sábado, 8 de julho de 2017

No avião, viaja bem quem vai na jaula ou no caixão

Houve um tempo em que viajar de avião era uma experiência divina. Vem nos livros: assentos espaçosos, aeromoças civilizadas, refeições dignas de um casamento real.

Lamento. Nunca conheci esse tempo. Em quatro décadas de vida, foi sempre a piorar. Hoje, regressado de uma viagem de dez horas, pergunto: vale a pena o duplo investimento? Falo do dinheiro para ir e do dinheiro para voltar. "Voltar", aqui, é no sentido ortopédico do termo: haverá fisioterapia para eu voltar a caminhar sem dores.
Tudo começa antes da viagem propriamente dita. O mesmo mundo que conseguiu enfiar um desgraçado na Lua é incapaz de encurtar os tempos de espera. O dia começa cedo, obscenamente cedo, porque é preciso estar duas ou três horas antes no lugar de embarque.

Cumprimos a tortura (de despertar) e depois cumprimos a outra (de carregar): são malas de 20 kg, nunca menos, que arrastamos pela madrugada até o táxi chegar.
O aeroporto se ergue no horizonte. Entramos. O cenário é Ellis Island, nos idos de 1900: filas quilométricas que se mexem com velocidade paquidérmica.

Nós, ensonados, já cansados, vamos empurrando a mala a pontapés. Às vezes ela cai sobre o companheiro da frente. O companheiro nem reage. Somos como os animais que caminham para o matadouro sem a energia suficiente para fugir ou chorar.
Segue-se para o controle de segurança. Removo o laptop. Descalço os sapatos. Tiro o cinto. Baixo as calças. O segurança diz que as calças não são necessárias. Passamos pelo detector de metais. Algo apita.

Os guardas aproximam-se com cara de caso e revistam-nos como se fôssemos criminosos potenciais. Nada encontram e nós suspiramos de alívio. Temos a vaga impressão de que não cometemos nenhum crime, mas nunca se sabe: como dizem os médicos, um paciente saudável é alguém que não foi devidamente analisado.
Caminhamos para a porta de embarque. Nos aeroportos modernos, isso significa que, a meio do percurso, pensamos seriamente se não é preferível esquecer o voo e continuar a pé até ao destino. Desistimos. Felizmente, só faltam 50 quilômetros para a porta de embarque.
Na porta, ninguém embarca. Mas já existem filas de passageiros que preferem esperar em pé porque se esqueceram que o voo tem lugares marcados. Sempre contemplei esses infelizes com caridade cristã: duas horas no aeroporto e eles já não pensam; seguem o rebanho e torturam-se sem necessidade.

Entramos no avião. Ou melhor, eu entro, sempre em último, e os companheiros lançam-me olhares de desprezo, só porque eu tive a desfaçatez de esperar sentado.
O meu lugar está ocupado com bolsas, livros, comida, às vezes uma criança de colo. Quando informo que o lugar é meu, a luz que existia no olhar do parceiro do lado extingue-se de imediato. Como é fácil destruir a esperança de um ser humano.

Sento-me. Melhor: encaixo-me. E ali fico, um corpo embalsamado: se me jogassem numa vitrine do Museu Britânico, eu seria mais uma múmia esperando pelo seu retrato.
Vem a comida. É o melhor momento da viagem. Nunca entendi aqueles que reclamam do produto. Eu provo, aprovo e até peço para embrulhar: tenho dois cães em casa que esperam ansiosos pelo manjar.

Cansado, esfaimado e delirante, sonho com lugares paradisíacos. No meu caso, esse lugar é sempre o mesmo: a parte de trás de uma ambulância, onde vou finalmente deitado na maca.
Acordo na aterrissagem, levanto-me e uma estranha sensação invade o meu corpo. Por momentos, penso que é a alegria de ter sobrevivido. Afinal, é apenas a minha circulação sanguínea a regressar.

E no futuro? A coisa promete. Leio em algum lugar que a Boeing tem um novo modelo na praça: é o 737 MAX 10. Com 230 lugares (o primeiro Boeing 737 tinha 124 assentos), o avião tenciona transportar mais gente em menos espaço. Creio que isso só será possível quebrando as articulações dos passageiros, mas prometo investigar.

