sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Como funciona a imunidade parlamentar na Alemanha

Prisão e abertura de investigação criminal dependem de autorização do Parlamento, mas deputados raramente agem para proteger colegas. Alguns até mesmo consideram o suposto privilégio um "fardo".

Os inúmeros casos de suspeitas de corrupção contra políticos brasileiros que caminham a passos lentos e a situação legal do senador tucano Aécio Neves escancararam os limites do Judiciário frente à imunidade parlamentar. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou entendendo que qualquer medida cautelar contra um parlamentar precisa ser autorizada pela Câmara ou pelo Senado.

AUTORIZAÇÃO DO PARLAMENTO
Assim como no Brasil, na Alemanha, membros do Bundestag (Parlamento alemão) também gozam de imunidade em relação a investigações criminais quando estão no exercício dos seus mandatos. As regras são asseguradas pelo artigo 46 da Lei Fundamental, a Constituição alemã.
Para um deputado alemão em exercício de mandato ser preso ou ter sua liberdade limitada durante a investigação de um crime comum, é preciso autorização do próprio Parlamento, tal como o STF determinou recentemente no Brasil. Isso também inclui a abertura de inquéritos.

Cabe ao Ministério Público pedir ao Bundestag a retirada da imunidade do parlamentar para que ele seja investigado ou preso. A decisão final é da Comissão para o Controle de Eleições, Imunidade e Regras de Procedimentos, formada por 14 membros (deputados de todos os partidos que compõem a atual legislatura). 

A IMUNIDADE, PORÉM, NÃO INCLUI CASOS DE FLAGRANTE.
Neste caso, a polícia é livre para efetuar a prisão. Em março de 2016, um deputado do Partido Verde foi preso em Berlim após sair da casa de um traficante. Foi encontrado 0,6 grama de metanfetamina com ele. A comissão nem chegou a analisar o assunto, e o caso seguiu direto para a Justiça.
A imunidade também se estende ao presidente da República, mas não aos membros do Bundesrat (a câmara alta) e aos ministros sem mandato parlamentar. Regras semelhantes também existem na maioria dos 16 parlamentos estaduais.

CASOS RAROS
Mesmo que a palavra final sobre a imunidade seja prerrogativa do Bundestag, é bastante raro que os deputados tomem uma decisão para proteger um colega. A regra é praticamente sempre aceitar qualquer pedido do Ministério Público. 
Nas três últimas legislaturas, entre 2005 e 2017, 37 deputados foram alvos de pedidos do Ministério Público para que seus privilégios fossem retirados e eles pudessem ser investigados e eventualmente denunciados na Justiça. Em apenas um caso, o Bundestag não atendeu as solicitações.

AUSÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO
Os deputados também podem ser investigados por procuradores estaduais e julgados em tribunais locais. Não há foro privilegiado ou a prerrogativa de uma alta corte do país ser responsável pelo caso, como acontece no Brasil, onde o Supremo concentra os processos contra deputados e senadores em exercício do mandato.
Em 2010, um procurador regional da Baixa Saxônia pediu que o próprio presidente da Alemanha tivesse a imunidade anulada por suspeita de tráfico de influência. No entanto, antes de o Bundestag tomar uma decisão, o presidente em questão, Christian Wulff, renunciou. Ele acabou sendo absolvido em 2014.

NADA DE PRIVILÉGIO
Assim como ocorre com o foro privilegiado no Brasil, a questão da imunidade também é controversa na Alemanha, mas não por uma percepção geral de que os deputados contam com uma blindagem extra.
Em março de 2016, o presidente do Bundestag, Norbert Lammert, afirmou que seria melhor abolir o mecanismo. Assim como outros deputados, Lammert apontou que longe de ser um privilégio, a imunidade era um "fardo".
A comissão responsável por analisar os pedidos para retirada de imunidade só costuma publicar estatísticas gerais em cada legislatura, sem divulgar os nomes dos deputados envolvidos. Mas a maior parte acaba sendo descoberta pela imprensa local, que trata logo de divulgar os nomes.

