizado, comparando-o também com outros esforços, incluindo o americano, o estilo italiano de enfrentar a máfia aparece, certamente, como um modelo que demonstrou sua eficácia: prenderam e condenaram centenas de membros de grupos mafiosos, mas também políticos, servidores públicos, comerciantes, empresários e profissionais que se aliaram a tais grupos do crime organizado.
Mas o modelo chega a um limite, o mesmo enfrentado pelo México, Espanha e Holanda: o crime organizado é global, não conhece fronteiras, interage rompendo barreiras.

O crime organizado transnacional sabe como se conectar globalmente, compartilhando seus ativos, infraestrutura e capital para crescer junto e contornar as fronteiras nacionais. É um absurdo que países do mundo não se unam pelo menos numa base continental para enfrentar essa ameaça com uma política comum e meios legais coordenados, compartilhando inteligência, infraestrutura e recursos. Fonte: Deutsche Welle-11.12.2019

sábado, 28 de dezembro de 2019

Despreparada para a era digital, a democracia está sendo destruída

Quando Martin Hilbert calcula o volume de informação que há no mundo, causa espanto. Quando explica as mudanças no conceito de privacidade, abala. E quando reflete sobre o impacto disso tudo sobre os regimes democráticos, preocupa.
"Isso vai muito mal", adverte Hilbert, alemão de 39 anos, doutor em Comunicação, Economia e Ciências Sociais, e que investiga a disponibilidade de informação no mundo contemporâneo.
Segundo o professor da Universidade da Califórnia e assessor de tecnologia da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o fluxo de dados entre cidadãos e governantes pode nos levar a uma "ditadura da informação", algo imaginado pelo escritor George Orwell no livro 1984.

Vivemos em um mundo onde políticos podem usar a tecnología para mudar mentes, operadoras de telefonia celular podem prever nossa localização e algoritmos das redes sociais conseguem decifrar nossa personalidade melhor do que nossos parceiros, afirma.

Com 250 'likes'; o algoritmo do Facebook pode prever sua personalidade melhor que seu parceiro

Hilbert conversou com a BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, sobre a eliminação de proteções à privacidade online nos EUA, onde uma decisão recente do Congresso, aprovada pelo presidente Donald Trump, facilitará a venda de informação de clientes por empresas provedoras de internet.

Confira os principais trechos da entrevista:

BBC: QUAL É SUA OPINIÃO SOBRE A DECISÃO DO CONGRESSO DOS EUA DE DERRUBAR REGRAS DE PRIVACIDADE NA INTERNET?
Martin Hilbert: Os provedores de internet buscam permissão para coletar dados privados dos clientes há muito tempo - incluindo o histórico de navegação na web - e compartilhar com terceiros, como anunciantes e empresas de marketing.
Um provedor de internet pode ver suas buscas na internet - se, por exemplo, você assiste Netflix ou Hulu. Essa informação é valiosa, porque poderiam orientar sua publicidade a residências que usam seus serviços.
Enquanto isso parece ser um ato grave, liberado pelo novo governo dos EUA, há que reconhecer que nos últimos 30 anos os órgãos reguladores das telecomunicações nos EUA se afastaram de uma de suas metas originais: o benefício da sociedade. E se moveram no sentido de favorecer as empresas.

BBC: OS PROVEDORES DE INTERNET DIZIAM QUE AS REGRAS NÃO SE APLICARAM A GRANDES COLETORES DE DADOS COMO FACEBOOK OU GOOGLE. COMO VÊ ESSE ARGUMENTO?
Hilbert: Tem certa razão. Mas há uma diferença: para o Facebook, seu negócio são os dados que tem, trata-se de uma empresa de dados. A questão é se classificamos ou não os provedores de internet como provedores de dados.
Muitos provedores de telecomunicações inclusive estão começando a vender dados. Por exemplo: uma operadora de telefonia celular sabe onde você está em cada segundo. Então também podem vender essa informação? É preciso redefinir esses diferentes âmbitos. O órgão regulador precisa estar preparado e encontrar um equilíbrio em cada país.

BBC: ISSO MOSTRA A DIFICULDADE DE PROTEGER A PRIVACIDADE HOJE?
Hilbert: A pergunta certa é que privacidade as pessoas querem. E a verdade é que as pessoas não estão tão preocupadas. O que ocorreu depois de todas as revelações de Edward Snowden? Nada. Disseram: "Não é bom que vejam minhas fotos íntimas". E no dia seguinte continuaram. Ninguém foi protestar.