Quando partilhei a informação com um colega viajante, ele rosnou: "Melhor ir no porão". Pobrezinho! Como é inocente! O porão! Será que ele não sabe que o porão não é para a gente? É para animais ou cadáveres, duas classes que estão ligeiramente acima dos passageiros regulares? Digo mais: na aviação comercial moderna, só viaja bem quem vai na jaula ou no caixão. Razão tinha o poeta: quando viajar é preciso, viver não é preciso. Fonte: Folha de São Paulo - 04/07/2017-João Pereira Coutinho - Escritor português

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Por que os cientistas falam em uma epidemia de miopia

Nos últimos 50 anos, o número de pessoas míopes duplicou. Estima-se que em 2020 um terço da população mundial terá o problema na visão, em 2050, a metade.
"Estamos em meio a uma epidemia global de miopia", disse o médico Earl Smith, professor de desenvolvimento da visão e decano da Faculdade de Optometria da Universidade de Houston, nos Estados Unidos.
E essa epidemia tem mais incidência entre os jovens do leste da Ásia, em países como China e Coreia do Sul, onde o problema afeta quase 90% dos estudantes que concluem o Ensino Médio.
Em outras regiões do mundo, embora os números não sejam tão alarmantes, a condição também avança.
As pessoas míopes podem ver claramente os objetos que estão próximos, mas não conseguem focar objetos distantes.
Ela ocorre quando o globo ocular cresce demais e fica maior do que o normal. Essa condição visual costuma se manifestar quando as crianças estão em idade escolar e piora gradualmente até que o globo ocular complete seu crescimento.
Se não for detectado e corrigido com lentes, a miopia pode progredir e, com o tempo, aumentar significativamente o risco de catarata, glaucoma, desprendimento da retina e maculopatia míope.
Além disso, está entre as três primeiras causas de cegueira permanente no mundo.

QUAL É A CAUSA?
Os especialistas acreditam que a genética tenha um papel no desenvolvimento da miopia, mas não é o único fator.
"Há algo em nosso comportamento e nosso ambiente que está contribuindo para o aumento de casos de pessoas míopes", garante Smith, que recebeu financiamento de US$ 1,9 milhão (R$ 6,3 milhões) exatamente para investigar as causas e estratégias de tratamento.
Muitos estudos mostram que as pessoas que passam mais tempo ao ar livre são muito menos propensas a desenvolver miopia que aquelas que permanecem a maior parte do dia entre quatro paredes.
"A demanda educacional cada vez mais exigente e o fato de se passar mais tempo em espaços fechados são fatores que contribuem para que uma pessoa se torne míope", acrescenta Smith.
"Na Ásia, entre 80% e 95% dos jovens que terminam o Ensino Médio nas zonas urbanas têm miopia, e já evidências fortes de que o índice também está aumentando nos Estados Unidos e na Europa", disse ainda o especialista, um dos líderes no tema.
"Nas situações em que há uma expectativa educacional alta, é mais provável que as pessoas desenvolvam miopia. Considere nossos próprios estudantes de optometria como exemplo: aproximadamente metade se torna míope durante os quatro anos de estudos aqui", contou o professor da universidade de Houston.
Smith e sua equipe estão agora se debruçando sobre os fatores ambientais, como a exposição a certos tipos de luz, que podem ter um impacto sobre o crescimento do globo ocular que leva à miopia.

O QUE PODEMOS FAZER?
A miopia não tem cura nem é reversível, mas o uso de óculos pode impedir ou desacelerar o avanço da condição.
Também há cirurgia com laser que altera a forma do globo ocular para corrigi-lo, embora esse procedimento não seja recomendado em crianças ou jovens que ainda estão em processo de crescimento.
A maioria dos pesquisadores concorda que estimular crianças a brincar ao ar livre ajuda a reduzir o risco de desenvolver o problema.
Também há estudos mostrando que, ao brincar ao ar livre, a miopia infantil pode avançar num ritmo mais lento.
Os especialistas acreditam que isso tem a ver com o fato de que os níveis de luz no exterior são muito mais altos que no interior.
Por outro lado, passar muito tempo focando a vista em objetos muito próximos, como lendo, escrevendo ou usando dispositivos portáteis como celulares, tablets ou laptops, pode aumentar o risco miopia, segundo o NHS, o serviço público de saúde britânico. Fonte: BBC Brasil - 13 junho 2017

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Os japoneses que desistem das mulheres pelo 'amor' a bonecas

O japonês Masayuki Ozaki, de 45 anos, diz estar apaixonado por sua boneca sexual.
"Mesmo quando as coisas não vão bem no trabalho, ou se eu tiver um dia ruim, me sinto seguro ao saber que ela está sempre acordada, me esperando", diz ele.
Dados indicam um número crescente de homens japoneses substituindo as parceiras de carne e osso.
Cerca de 2 mil bonecas são vendidas no país todos os anos, com preços a partir de R$ 20 mil.