Alguns deputados já se queixaram que isso tem um efeito perverso. Eles apontam que a eventual publicidade dessas decisões de rotina acaba provocando um efeito público de condenação antecipada entre a população, antes mesmo de o Judiciário analisar a acusação. Eles também afirmam que eventuais notícias sobre o arquivamento de acusações e a restituição da imunidade raramente recebem a mesma cobertura.


Para contornar isso, o estado de Brandemburgo já inverteu a lógica da imunidade entre os deputados estaduais do seu Parlamento. Lá, não há nenhum tipo de imunidade antecipada, e qualquer deputado pode ser investigado pela polícia e pelo Ministério Público sem a necessidade de autorização. Mas o Parlamento pode escolher conceder imunidade a um deputado se considerar que a motivação das acusações é política. Fonte: Deutsche Welle - Data 17.10.2017

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Senado salva mandato de Aécio Neves

Por 44 votos a 26, senadores revertem a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal que afastou o tucano

O Senado Federal reverteu a decisão nesta terça-feira da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) de suas funções parlamentares. Por 44 votos a 26, os senadores entenderam que o tucano deverá retomar as suas atividades no Congresso Nacional, assim como deixar de se recolher em sua casa todas as noites.

Ao todo, 70 senadores votaram sobre a permanência de Aécio no Senado – foram 44 votos contra o seu afastamento e 26 a favor. Nove senadores estiveram ausentes da votação e dois não votaram – o próprio Aécio, afastado do cargo, e Eunício Oliveira (PMDB-CE), na condição de presidente.
Foram estas as senadoras e os senadores ausentes da votação, por razões como viagens oficiais ao exterior:
Armando Monteiro (PTB-PE)
Cristovam Buarque (PPS-DF)
Gladson Cameli (PP-AC)
Gleisi Hoffmann (PT-PR)
Jorge Viana (PT-AC)
Ricardo Ferraço (PSDB-ES)
Rose de Freitas (PMDB-ES)
Sérgio Petecão (PSD-AC)
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)
  
Confira como votou cada parlamentar, de acordo com o partido:
DEM
PMDB
Davi Alcolumbre (AP):               NÃO
Airton Sandoval (SP):              NÃO
José Agripino (RN):                   NÃO
Dário Berger (SC):                   NÃO
Maria do Carmo Alves (SE):     NÃO
Edison Lobão (MA):                NÃO
Ronaldo Caiado (GO):              SIM
Eduardo Braga (AM):              NÃO

Elmano Férrer (PI):                  NÃO
PDT
Eunício Oliveira (CE): Presente, não votou (presidente)
Acir Gurgacz (RO):                    SIM
Fernando Bezerra Coelho (PE): NÃO
Ângela Portela (RR):                  SIM
Garibaldi Alves Filho (RN):      NÃO

Jader Barbalho (PA):                NÃO
PODE
João Alberto Souza (MA):        NÃO
Alvaro Dias (PR):                      SIM
José Maranhão (PB):                NÃO
José Medeiros (MT):                 SIM
Kátia Abreu (TO):                    SIM
Romário (RJ):                            SIM
Marta Suplicy (SP):                  NÃO

Raimundo Lira (PB):                NÃO
PP
Renan Calheiros (AL):             NÃO
Ana Amélia (RS):                       SIM
Roberto Requião (PR):             SIM
Benedito de Lira (AL):                NÃO
Romero Jucá (RR):                  NÃO
Ciro Nogueira (PI):                     NÃO
Simone Tebet (MS):                 NÃO
Ivo Cassol (RO):                         NÃO
Valdir Raupp (RO):                  NÃO
Wilder Morais (GO):                   NÃO
Waldemir Moka (MS):              NÃO

Zeze Perrella (MG):                  NÃO


PR
PSDB
Cidinho Santos (MT):                 NÃO
Antonio Anastasia (MG):          NÃO
Magno Malta (ES):                     SIM
Ataídes Oliveira (TO):              NÃO
Vicentinho Alves (TO):               NÃO
Cássio Cunha Lima (PB):          NÃO
Wellington Fagundes (MT):        NÃO
Dalirio Beber (SC):                   NÃO

Eduardo Amorim (SE):              NÃO
PRB
Flexa Ribeiro (PA):                   NÃO
Eduardo Lopes (RJ):                   NÃO
José Serra (SP):                         NÃO

