Comentário: Artigo antigo, mas atual, principalmente para o Brasil em
que os trabalhadores estão agarrando os benefícios sociais existentes (
direitos adquiridos?), mas o navio está entrando água ou melhor o Brasil está
olhando para o abismo e o abismo querendo abraçá-lo (buraco negro).
O Estado do bem-estar social basicamente não
passa de um cartel. A diferença entre esse tipo de sistema de proteção e os
monopolistas normalmente encontrados nas salas de diretoria da indústria
privada é que o Estado do bem-estar social não beneficia apenas algumas
pessoas, ele ajuda a muitas.
Na verdade,
beneficia quase todos os cidadãos que vivem dentro de suas fronteiras. Colocado
simplesmente: o Estado do bem-estar social transformou todos nós em
monopolistas. Nós lucramos com suas proteções e com a maneira como ele
distribui a riqueza. Vejam, por exemplo, os banheiros separados para homens e
mulheres que, segundo os regulamentos alemães, são obrigatórios nos locais de
trabalho.
Também
esperamos férias previstas em lei, proteção contra demissão e licenças-médicas.
Se tudo der errado na vida, contamos com o auxílio-desemprego, que juntamente
com os subsídios para habitação e educação dos filhos pode facilmente se
equiparar a um salário de vendedor.
E aí está o
problema: com seus custos excedentes para financiar a rede de proteção social,
o cartel protetor aumenta significativamente os custos trabalhistas de cada
empregado. Mas quando esse cartel é obrigado a competir com um mercado que não
tem proteções nem rede de segurança torna-se uma ameaça, em vez de um escudo
defensivo. Isso ocorre porque um dos principais motivos das diferenças de
preços entre novos e antigos membros do mercado de trabalho mundial é o Estado
do bem-estar social. Seus frutos beneficiam as pessoas em seu interior, mas as
que estão fora apenas ouvem falar deles.
Muitos
membros da fraternidade social correm o risco de não ter uma oportunidade de
ganhar a vida. O que já foi considerado uma importante conquista da civilização
ocidental tornou-se hoje uma pedra amarrada ao seu pescoço.
ATAQUE
AMISTOSO
Mas os
adversários do Estado do bem-estar social vêem de bom grado a grande oferta
mundial de trabalhadores, que já se mostrou o método mais eficaz para destruir
a rede de segurança social. Não é mais necessário clamar por sua destruição ou
instigá-la - ela parece estar ocorrendo por conta própria.
Pode-se
simplesmente ignorar o Estado do bem-estar social encomendando produtos de
países da Ásia que não têm rede de segurança social. Mas essa opção equivale a
defender salários menores e opor-se às proteções que o Estado nos oferece.
Por outro
lado, os amigos do bem-estar social ainda não aceitam que estão sofrendo um
efeito colateral da globalização. Mesmo alguém inteligente como lorde
Dahrendorf, esperando defender o país contra os ataques dos tempos modernos,
fechou os olhos para a verdade. Existe uma esfera pública legítima que não
compete diretamente com outros países e regiões, ele escreve. Nessa esfera
recaem a educação, os impostos e as contribuições sociais. Não podemos citar o
mercado global como panacéia.
Que tolice.
Ninguém está derrubando o Estado do bem-estar social. Ele caiu há um bom tempo,
derrubado pelos ventos da modernidade. A tolice só pode ser explicada pelo fato
de que os países agressores não perseguem o Estado do bem-estar social para
vingar-se. Sobretudo, o ataque é delicado e ocorre principalmente em uma
atmosfera amigável, impedindo que muitos compreendam a verdade.
Os atacantes
não são estranhos: nos mercados livres com consumidores livres, o golpe final
da faca é dado por amigos. O coração do consumidor pode bater à esquerda ou à
direita, mas no momento em que ele pisa num supermercado ou shopping center ele
se recusa a pagar uma contribuição à previdência social.
O consumidor
normal em uma loja de departamentos alemã como Karstadt, na varejista Metro ou
no supermercado de descontos Lidl é um fanático pela globalização. Ele compara
preços e serviços, mas não nacionalidades ou sistemas de seguridade social. Ele
quer seus descontos e não quer despesas adicionais. Ele está interessado no bom
negócio, e não nos negócios sujos que acontecem em outros lugares do mundo.
Mesmo que ele
se considere um romântico, na verdade é um materialista consumado. É somente
fora do horário comercial que ele às vezes tem dúvidas idealistas. E somente
então começa a se perguntar como é possível obter tapetes tão grandes por
preços tão baixos ou por que os computadores e telefones celulares hoje estão
tão baratos.
A cada compra
de um produto do Extremo Oriente, o consumidor dá um golpe no cartel social
doméstico e seus termos de venda. Os consumidores comparam o preço e a
qualidade de um produto, mas não consideram o preço e a qualidade do país que o
produz. Assim, consumidores de todo o mundo ocidental tornam-se executores da
globalização. Na guerra mundial pela riqueza, eles são as tropas de combate
mais importantes para os países agressores. Embora não carreguem armas,
destroem a produção doméstica com suas frias decisões de compra. Hoje em dia
quase tudo o que o dinheiro pode comprar pode ser produzido sem o ingrediente
extra que chamamos de Estado do bem-estar social.
