Lançado na madrugada de
domingo (28/02), o primeiro satélite 100% nacional vai monitorar o
desmatamento, sobretudo na região amazônica, como seu próprio nome sugere.
Batizado de Amazonia-1, ele foi totalmente projetado, integrado e testado pelo
país — e, a partir de então, será também operado exclusivamente pelo Brasil.
Desenvolvido pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integra a chamada Missão Amazônia: um
esforço da entidade em melhorar o chamado sensoriamento remoto da natureza
brasileira.
Conforme enfatiza o Inpe em
texto que apresenta o trabalho, além da floresta amazônica, "os dados
gerados serão úteis para atender, ainda, a outras aplicações correlatas, tais
como: monitoramento da região costeira, reservatórios de água, florestas naturais
e cultivadas, desastres ambientais, entre outros”.
O Amazonia-1 é o terceiro
satélite a realizar tal trabalho para o Brasil. Ele se soma aos CBERS-4 e
CBERS-4A, que já estavam em operação.
"Temos a possibilidade
de contar com três satélites com desenvolvimento brasileiro [os outros dois em
parceria com a China] operando simultaneamente. Com isso, será gerado maior
volume de dados para tratamento de questões ambientais e de preservação da
cobertura vegetal”, afirma o diretor do Inpe, o engenheiro eletricista Clezio
Marcos de Nardin.
E a missão prevê, para os
próximos anos, o lançamento de outros dois: Amazonia-1B e Amazonia-2.
"O Amazonia-1 […]
reforçará nosso sistema de aquisição de dados e de geração de imagens”, afirma
Nardin, explicando que o equipamento deve gerar "dados sobre vegetação,
agricultura, compor sistemas de alertas, entre outras aplicações”.
De acordo com com o diretor
do Inpe, a expectativa é que haja um ganho principalmente no volume de dados
obtidos.
USO PARA A AGRICULTURA: Graças
a uma câmera de alta resolução e amplo espectro, o material produzido pelo
satélite também deve ser útil para a agricultura. "Entre as possibilidades
de monitoramento de fenômenos dinâmicos encontram-se as safras agrícolas e a
determinação de queimadas persistentes”, afirma ele.
O equipamento é projetado
para gerar imagens do planeta a cada cinco dias — e, sob demanda, é capaz de
fornecer dados de um ponto específico em dois dias. Em caso de um eventual
desastre ambiental, por exemplo, como o rompimento da barragem em Mariana, em
2015, o monitoramento poderá ser ajustado para o local. Focos de queimada
também poderão ser visualizados. A estrutura conta com 14 mil conexões
elétricas. Se esticados, todos os seus fios chegariam a 6 quilômetros.
Conforme enfatiza o agrônomo
Cláudio Almeida, coordenador do programa de monitoramento da Amazônia e demais
biomas, do Inpe, o maior ganho se dará pela soma. Com três satélites em
operação, um mesmo ponto pode ser "revisitado” em um intervalo de um a
dois dias — conferindo precisão inédita ao monitoramento.
Todo o material coletado deve
ser disponibilizado para a comunidade científica. "O Inpe foi pioneiro na
política de disponibilizar dados de sensoriamento remoto gratuitamente desde
2004. E essa política deve ser mantida para o Amazonia-1, de modo que toda a
sociedade tenha acesso às imagens e possa utilizá-las”, acrescenta Almeida.
O lançamento foi feito na
Índia, para onde o satélite havia sido enviado há dois meses. "Foi
realizada uma concorrência internacional para a escolha do foguete responsável
[pela operação]. A proposta vencedora foi a do Polar Satellite Launche Vehicle,
um lançador indiano”, esclarece Nardin. Para o desenvolvimento do satélite
foram investidos cerca de R$ 300 milhões. A contratação do veículo indiano
custou outros R$ 20 milhões.
Todo o projeto foi concebido
no início dos anos 2000. Até 2008 era conduzido pela Agência Espacial
Brasileira (AEB), autarquia do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
"A complexidade envolvida em projetos espaciais, a necessidade de
estabelecer diversas contratações industriais e a experiência do Inpe nos
desenvolvimentos e contratações industrais fizeram com que esse desenvolvimento
fosse transferido para o instituto [o Inpe]”, conta Nardin. "O Inpe, com
essa bagagem histórica [decorrente de outros projetos de satélites, em parceria
com instituições estrangeiras], recebeu a incumbência de ser o ‘main
contractor' do Amazonia-1. Diversas adequações e adaptações foram necessárias e
implementadas nos anos seguintes. Somente em 2014 o satélite ganhou sua
configuração final.” No total, todo o projeto envolveu mais de 500
profissionais.
O USO DOS DADOS GERADOS: À
DW, o pesquisador Tiago Reis, que estuda ações de combate ao desmatamento e de
uso do solo na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, espera que a
melhoria do monitoramento seja acompanhada de uma eficiência na fiscalização.
"Do ponto de vista técnico, um trabalho primoroso. Mas a questão é: o que
o vamos fazer com esses dados? Será investido mais em fiscalização e combate
aos desmatamentos? Isso é o que interesse”, comenta ele.
"O satélite novo é muito
interessante e realmente vai permitir que o Brasil domine toda a tecnologia de
monitoramento e sensoriamento remoto do desmatamento, com precisão e agilidade.
Mas isso, de certa forma, já temos e de forma boa o suficiente”, argumenta.
"Daqui a pouco, vamos conseguir ver a unha encravada do desmatador. E aí?
O que vamos fazer com essa informação? Vamos ficar só olhando ou faremos alguma
coisa?” Fonte: Deutsche Welle –
01.03.2021