Paulo Bauer (SC):                     NÃO
PROS
Roberto Rocha (MA):               NÃO
Hélio José (DF):                          NÃO
Tasso Jereissati (CE):                NÃO


PSB
PT
Antonio Carlos Valadares (SE):  SIM
Fátima Bezerra (RN):                 SIM
João Capiberibe (AP):                SIM
Humberto Costa (PE):                SIM
Lídice da Mata (BA):                  SIM
José Pimentel (CE):                    SIM
Lúcia Vânia (GO):                      SIM
Lindbergh Farias (RJ):                SIM

Paulo Paim (RS):                        SIM
PSC
Paulo Rocha (PA):                     SIM
Pedro Chaves (MS):                   NÃO
Regina Sousa (PI):                     SIM

PTB
PSD
Telmário Mota (RR):                 NÃO
Lasier Martins (RS):                    SIM

Omar Aziz (AM):                        NÃO
PTC
Otto Alencar (BA):                      SIM
Fernando Collor (AL):               NÃO



REDE

Randolfe Rodrigues (REDE-AP): SIM
Sem Partido

José Antonio M.  Reguffe (DF):      SIM

Walter Pinheiro (BA):                     SIM


Fonte: Deutsche Welle – 18.10.2017


Street musician

O lado bom da internet, os cantores de rua podem mostrar seus talentos na web. É uma forma de abrir as janelas para o mundo. Existe muita coisa boa. Como disse Andy Warhol: "um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama".  Porém necessita ter talento.

Sittin' On The Dock Of The Bay

Stand By Me

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Catalunha: Líder deixa Madri sem resposta

O chefe do governo regional catalão, Carles Puigdemont, deixou nesta segunda-feira (16/10) sem resposta o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, que havia fixado a data como limite para ele esclarecesse se declarou a independência da Catalunha ou não.

Na carta de resposta a Rajoy, Puidgemont propõe um período de dois meses de diálogo diante de uma situação que seria a "transcendência que exige respostas e soluções políticas à altura". "São as [soluções] que nos pede a sociedade e as que se esperam na Europa", afirmou Puigdemont no documento.

O ministro espanhol da Justiça, Rafael Catalá, disse imediatamente depois da divulgação da resposta que o governo espanhol não considera o texto de Puigdemont válido, por falta de clareza.
Catalá lembrou que, além de perguntar sobre a independência, Rajoy havia dado um segundo prazo ao líder catalão – até esta quinta-feira – para que explicasse as medidas que vai adotar para cumprir as leis espanholas.

O texto tem tom conciliador e contém dois pedidos. O primeiro é que cesse "a repressão contra o povo e o governo da Catalunha", em alusão à atuação da Justiça contra os organizadores do polêmico referendo independentista de 1º de outubro e aos incidentes violentos daquele dia entre eleitores e policiais que tinham ordens de impedir a votação.

"Nossa intenção é percorrer o caminho em comum acordo tanto em relação ao tempo quanto em relação à forma. Nossa proposta de diálogo é sincera e honesta", sinaliza Puigdemont, dirigindo-se a Rajoy. "Nossa proposta é sincera apesar de todo o ocorrido, mas logicamente é incompatível com o atual clima de crescente repressão e ameaça."

O segundo pedido é concretizar "o quanto antes" uma reunião para discutir "os primeiros acordos". "Não deixemos que se deteriore mais a situação", conclui a carta. "Com boa vontade, reconhecendo o problema e olhando-o de frente, estou seguro de que podemos encontrar o caminho para a solução."

O vice-presidenta do Governo espanhol, Soraya Sáenz de Santamaría, também lamentou a resposta ambígua dada por Puigdemont nesta segunda-feira e exigiu que ele volte à legalidade antes do próximo prazo dado pelo Governo, previsto para quinta-feira, para implementar o artigo 155 da Constituição, que permite ao Governo central intervir nos poderes autônomos. "Não é difícil responder ao questionamento que fizemos. Não é difícil voltar ao bom senso", disse Sáenz de Santamaría, que lembrou que o 155 não serve para suspender o Governo autônomo, mas para que "o Governo autônomo seja executado de acordo com a legalidade ". Fonte: Deutsche Welle – 16.10.2017; El País - Barcelona 16 OUT 2017

domingo, 15 de outubro de 2017

Programado para estragar

Projetar aparelhos com defeitos e peças pouco duráveis para que o consumidor tenha de comprar novamente. É a obsolescência programada, uma prática que nos leva a um beco sem saída

