domingo, 4 de junho de 2023

Semana de quatro dias é o futuro do mundo do trabalho?

 Trabalhar menos, mais tempo livre: para muitos empregados, a jornada semanal de quatro dias é um sonho. Alguns países já realizaram projetos-pilotos, outros ainda estão céticos. Quais são as vantagens e desvantagens?

Para início de conversa, semana de quatro dias não é igual a semana de quatro dias. Há que distinguir entre dois modelos: no primeiro, as 40 horas usuais são distribuídas por quatro dias, em vez de cinco, resultando em jornadas diárias de dez horas. Esse modelo foi introduzido na Bélgica, por exemplo, onde os empregados podem decidir se preferem concluir suas tarefas em quatro dias, sem que haja uma redução da carga total.

 O segundo modelo segue o princípio "100-80-100", ou seja; 100% do trabalho em 80% do tempo por 100% do salário. Uma série de países europeus já testou essa alternativa, nos últimos anos. A Islândia, por exemplo, experimentou entre 2015 e 2019 a eficácia da jornada semanal abreviada.

Também a Espanha inicia uma fase de testes em empresas de pequeno e médio porte, em que 30% do pessoal terá uma redução da carga horária de, no mínimo, 10%, mantendo-se o salário. E a França experimenta a semana de 35 horas distribuídas por quatro dias. Também no resto do mundo, esse modelo vem sendo aplicado há bastante tempo, por exemplo na Nova Zelândia, Japão e Estados Unidos.

Mas quais são as vantagens e desvantagens?

Vantagens da semana de quatro dias:

Menos estresse com produtividade igual

Os projetos-pilotos realizados até agora têm acusado efeitos francamente positivos. Num estudo britânico divulgado em 2023, os funcionários se mostraram menos estressados e apresentavam risco menor de afecções psíquicas como o burnout (esgotamento profissional).

Também a ansiedade, cansaço e distúrbios de sono diminuíram no período dos testes que envolveram 61 empresas com um total de cerca de 2.900 empregados. A maioria delas afirmou que pretendia manter a jornada de quatro dias em caráter duradouro, estando o aumento do bem-estar entre seu pessoal entre os principais motivos para essa decisão.

Menos empregados doentes

Ao mesmo tempo, os funcionários pediram menos licenças médicas. Motivo para tal seria o fato de disporem de tempo suficiente para se recuperar, e a redução da pressão, avalia a psicóloga Hannah Schade, do Instituto Leibniz Pesquisa sobre o Trabalho, da Universidade Técnica de Dortmund.

Segundo ela, esse também é um ponto importante para esclarecer como se poderia financiar a semana de quatro dias. Pois cabe levar em consideração os altos custos de ter grande parte do pessoal em licença médica, ou sofrendo distúrbios psíquicos dentro da empresa.

Mais igualdade de gênero, menos escassez de mão de obra

A jornada semanal de quatro dias também pode contribuir significativamente para mais equiparação de gênero no local de trabalho. Como frisa a psicóloga laboral Schade, o estudo britânico indicou que, nesse regime, os homens se ocupam mais das tarefas domésticas, como o cuidado dos filhos ou de familiares necessitados.

Bernd Fitzenberger, diretor do Instituto de Pesquisa de Mercado de Trabalho e Atividade Profissional, vê ainda uma vantagem decisiva da jornada reduzida para o combate à escassez de mão de obra: "Ela torna os empregos mais atraentes, potencializa o número de candidatas e candidatos em campos nos quais as empresas estão procurando pessoal ansiosamente."

Com a jornada reduzida, as famílias poderiam coordenar melhor profissão e cuidados infantis, e para as mulheres – que nos casais alemães continuam sendo quem tem que abrir mão da carreira – seria mais fácil retornar ao expediente integral.

Vantagens para o clima?

É difícil aferir se a redução da carga horária tem efeito concreto sobre o clima. O think-tank Konzeptwerk Neue Ökonomie afirma em seu website, por exemplo, que com uma semana de quatro dias "também o consumo de energia e recursos dos ramos e rotas para o trabalho poderá ser diminuído". Como a pegada climática de cada funcionário se reduz, contudo, depende do estilo de vida individual.

Empresas mais atraentes para candidatas/os a emprego

Embora a jornada de quatro dias seja acima de tudo uma reivindicação dos empregados, também os patrões poderiam lucrar com sua implementação. "Toda empresa ganha uma dianteira de competitividade se oferece a semana de quatro dias", afirma Schade.

Entretanto não é o modelo que mantém as 40 horas que torna as firmas mais atraentes, mas sim uma redução efetiva da carga horária, e, segundo a psicóloga, "para isso os candidatos também estão dispostos a abrir mão de outras coisas".