Alguns clientes desenvolvem uma relação emocional com elas.

É o caso de Senji Nakajima, de 62 anos, que diz ter "desistido" de namorar seres humanos.

Para especialistas, por trás dessa tendência, está a solidão masculina. Fonte: BBC Brasil Brasil - 5 de julho de 2017  

Comentário:
O mundo intergaláctico desceu à Terra, pois a vida online será predominante. Pelo jeito a realidade da Barbarella está acontecendo; sexo virtual, sexo online, talvez algum tempo, a geração da internet  esquece  o sexo físico, faz pelo tablet, celular, ou sexo oral chupando os dedos ou um simples agradecimento.
No filme  Barbarella o  sexo é encarado de maneira diferente. O único contato corporal é feito com a palma da mão ou através de pílula, o casal tem orgasmos violentos. O mundo real irá para o museu ou terá um parque temático humano.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Elomar - Das Barrancas do Rio Gavião

Elomar na década de 1960 formou-se em Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia.  Ele prefere viver a maior parte do seu tempo nas suas fazendas. A Fazenda Gameleira, que ele chama de Casa dos Carneiros, imortalizada na música Cantiga do Amigo, está a 22 Km de Vitória da Conquista, na Fazenda Duas Passagens que se localiza na bacia do Rio Gavião e na Fazenda Lagoa dos Patos, na Chapada Diamantina.

Depois que gravou seu primeiro disco …Das Barrancas do Rio Gavião, passou a investir mais na sua carreira musical, bastante influenciada pela tradição ibérica e árabe que a colonização portuguesa levou ao nordeste brasileiro, mas foi só no final dos anos 1970 e início dos 80 que deu menos ênfase à arquitetura para dedicar-se à peregrinação pelos teatros do país, de palco em palco, tocando e interpretando o seu cancioneiro e trechos do que viriam a ser suas composições de formato erudito, como autos.

Boa parte dos textos musicais e obras de Elomar são escritos em linguagem dialetal sertanês; título de linguagem atribuída por ele.

Com seu estilo típico de tocar violão, muitas vezes alterando a afinação do instrumento, Elomar criou fama entre o universo violeiro. Gravou em 1990 o festejado disco "Elomar em Concerto", acompanhado pelo Quarteto Bessler-Reis. Avesso à exposição na mídia para divulgação do seu próprio trabalho, prefere a vida reclusa da fazenda, longe das grandes metrópoles, criando bodes.
Mesmo assim, algumas de suas composições ficaram relativamente famosas, como "Clariô", "O Violeiro", "Arrumação" e "O Peão na Amarração". Fonte: Wikipédia

domingo, 2 de julho de 2017

As raízes da corrupção no Brasil

Como o modelo de colonização lançou as bases para a difusão da corrupção, que seguiu encontrando terreno fértil para se manter na esfera pública, alimentada pela falta de punição e pela manutenção de elites no poder.

A cordialidade da elite do município de Curuzu enganou Policarpo Quaresma. No início, o personagem central da obra de Lima Barreto chegou a pensar que a intimação assinada pelo simpático presidente da Câmara era apenas uma brincadeira. Mas o documento era uma vingança. Ao se recusar a entrar no jogo da corrupção local, Policarpo se tornou alvo de represálias.

No romance de 1911, a corrupção na esfera pública não surge como fenômeno novo, mas aparece como mal característico da sociedade, o qual a República não demonstra interesse em suprir. As represálias sofridas por Policarpo escancaram o uso do patrimônio público para interesses privados.

Essa confusão tem sua origem séculos antes da publicação do romance. A ausência de distinção entre público e privado (patrimonialismo) e favorecimento de indivíduos com base nos laços familiares e de amizade (clientelismo) foram características do modelo de colonização aplicado no Brasil.

Tolerada pela Corte e ignorada pela Justiça, a corrupção encontrou, desta maneira, em solo brasileiro, condições propícias para sobreviver e se difundir na cultura do novo país durante a sua formação.

Sem uma ruptura real com as práticas patrimonialistas e clientelistas, depois das duas primeiras grandes mudanças no sistema político – a independência e a proclamação da República – a corrupção continuou ganhando terreno em instituições públicas e no cotidiano brasileiro.

"Desde a colônia, temos um Estado que nasce por concessão, no qual a instituição pública é usada em benefício próprio. A corrupção persiste no Brasil devido a essa estrutura de colonização", diz a historiadora Denise Moura.