A frase foi publicada em 1928 na Printer’s Ink, revista do setor publicitário norte-americano: “Um artigo que não estraga é uma tragédia para os negócios.” Para que vender menos se você pode vender mais projetando produtos com um defeito incorporado? Por que não abandonar esse afã romântico de fabricar produtos bem feitos, consistentes, duradouros, e ser logo prático? Não será melhor para o business fazer com que o cliente tenha de abrir a carteira mais vezes?
Essa é história de uma ideia que ganhou força como salvação dinamizadora nos anos da Grande Depressão, transformou-se num mantra da sociedade de consumo – comprar, usar, jogar fora, voltar a comprar – e se tornou, já na atualidade, uma séria ameaça ao meio ambiente. É uma história escrita aos poucos, capítulo por capítulo. El Pais - 14 OUT 2017

Comentário: Nos últimos dez anos, de junho de 2007 a março de 2017, a Apple vendeu 1,2 bilhão de Iphones no mundo.
Todos os fabricantes de smartphones venderam de 2007 a 2016, 7 bilhões de aparelhos.

De acordo com o Greenpeace, os  smartphones são produzidos seguindo um modelo de fabricação linear, com base em uma perspectiva de lucro a curto prazo. As questões relacionadas com a extração de recursos, a exposição a produtos químicos na fase de fabricação, o consumo de energia e um crescente fluxo de resíduos eletrônicos persistem.

As principais conclusões do relatório são:
■ 7 bilhões de smartphones foram produzidos desde 2007.
■ Mais de 60 elementos diferentes são comumente usados na fabricação de smartphones. Embora a quantidade de cada elemento em um único dispositivo possa parecer pequena, os impactos combinados da mineração e processamento destes materiais preciosos para 7 bilhões de dispositivos são significativos.
■ Desde 2007, cerca de 968 TWh  de energia foram usados para fabricar smartphones, que é quase o mesmo que o fornecimento de energia de um ano para a Índia (973 TWh em 2014).
■ Apenas dois smartphones (Fairphone e LG G5) de 13 modelos analisados tinham baterias facilmente substituíveis. Isso significa que os consumidores são forçados a substituir seus dispositivos inteiros quando a duração da bateria começa a diminuir.
■ Somente em 2014, os resíduos eletrônicos de pequenos produtos de TI, como smartphones, foram estimados em 3 milhões de toneladas métricas. Menos 16% dos resíduos eletrônicos globais são reciclados.
■ No final da vida, o design atual dificulta a desmontagem, incluindo o uso de parafusos especiais e colados em baterias; portanto, os smartphones são muitas vezes triturados e enviados para a fusão quando "reciclado". Dadas as pequenas quantidades de uma grande diversidade de materiais e substâncias em pequenos dispositivos, a fundição é ineficaz ou ineficaz na recuperação de muitos dos materiais.



Jovens, novos mártires do trabalho no Japão

Agência foi multada pelo suicídio de funcionária que entrou em depressão por excesso de trabalho
 A agência de publicidade japonesa Dentsu, quinta do mundo em receita, foi multada em 13.700 reais pelo suicídio de Matsuri Takahashi, uma jovem funcionária que entrou em depressão como resultado do karoshi, excesso de trabalho, um fenômeno originado a meados do século passado naquele país.
Nos tuites deixados depois de seu suicídio, Takahashi, de 24 anos, mostra a pesada carga de trabalho do mês anterior à sua morte, ocorrida quando saltou do quarto de sua empresa em 25 de dezembro de 2015.

EXCESSO DE TRABALHO
“Mais uma vez tenho que trabalhar no fim de semana. Quero morrer “, dizia um dos textos publicados depois que sua mãe processou a Dentsu. No mês anterior à sua morte, a jovem chegou a trabalhar 105 horas extras, 25 horas a mais do que as 80 a partir das quais um caso de fadiga pode ser considerado “acidente de trabalho”.