BBC: CONSIDEREMOS UMA PESSOA ADULTA QUE HOJE USA UM CELULAR, UM COMPUTADOR. QUANTA INFORMAÇÃO PODE SER COLETADA SOBRE ESSA PESSOA?
Hilbert: No passado, a referência de maior coleção de informação era a biblioteca do Congresso americano. E hoje em dia a informação disponível no mundo chegou a tal nível que equivale à coleção dessa biblioteca por cada 15 pessoas.
Há um monte de informação por aí, e ela cresce rapidamente: se duplica a cada dois anos e meio. A última fez que fiz essa estimativa foi em 2014. Agora deve haver uma biblioteca do Congresso dos EUA por cada sete pessoas. E em cinco anos haverá uma por cada indivíduo.

Há uma nova avaliação sobre como interpretar a privacidade. E as gerações jovens têm um conceito totalmente diferente do que é privacidade ou não.

Se colocássemos toda essa informação em formato de livros e os empilhássemos, teríamos 4,5 mil pilhas de livros que chegariam até o Sol. Novamente, isso era há dois anos e meio. Agora seriam 8 ou 9 mil pilhas chegando ao Sol.
E a informação que você produz cresce basicamente no mesmo ritmo: estima-se que haja 5 mil pontos de dados disponíveis para análise por morador dos EUA. São coisas que deixamos no Facebook, por exemplo. O volume de dados que deixamos de verdade é difícil de estimar, porque é quase um contínuo: você tem o celular consigo a cada segundo e deixa uma pegada digital. Então cada segundo está registrado por diversas empresas.

BBC: PODE DAR EXEMPLOS?
Hilbert: Sua operadora de celular sabe onde você está graças a seu celular. O Google também sabe, porque você tem Google Maps e Gmail no seu telefone. E cada transação que faz com seu cartão de crédito é um ponto de dados, cada curtida no Facebook. Inclusive pode haver registros de como você movimenta o mouse ao usar a internet.

BBC: MAS ESSA INFORMAÇÃO NÃO ESTÁ REUNIDA EM APENAS UM LUGAR OU POR UMA EMPRESA. ATÉ QUE PONTO PODEMOS SER PREVISÍVEIS PARA UMA EMPRESA QUE COLETA DADOS SOBRE NÓS?
Hilbert: Vou dar vários exemplos. Seu telefone te mostra quantas chamadas fez. A operadora deve coletar essas informações para processar sua conta. Eles não se preocupam com quem e o que falou. É apenas a frequência e duração de suas chamadas, algo conhecido como metadados. Com isso é possível fazer uma engenharia reversa e reconstruir um censo completo de um país com cerca de 80% de precisão: gênero, famílias, renda, educação.
Se tenho informação mais detalhada - por exemplo, se a operadora registra seus deslocamentos por meio das conexões às antenas. É possível prever com até 95% de precisão onde você estará em dois meses, e em que hora do dia.

Você tem o celular consigo a cada segundo e deixa uma pegada digital; cada segundo está registrado por diversas empresas

Passemos ao Facebook, que tem um pouco mais de informação, Há, por exemplo, as "curtidas", o que você gosta e quando. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, fizeram testes de personalidade com pessoas que franquearam acesso a suas páginas pessoais no Facebook, e estimaram, com ajuda de um algoritmo de computador, com quantas curtidas é possível detectar sua personalidade.

Com cem curtidas poderiam prever sua personalidade com acuidade e até outras coisas: sua orientação sexual, origem étnica, opinião religiosa e política, nível de inteligência, se usa substâncias que causam vício ou se tem pais separados. E os pesquisadores detectaram que com 150 curtidas o algoritmo podia prever sua personalidade melhor que seu companheiro. Com 250 curtidas, o algoritmo tem elementos para conhecer sua personalidade melhor do que você.

BBC: PARA QUE ESSA INFORMAÇÃO É USADA?
Hilbert: Para uma empresa de marketing ou um político em busca de votos, é algo muito interessante. Com o chamado big data (análise de grandes volumes de dados oriundos do uso de internet) também elevamos muito o poder de previsão das Ciências Sociais. Desenvolver um algoritmo de inteligência artificial pode custar milhões de dólares. Mas uma vez criado pode ser aplicado a todos. Então é algo que está sendo empregado rapidamente em outros países.
A operadora de celular Telefônica, bastante ativa na América Latina, trabalhou muito em previsão de localização. E até já começou a vender esse tipo de informação. Então caso você queria abrir uma empresa em alguma capital da América Latina para vender gravatas. você paga e te dizem em que hora e onde os homens caminham. E você fica sabendo em qual saída do metrô deve instalar sua loja.

BBC: A questão é o quão perigoso é tudo isso, essa forma como estão coletando dados que permitem fazer previsões sobre os indivíduos e a sociedade em geral.
Hilbert: Uma tecnologia é apenas uma ferramenta. Pode-se usar um martelo para coisas boas, como erguer uma casa, mas também para matar alguém. Nenhuma tecnologia é tecnologicamente determinada, sempre é socialmente construída.
Não me preocupo tanto com o comércio ou com a economia. Quem não está preparada para esta transparência brutal entre cidadão e representante é a democracia representativa.