Qualquer um
pode encomendar um carro da General Motors; o preço inclui US$ 1.500 em custos
sociais, segundo cálculos recentes que o presidente do conselho forneceu a seus
funcionários. Seria mais econômico ir até a revendedora Hyundai, já que os
empregados coreanos não recebem um suplemento previdenciário comparável. Em toda
esquina existem máquinas de lavar com um Estado do bem-estar social embutido;
elas vêm da AEG em Nurembergue, produzidas em um ritmo semanal de 38 horas, por
salários mais altos e sob a supervisão do conselho de trabalhadores da empresa.
Mas na loja vizinha existe a máquina de lavar feita em Taiwan, China ou
Polônia, onde as semanas de trabalho são longas e os salários, baixos. Nosso
bom e velho Estado do bem-estar social não existe lá.
Na verdade,
75% da população mundial não têm seguro-desemprego. Embora isso possa colocar
os trabalhadores em desvantagem, certamente dá um empurrão nas vendas de seus
produtos. São somente os trabalhadores - e não os produtos que eles geram - que
devem suportar o risco de doença, pobreza e envelhecimento. No Ocidente ocorre
exatamente o contrário.
DE VOLTA ÀS
ORIGENS
No Extremo
Oriente, em vez de conselho de trabalhadores existe um capataz mandão, que na
melhor das circunstâncias é um pouco indulgente. Isso porque a justiça não é
amiga do empregado no piso de fábrica da concorrência barata. Os empregados têm
permissão para trabalhar, mas não para protestar.
Seu salário é
fixo, e não discutido. E é a família, e não a empresa, que oferece proteção
social - uma situação que beneficia enormemente as vendas de seus produtos.
Cerca de 60%
de todos os eletrodomésticos vendidos na Alemanha hoje são produzidos no
exterior. Os 40% restantes provavelmente terão o mesmo destino num futuro
previsível. A líder de mercado mundial Electrolux está planejando fechar a
metade de suas fábricas que ainda funcionam na Europa, América e Austrália. Uma
fábrica do tamanho da AEG em Nurembergue pode economizar 48 milhões de euros
(US$ 61 milhões) por ano se transferir sua produção para a Polônia. Durante
meses o conselho hesitou em fechar a fábrica de Nurembergue, que tem uma antiga
tradição na Alemanha. O presidente da companhia, Hans Straberg, diz francamente
que além de suas preocupações pelas pessoas ele teme que "o fechamento
também destrua muito capital.".
É o mesmo
jogo na Continental em Hanôver, um dos maiores produtores de pneus do mundo.
Lá, a mão-de-obra representa 30% dos custos de produção, mas na Europa do Leste
essa porcentagem é significativamente menor. Quando a companhia ameaçou fechar
sua produção de pneus para carros na cidade no oeste da Alemanha, os
trabalhadores reagiram oferecendo-se para ampliar sua semana de trabalho sem
remuneração.
Afinal a
oferta não compensou e os empregos foram cortados. "Os trabalhadores
fizeram sua parte, mas não foi suficiente", sugere o presidente Manfred
Wennemer. Os primeiros a ser atingidos pelas demissões são os trabalhadores
simples da produção, mas os que têm formação acadêmica podem segui-los
rapidamente. "Empregamos cerca de 5 mil engenheiros hoje na Continental; a
maioria deles vive em países de altos salários", diz Wennemer. "Essas
certamente serão as próximas arenas em que teremos de examinar os custos."
Mas, antes de
culpar os diretores de empresas e caçadores de ofertas, devemos fazer uma pausa
e refletir. Seria errado censurá-los por egoísmo. Foi uma dupla vontade
política que ligou os países asiáticos e da Europa Oriental à cadeia de
trabalho internacional - a vontade deles e a nossa. Eles quiseram fazer parte
da rede de produção ocidental e unir a deles à nossa. E nós os incentivamos,
apoiamos e muitas vezes também aplaudimos.
A questão
aqui não é o que está errado ou certo. O que importa neste momento é
simplesmente a percepção de que o mercado de trabalho global, como o inventamos
até agora, criou um território de soberania unificada para os produtores de
bens. Hoje a demanda de mão-de-obra muda de uma terra para outra, e
naturalmente prefere os países com os menores custos sociais.
Muitos que
consideram a economia social de mercado como o estágio final da história agora
estão sendo obrigados a admitir que cometeram um enorme erro.
O
capitalismo, graças a uma mão-de-obra e um mercado financeiro globais, ampliou
seu alcance, enquanto a rede de segurança social perdeu terreno. O mercado
ganhou poder, velocidade e aparentemente também inevitabilidade. Mas a vitória
social de ontem empalideceu. Na verdade, o capitalismo está voltando às suas
origens. Fonte: UOL Mídia Global - 31/10/2006
Gabor Steingart - Der Spiegel
O ensaio
foi extraído do best-seller alemão "A Guerra Mundial pela
Prosperidade", do editor da SPIEGEL.