A sentença contra a Dentsu saiu dois dias depois que a rede de rádio e televisão pública japonesa NHK anunciou que uma de suas jornalistas de 31 anos falecida em 2013 de complicações cardiovasculares tinha morrido de karoshi. Em sua agenda lotada durante a cobertura de campanhas eleitorais, chegou a completar 159 horas extras por mês.

Em março deste ano um operário de 23 anos que participava da construção do Estádio Nacional, a sede dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, cometeu suicídio por causa da fadiga do trabalho. Em seu bilhete de despedida, afirmou: “minhas condições físicas e mentais chegaram ao limite”. Suas horas extras mensais excederam as 211.

KAROSHI
Criado na década de 80, na véspera do estouro da bolha econômica, o termo karoshi volta a estar na moda graças às demandas dos parentes das vítimas que morrem subitamente pela fadiga acumulada ou que, pressionados pela carga de trabalho interminável e o assédio de colegas e superiores, entram em depressão e tiram a própria vida.

Os primeiros mártires do trabalho eram principalmente pais de família curtidos na titânica reconstrução que aconteceu após a derrota da Segunda Guerra Mundial. Incentivados pelo emprego vitalício passavam horas intermináveis nas empresas até que caíam fulminados por ataques cardíacos súbitos e acidentes vasculares cerebrais que só começaram a ser classificados como karoshi na década de oitenta.

Os últimos números oficiais estimam que houve mais de 2.000 suicídios em 2015 por karoshi. Mas advogados como Kazunari Tamaki, que representa famílias de mortos por excesso de trabalho, asseguram que muitos casos não são denunciados.

Tamaki, que conseguiu importantes vitórias legais em casos de karoshi e tem como objetivo obrigar o Governo a estabelecer um limite legal de 45 horas extras mensais, explica que no Japão os sindicatos não servem para inspecionar ou defender e a única opção é tentar a mudanças das leis.

Entre os setores mais afetados pelo karoshi estão empresas de serviços, hospitais, meios de comunicação, produtoras de animação e videogames.

O Governo do primeiro-ministro Shinzo Abe, criador de uma política de crescimento apelidada de “abenomics”, propôs colocar limites obrigatórios de horas extras. Mas muitas empresas questionam tais medidas pela escassez de mão de obra causada pelo envelhecimento da população e a forte rejeição à imigração estrangeira.
A leveza da sanção imposta à Dentsu é considerada por muitos ativistas como um sinal da dificuldade de acabar com o karoshi em uma cultura onde a resistência e o estoicismo são valores tradicionais inculcados desde a infância. Fonte: El País - Tóquio 7 OUT 2017 

sábado, 14 de outubro de 2017

Nova geração chega mal-educada às empresas

O filósofo e escritor Mario Sergio Cortella  explica como a combinação de um cenário imediatista, anos de bonança e pais protetores fez com que a "busca por propósito" dos jovens seja muitas vezes incompatível com a realidade.
"No dia a dia, eles se colocam como alguém que vai ter um grande legado, mas ficam imaginando o legado como algo imediato."
Essa visão "idílica", afirma, transforma escritórios e salas de aula em palcos de confronto entre gerações.
"Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada. Não tem noção de hierarquia, de metas e prazos e acha que você é o pai dela."
Leia os principais trechos da entrevista abaixo:

BBC BRASIL - O QUE DESENCADEOU A VOLTA DA BUSCA PELO PROPÓSITO?
Mario Sergio Cortella - A primeira coisa que desencadeou foi um tsunami tecnológico, que nos colocou tantas variáveis de convivência que a gente fica atordoado.
A lógica para minha geração foi mais fácil. Qual era a lógica? Crescer, estudar. Era escola, e dependendo da tua condição, faculdade. Não era comunicação em artes do corpo. Era direito, engenharia, tinha uma restrição.
Essa overdose de variáveis gerou dificuldade de fazer escolhas. Isso produz angústia em relação a esse polo do propósito. Por que faço o que estou fazendo? Faço por que me mandam ou por que desejo fazer? Tem uma série de questões que não existiam num mundo menos complexo.
Não foi à toa que a filosofia veio com força nos últimos vinte anos. Ela voltou porque grandes questões do tipo "para onde eu vou?", "quem sou eu?", vieram à tona.
 