Jovens utilizam computadores e celulares em local de trabalho compartilhadoJovens utilizam computadores e celulares em local de trabalho compartilhado

Desvantagens da semana de quatro dias:

Pelo contrário: mais estresse?

Uma desvantagem do modelo poderia ser a condensação da carga de trabalho, aponta o economista Bernd Fitzenberger. Ter que realizar mais em menos tempo também pode provocar mais estresse. Na Bélgica, a carga de 40 horas é mantida, embora distribuída por quatro dias. Os empregados têm a alternativa de diminuir essa carga, porém aí também o salário sofre cortes proporcionais.

Dificuldade de medir produtividade objetivamente

Holger Schäfer, do Instituto da Economia Alemã (IW), em Colônia, está entre os economistas que veem a semana de quatro dias com ceticismo: para ele, não está claro como se pode sequer medir a produtividade, não havendo modo de "verificar acima de qualquer dúvida como ela se desenvolveu nas empresas".

Seu colega Fitzenberger aponta a possibilidade de que o novo modelo até mesmo acarrete aumento dos custos empresariais, "lá onde a jornada reduzida ou a concentração da carga de trabalho em quatro dias não pode ser compensada por incrementos de produtividade".

Ameaça à competitividade nacional

O chefe da bancada parlamentar do Partido Liberal Democrático (FDP), Christian Dürr, se preocupa que a introdução de jornadas reduzidas possa comprometer a competitividade da indústria da Alemanha.

"Diante da gritante escassez de mão de obra, a proposta de uma semana de quatro dias é francamente incompreensível", declarou a jornais do Funke Mediengruppe. Para o líder da sigla pró-empresariado, não há dúvida: em vez fortalecer a economia nacional, esse novo regime de trabalho a prejudicaria.

Por sua vez, Fitzenberger acha possível as firmas compensarem essa eventualidade configurando as rotinas de trabalho mais produtivas, através de inovações tecnológicas.

Semana reduzida não é praticável em todos os setores

Para o especialista em mercado de trabalho, contudo, o problema maior é até que ponto o jornada de quatro dias pode ser implementada nos diferentes setores da economia: "Vai ser um desafio para campos em que os serviços precisam ser prestados aqui e agora, em horários fixos, a clientes, a indivíduos que dependem de cuidados."

Nos setores de cuidados pessoais, segurança ou transportes, é mais difícil do que em outros adotar a jornada de quatro dias: "Se aplicássemos uma norma rígida, afetando igualmente todos os ramos, isso poderia comprometer a competitividade", considera Fitzenberger.

Novas perspectivas para o mundo do trabalho

 Na visão da psicóloga Schade, o tema precisa ser considerado num período mais longo. Por um lado, porque menos licenças médicas têm efeito positivo de longo prazo sobre a economia; por outro, tanto os indivíduos quanto as empresas precisam primeiro se adaptar à nova forma de trabalhar.

"Mudança sempre significa risco, também", lembra, e isso desencadeia medo. No entanto os números já falam: numa pesquisa realizada na Alemanha, mais de três quartos se pronunciaram pela adoção da jornada semanal em suas empresas, sobretudo os consultados abaixo dos 40 anos de idade. Fonte: Deutsche Welle - 08/05/2023 

domingo, 28 de maio de 2023

Seca na Espanha ameaça tornar azeite de oliva item de luxo

Oliveiras sofrem com falta de água e altas temperaturas, e colheita deste ano deverá ser pior que a anterior, que já foi ruim. Essencial na dieta mediterrânea, azeite custa hoje na Europa 50% mais que há um ano.

"Senhor, mandai-nos chuva!", clamavam as vozes de uma recente procissão liderada por Sebastián Chico, bispo da cidade de Jaén, capital da província de mesmo nome, no sul da Espanha. Apesar do reforço de muitos olivicultores da região que acabaram se juntando à caminhada religiosa, o pedido lançado aos céus ainda não foi atendido.

No próprio dia da procissão, o sol fustigava os olivais. Há meses não chove na província de Jaén. Se o tão esperado milagre da água não acontecer logo, há o risco de grandes quebras de safra pelo segundo ano consecutivo. Uma catástrofe para os agricultores que é sentida também pelos consumidores: os preços do azeite, já bastante elevados, devem subir ainda mais.

"Sem água, não tem azeitona. E sem azeitona, a província sofre", preconiza o bispo Chico. "Nossa economia depende da produção de azeitonas." Com cerca de 630 mil habitantes e 66 milhões de oliveiras, Jaén é considerada a mais importante área olivícola do mundo. Aqui é produzido o azeite destinado a grande parte da Europa.