BBC: POR QUÊ?
Hilbert: Porque a democracia representativa, como a inventaram nos EUA, é um processo de filtrar informação. Há 250 anos era impossível consultar todas as pessoas e as pessoas tampouco estavam informadas. Então os "pais fundadores" da nação americana inventaram um filtro de informação que chamaram de representação: ter representantes que em seu nome deliberam e definem o que serve à sociedade. Rompemos isso completamente.

Os representantes hoje podem ter acesso a tudo o que os cidadãos fazem. E os cidadãos podem ditar a vida dos representantes, com tuítes e outros recursos. A democracia representativa não está preparada para isso.

É o que vemos agora, com a última eleição nos EUA e como o novo presidente usa as mídias sociais - é parte dessa confusão em que estamos.

É preciso refletir e reinventar a democracia representativa. Caso contrário, ela pode facilmente se converter em ditadura da informação. E atentem que a visão mais antiga da sociedade da informação é de 1948, quando George Orwell publicou seu livro 1984. A visão era de uma ditadura da informação.

Se alguém dissesse isso há dez anos, certamente seria contestado pela maioria que acreditava que a internet era democracia pura e liberdade. Mas hoje pessoas começam a entender a necessidade de atuação rápida. A democracia não está preparada para a era digital e está sendo destruída.

Estamos num processo que (o economista austro-americano Joseph) Schumpeter chamou de destruição criativa. E não teremos nenhuma criatividade, porque não há proposta de como fazê‑la de modo diferente. Não há uma saída, e isso preocupa.

BBC: PODE DAR EXEMPLOS PRÁTICOS DESSA DESTRUIÇÃO?
Hilbert: (O ex-presidente americano Barack) Obama entende muito bem de big data. Depois do caso Snowden muitos perguntaram porque Obama nada fez. Bom, porque ele também o usou muito.
A maior despesa da campanha de Obama em 2012 não foi para comerciais de TV: criou-se um grupo de 40 engenheiros recrutados em empresas como Google, Facebook, Craigslist, e que incluiu até jogadores profissionais de pôquer. Pagou milhões de dólares para o desenvolvimento de uma base de dados de 16 milhões de eleitores indecisos: 16 milhões de perfis com diferentes dados: tuítes, posts do Facebook, onde vivem, o que assistiam na TV.

É preciso reinventar a democracia representativa. Caso contrário, ela facilmente se converte em ditadura da informação
Quando a campanha conhecia suas preferências, se um amigo seu no Facebook dava uma curtida na campanha de Obama, a equipe ganhava acesso à página desse amigo e passava e enviar mensagens.
E conseguiram mudar a opinião de 80% das pessoas alcançadas desta maneira. Com isso, Obama ganhou a eleição. È como uma lavagem cerebral: não mostra a informação, apenas o que querem escutar.

BBC: COMO O BIG DATA ESTÁ ALTERANDO AS FORMAS DE GOVERNAR?
Hilbert: O representante político tem muita informação sobre você, mas o inverso também é verdade. Veja o presidente Trump, que muitas vezes reage em tempo real ao que as pessoas dizem. É como alguém se convertesse em uma marionete do que recebe pela TV ou pelo Twitter.

A ideia do mandato representativo, como criado pelos "pais fundadores" dos eua, era: confiamos em você como pessoa e você lidera e toma decisões em nosso nome. Agora os políticos medem sua popularidade no facebook e mudam o discurso ao vivo para ajustá-lo aos comentários do twitter. Isso não é a ideia que foi desenhada. Os grandes presidentes não se guiaram por populismo: eles lideraram.

BBC: TERIA UMA PROPOSTA DE SOLUÇÃO PARA ESSE PROBLEMA?
Hilbert: A história mostra que é preciso mudar as instituições. Não é possível controlar quem tem dados e quem não tem. Pode-se criar instituições e determinar que algumas informações serão abertas ao público. Por exemplo: os partidos políticos devem declarar as doações que recebem. Mas vão abrir os dados das pessoas?
Abrir também não é a solução, Mas é preciso discutir muito esse assunto. E as pessoas não discutem.
Também é preciso mudar a tecnologia. A tecnologia não é algo que cai do céu. Há muitas oportunidades. Numa entrevista de emprego, por exemplo, a inteligência artificial poderia ser muito mais neutra do que um gerente de recursos humanos que possa discriminar alguém inconscientemente. Poderíamos abandonar padrões muito antigos e criar o futuro que queremos.
Fonte: BBC Mundo em Nova York-9 abril 2017