BBC BRASIL - PODEMOS DIZER QUE NESSE CONTEXTO VAI SER CADA VEZ MENOR O NÚMERO DE PESSOAS QUE NÃO TEM ESSES QUESTIONAMENTOS?
Mario Sergio Cortella - Cada vez menor será o número de pessoas que não se incomoda com isso. O próprio mundo digital traz o tempo todo, nas redes sociais, a pergunta: "por que faço o que faço?", "por que tomo essa posição?". E aquilo que os blogs e os youtubers estão fazendo é uma provocação: seja inteiro, autêntico. É a expressão "seja você mesmo", evite a vida de gado.

BBC BRASIL - NO SEU LIVRO, VOCÊ FALA DA IMPORTÂNCIA DO RECONHECIMENTO NO TRABALHO. QUAL É ELA?
Mario Sergio Cortella - O sentir-se reconhecido é sentir-se gostado. Esse reconhecimento é decisivo. A gente não pode imaginar que as pessoas se satisfaçam com a ideia de um sucesso avaliado pela conquista material. O reconhecimento faz com que você perca o anonimato em meio à vida em multidão.
No fundo, cada um de nós não deseja ser exclusivo, único, mas não quer ser apenas um. Eu sou um que importa. E sou assim porque é importante fazer o que faço e as pessoas gostam.

BBC BRASIL - PELO QUE VEMOS NAS REDES SOCIAIS, OS JOVENS ESTÃO TRAZENDO ESSA DISCUSSÃO DE FORMA MAIS INTENSA. VOCÊ PERCEBEU ISSO?
Mario Sergio Cortella - Há algum tempo tenho tido leitores cada vez mais jovens. Como me tornei meio pop, é comum estar andando num shopping e um grupo de adolescentes pedir para tirar foto.
Uma parcela dessa nova geração tem uma perturbação muito forte, em relação a não seguir uma rota. E não é uma recuperação do movimento hippie, que era a recusa à massificação e à destruição, ao mundo industrial.
Hoje é (a busca por) uma vida que não seja banal, em que eu faça sentido. É o que muitos falam de 'deixar a minha marca na trajetória'. Isso é pré-renascentista. Aquela ideia do herói, de você deixar a sua marca, que antes, na idade média, era pelo combate.
O destaque agora é fazer bem a si e aos outros. Não é uma lógica franciscana, o "vamos sofrer sem reclamar". É o contrário. Não sofrer, se não for necessário.
Uma das coisas que coloco no livro é que não há possibilidade de se conseguir algumas coisas sem esforço. Mas uma das frases que mais ouço dos jovens, e que para mim é muito estranha, é: quero fazer o que eu gosto.

BBC BRASIL - ESSE É UM PENSAMENTO COMUM ENTRE OS JOVENS QUANDO SE FALA EM CARREIRA?
Mario Sergio Cortella - Muito comum, mas está equivocado. Para fazer o que se gosta é necessário fazer várias coisas das quais não se gosta. Faz parte do processo.
Adoro dar aulas, sou professor há 42 anos, mas detesto corrigir provas. Não posso terceirizar a correção, porque a prova me mostra como estou ensinando.
Não é nem a retomada do 'no pain, no gain' ('sem dor, não há ganho'). Mas é a lógica de que não dá para ter essa visão hedonista, idílica, do puro prazer. Isso é ilusório e gera sofrimento.

BBC BRASIL - O SOFRIMENTO SERIA O CHOQUE DA VISÃO IDÍLICA COM O QUE O MUNDO OFERECE?
Mario Sergio Cortella - A perturbação vem de um sonho que se distancia no cotidiano. No dia a dia, a pessoa se coloca como alguém que vai ter um grande legado, mas fica imaginando o legado como algo imediato.
Gosto de lembrar uma história com o Arthur Moreira Lima, o grande pianista. Ao terminar uma apresentação, um jovem chegou a ele e disse 'adorei o concerto, daria a vida para tocar piano como você'. Ele respondeu: 'eu dei'.
Há uma rarefação da ideia de esforço na nova geração. E falo no geral, não só da classe média. Tivemos uma facilitação da vida no país nos últimos 50 anos - nos tornamos muito mais ricos. Isso gerou nas crianças e jovens uma percepção imediatizada da satisfação das necessidades. Nas classes B e C têm menino de 20 anos que nunca lavou uma louça.