Seca na Espanha: moradores de Perelada, norte do país, carregam uma imagem de Jesus Cristo durante uma procissão pedindo chuva, em 27 de abril de 2023.Seca na Espanha: moradores de

ÁGUA PARA PESSOAS E TURISTAS, MAS NÃO PARA PLANTAS

Os meteorologistas, no entanto, não trazem boas notícias para os agricultores. A escassez de água na Espanha, que ameaça não apenas os olivicultores de Jaén, mas também grande parte da agricultura espanhola, ainda deve continuar por muito tempo. Segundo a agência meteorológica estatal Aemet, não há previsão de chuvas fortes ​​até o outono europeu, que começa em setembro. E os pesquisadores do clima alertam: a longo prazo, a Espanha deve se preparar para temperaturas mais altas e ainda menos precipitações.

O drama vivido pelos moradores de Jaén se reflete nas barragens no interior do país. Agora, em plena primavera, os reservatórios estão apenas 25% cheios. Isso é suficiente para abastecer a população e os turistas com água potável, mas não os agricultores. Embora precisem desesperadamente da água para salvar seus campos de oliveiras, eles recebem apenas um quarto da quantidade normal.

OLIVEIRAS EM RISCO

"A situação é catastrófica", diz Juan Luis Ávila, olivicultor de Jaén. "Este ano não só a colheita está em perigo, mas o futuro das plantações de oliveiras como um todo."

Nas últimas semanas, várias ondas de calor, com temperaturas de quase 40 graus, literalmente queimaram as flores brancas de muitas oliveiras. Grande parte da safra de azeitona, normalmente colhida de novembro a fevereiro, já foi perdida, um panorama que nunca foi tão ruim.

"A oliveira é capaz, sim, de suportar temperaturas muito altas, mas apenas se receber água suficiente", explica Ávila, que também é porta-voz da indústria olivícola na associação de agricultores COAG. Quando há falta de água extrema, a árvore não tem forças para formar frutos saudáveis.

A última temporada já havia sido ruim. Escassez de chuvas e fortes ondas de calor também ocorreram em 2022, o ano mais quente já registrado na Espanha. "Colhi 70% menos do que nos anos anteriores", conta Ávila, prevendo que a próxima temporada irá trazer ainda menos produção.

OUTROS PAÍSES TAMBÉM SOFREM COM A SECA

O pessimismo de Ávila é compartilhado pela maioria dos olivicultores espanhóis. Com quase 1,5 milhão de toneladas de azeite oriundos da safra 2021/22, a Espanha viu sua produção cair para apenas 680 mil toneladas em 2022/23 – menos da metade. Se as previsões sombrias para 2023/24 se concretizarem, a próxima safra poderá registrar grandes perdas novamente.

Mas não é apenas na Espanha que esta seca do século vem causando danos gigantescos às colheitas. A situação não parece estar muito melhor para os olivicultores em Portugal ou na Itália, o que coloca pressão adicional sobre os preços do azeite no mercado europeu.

Segundo estatísticas da União Europeia, quase 2,3 milhões de toneladas de azeite foram produzidas na Europa em 2021/22, caindo para pouco menos de 1,4 milhão de toneladas em 2022/23. As quebras de safra no setor oleícola europeu só não foram maiores devido à Grécia, onde até agora houve menos falta de água. A Grécia foi o único país produtor europeu que conseguiu aumentar sua produção de azeite na última safra.

FALTA DE ÁGUA ELEVA PREÇOS DE ALIMENTOS

A seca nas plantações de azeitona tem feito com que os preços do óleo subam para níveis recordes: de acordo com uma pesquisa da UE, o azeite na Europa custa hoje em média 50% a mais do que doze meses atrás. O que significa que o azeite, parte indispensável da famosa dieta mediterrânea, corre risco de se tornar um item de luxo.

"O choque do custo do azeite é uma evidência de que a seca está causando o aumento dos preços dos alimentos", escreve o El País, o maior jornal da Espanha. De acordo com os últimos dados disponíveis (de março de 2023), os preços dos alimentos no país aumentaram 16,5% em doze meses – em toda a UE, o aumento foi de até 19,2%. A crise climática poderia desencadear uma crise alimentar?

MISTURA DE AZEITE COM ÓLEO DE GIRASSOL

Na tentativa de contornar a crise, alguns fabricantes espanhóis têm usado a criatividade. Uma das soluções encontradas foi misturar o precioso azeite de oliva com óleo de girassol, que é muito mais barato, e vender o novo "produto" a preços mais baixos. O fato de se tratar de uma mistura, camuflada por um rótulo de azeitonas verdes e brilhantes, só fica claro para quem se dá ao trabalho de ler as letras miúdas. Fonte: Deutsche Welle - 08/05/2023