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sábado, 12 de novembro de 2016

Diário da Europa - GPS

Anos atrás, lembro-me de assistir a um documentário inglês que nunca mais esqueci. Sobre a formação dos taxistas em Londres. Coisa exigente?

Digamos apenas isso: desconfio que um doutorado em Harvard seria ligeiramente mais fácil. Para dirigirem em Londres, os candidatos entregam-se a uma preparação minuciosa, fatigante, demencial, memorizando cada avenida, rua, beco com precisão fotográfica.

Depois, quando se sentem preparados para o exame oral, apresentam-se perante o Grande Inquisidor - uma figura sinistra em seu requintado sadismo - que colocava ao candidato tremelicante perguntas do gênero: "Eu estou na rua X e pretendo ir para a rua Y. Qual o trajeto mais próximo?"

O candidato descrevia o trajeto de memória - isso, claro, se não desmaiasse ou tivesse um infarto entretanto. Não sei como estão as coisas hoje em dia. Em Londres, não tenho tido motivos de queixa.

Em Lisboa, pelo contrário, cresce o número de motoristas que desconhece endereços básicos. De tal forma que eu próprio já me ofereci várias vezes para dirigir o táxi. A culpa, segundo parece, é do GPS: se o endereço não existe no GPS, nada feito. Usar a cabeça (e a memória) é primitivismo do século passado.

Aliás, a cultura do GPS é tão avassaladora que, segundo as notícias, as próprias gôndolas de Veneza passarão a ter um aparelho para ajudar os gondoleiros. 
Imagino a cena: o casal, abraçado e apaixonado, passando sob a Ponte dos Suspiros. E, no momento em que se preparam para um beijo, a maquineta dispara com a sua voz mecânica: "Daqui a trinta metros, vire à direita." Se o amor sobrevive a isto, sobrevive a tudo. Fonte: Folha de São Paulo - 21/10/2013 - João Pereira Coutinho, escritor português. 

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