BBC BRASIL - QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESSA VISÃO IDEALIZADA?
Mario Sergio Cortella - Uma parte da nova geração perde uma visão histórica desse processo. É tudo 'já, ao mesmo tempo'. De nada adianta, numa segunda-feira, castigar uma criança de cinco anos dizendo: sábado você não vai ao cinema. A noção de tempo exige maturidade.
Vejo na convivência que essa geração tem uma visão mais imediatista. Vou mochilar e daí chego, me hospedo, consigo, e uma parte disso é possível pelo modo que a tecnologia favorece, mas não se sustenta por muito tempo.
Quando alguns colocam para si um objetivo que está muito abstrato, sofrem muito. Eu faço uma distinção sempre entre sonho e delírio. O sonho é um desejo factível. O delírio é um desejo que não tem factibilidade.

BBC BRASIL - MUITOS DELIRAM NAS SUAS ASPIRAÇÕES?
Mario Sergio Cortella - Uma parte das pessoas delira. Ela delira imaginando o que pode ser sem construir os passos para que isso seja possível. Por que no campo do empreendedorismo existe um nível de fracasso muito forte? Porque se colocou mais o delírio do que a ideia de um sonho.
O sonho é aquilo que você constrói como um lugar onde quer chegar e que exige etapas para chegar até lá, ferramentas, condições estruturais. O delírio enfeitiça.

BBC BRASIL - QUAL É O PAPEL DOS PAIS PARA QUE A BUSCA PELO PROPÓSITO DOS JOVENS SEJA MAIS REALISTA?
Mario Sergio Cortella - Alguns pais e mães usam uma expressão que é "quero poupar meus filhos daquilo que eu passei". Sempre fico pensando: mas o que você passou? Você teve que lavar louça? Ou está falando de cortar lenha? Você está poupando ou está enfraquecendo? Há uma diferença. Quando você poupa alguém é de algo que não é necessário que ele faça.
Tem coisas que não são obrigatórias, mas são necessárias. Parte das crianças hoje considera a tarefa escolar uma ofensa, porque é um trabalho a ser feito. Ela se sente agredida que você passe uma tarefa.
Parte das famílias quer poupar e, em vez de poupar, enfraquece. Estamos formando uma geração um pouco mais fraca, que pega menos no serviço. Não estou usando a rabugice dos idosos, 'ah, porque no meu tempo'. Não é isso, é o meu temor de uma geração que, ao ser colocada nessa condição, está sendo fragilizada.

BBC BRASIL - SEMPRE LEMOS E OUVIMOS RELATOS DE CONFLITOS ENTRE CHEFES E SUBORDINADOS, ALUNOS E PROFESSORES. COMO SE EXPLICAM ESSES CHOQUES?
Mario Sergio Cortella - Criou-se um fosso pelo seguinte: crianças e jovens são criados por adultos, que são seus pais e mantêm com eles uma relação estranha de subordinação. A geração anterior sempre teve que cuidar da geração subsequente e essa vivia sob suas ordens.
A atual geração de pais e mães que têm filhos na faixa dos dez, doze anos, é extremamente subordinada. Como há por parte dos pais uma ausência grande de convivência, no tempo de convivência eles querem agradar. É a inversão da lógica. Eu queria ir bem na escola para os meus pais gostarem, não era só uma obrigação.
Essa lógica faz com que, quando o jovem vai conviver com um adulto que sobre ele terá uma tarefa de subordinação, na escola ou trabalho, haja um choque. Parte da nova geração chega nas empresas mal-educada. Ela não chega mal-escolarizada, chega mal-educada.

Não tem noção de hierarquia, de metas e prazos e acha que você é o pai dela. Obviamente que ela também chega com uma condição magnífica, que é percepção digital, um preparo maior em relação à tecnologia. Fonte: BBC Brasil-25 agosto 2016