PLANTANDO A SEMENTE
Diante da dificuldade de encontrar súditos dispostos a deixar o conforto da Corte em troca de aventuras no território selvagem recém-descoberto, a concessão de cargos foi o mecanismo usado por Portugal para garantir seu domínio e explorar as riquezas da nova colônia.

Para os que aceitavam vir ao Brasil, esses cargos trariam não somente prestígio social, mas, principalmente, vantagens financeiras. Durante o período colonial, o pagamento de propinas a governantes e funcionários reais era uma prática tolerada e até regulamentada por lei.

A colonização com as concessões institucionalizou na sociedade a percepção do bem público como privado. Ao ganhar um cargo público do rei, os beneficiários tornavam-se donos destes postos e, com o aval da Corte, os utilizavam para o favorecimento próprio, além de amigos e familiares.

Essas práticas foram se difundido por todo o país durante os mais de três séculos do período colonial e, com a manutenção da mesma elite no poder depois da independência do país, em 1822, elas continuaram a encontrar um terreno fértil para prosperar.

"A diferença em relação ao Antigo Regime era que a Coroa não concedia mais mercês que implicavam em gastos de dinheiro público. Ela usava apenas a moeda simbólica dos títulos de nobreza para premiar as pessoas. Mas as práticas clientelistas, ou seja, o favorecimento dos amigos à margem da lei, eram vistas pelos chefes políticos como indispensáveis para manter e conquistar apoio político", afirma o historiador José Murilo de Carvalho.

Pouco mudou neste cenário 67 anos depois da independência, em outro grande momento da histórica política do Brasil: a proclamação da República, em 1889. De acordo com Carvalho, o patrimonialismo e o clientelismo, embora entrassem em conflito como os valores republicanos, continuaram presentes no novo sistema.

"Os valores republicanos, sobretudo a valorização da coisa pública e sua distinção da coisa privada, até hoje não foram totalmente absorvidos no Brasil por ricos ou pobres. A proclamação da República implicou mudança na forma de governo, não nos valores", ressalta o historiador.

Fontes históricas sugerem, por exemplo, a continuidade da prática de pagamentos de propina, como no caso de concessões para construção de ferrovias durante a Primeira República.

MESMA PRÁTICA, PERCEPÇÃO DIFERENTE
Apesar da propagação de determinadas práticas, ocorreu ao longo da história uma mudança na maneira como essas ações eram vistas pela sociedade. Um exemplo seria o pagamento de propina: que foi tolerado no período colonial e que, mais tarde, passou a ser considerado corrupção. Há também uma transformação na percepção da própria corrupção em si.

De acordo com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, a partir da década de 1880, o Império passa pela primeira vez a ser acusado por prática de corrupção, com casos sendo noticiados na imprensa. As acusações dizem respeito, porém, ao sistema – e não ao indivíduo.

A percepção da corrupção associada ao sistema predominou durante o Império e a Primeira República. Segundo Carvalho, nesta época, na visão de quem denunciava a prática, a monarquia ou a república eram corruptas por não promoverem o bem público e serem consideradas despóticas e oligárquicas.

Somente a partir de 1930 começa uma mudança neste entendimento, que culmina na alteração do seu sentido, em 1945, com a criação da União Democrática Nacional (UDN), que passou a associar a corrupção a indivíduos. Anos depois, acusações de corrupção individual resultaram na queda de Getúlio Vargas, acusado de ter criado um mar de lama no Catete.

Mesmo com a mudança de percepção, com indivíduos sendo acusados nominalmente, a corrupção continuou encontrando terreno para se manter presente na esfera pública. Essa persistência, de acordo com especialistas, se deve principalmente à impunidade.

"Outro fator que contribuiu para a situação atual, inédita no que se refere à dimensão adquirida pela corrupção, foi a tradição de impunidade dos poderosos, essa sim, presente desde a Independência, e que atribuo à fragilidade dos direitos civis. Vários privilégios protegem os poderosos, como o foro privilegiado, a prisão especial, as múltiplas possibilidade de recurso e a capacidade de contratar advogados caros", afirma Carvalho.

Segundo Moura, a impunidade, assim como a corrupção, também faz parte da cultura brasileira e impediu o combate a essas práticas ao longo da história. A historiadora afirma que estão ocorrendo avanços nos últimos anos, mas uma verdadeira mudança ainda deve demorar para acontecer.

"A sociedade avançou muito no sentido de punir, mas não dá para varrer em poucos anos uma cultura. Não devemos esperar que a corrupção, no caso brasileiro, será suprimida da noite para o dia. Para mudar uma mentalidade são necessários séculos", ressalta Moura. Fonte: Deutsche Welle - Data 12.06.2017