Suas frases são atropeladas umas pelas outras. Traem a ansiedade de quem ficou preso por sete anos e quatro meses. Seu jeito de falar é rápido e tem o acentuado sotaque cubano. Isso tudo denuncia a origem e a situação de Pablo Pacheco, 40 anos, professor de Educação Física e jornalista independente: ele é um dos 11 presos políticos cubanos libertados do cárcere e enviados para o exílio na Espanha.
Grato ao governo espanhol, que o acolheu, ele evita relatar as condições em que vive no hotel de periferia onde foi hospedado – sem privacidade e com banheiros compartilhados. Valoriza estar com a mulher, a médica Oleivys García, 38 anos, e o filho, Jimmy, que completa 12 anos na próxima quarta-feira. Isso o faz dizer que “ninguém no mundo pode estar mais feliz”.
Pacheco faz parte do Grupo dos 75, dissidentes cubanos presos em 2003 em uma onda de repressão política. Em um gesto de flexibilização, o governo de Raúl Castro decidiu libertar, em quatro meses, os 52 integrantes do grupo ainda presos.
Foto-Guillermo Fariñas, o homem que foi um dos artífices para a libertação de 11 presos políticos cubanos.
Fariñas encerrou sua greve de fome no início de julho. Foram 135 dias de jejum – com interrupções para alimentação por via introvenosa, durante hospitalizações – com só um pedido: que pelo menos 26 presos de consciência deixassem o cárcere.
A seguir, os principais trechos:
Zero Hora – Como foi sua libertação?
Pablo Pacheco – No dia 8, o cardeal Jaime Ortega telefonou para mim na prisão e me informou que eu estava entre os que viajariam à Espanha. Estávamos vivendo dias tensos. Nossa liberdade praticamente estava condicionada à vida de um ser humano, Guillermo Fariñas (que, com as libertações, encerrou 135 dias de greve de fome). Então, eu telefonei para Fariñas, pedindo que ele abandonasse sua greve de fome, em nome de todos os presos de consciência (Fariñas acabou fazendo isso depois das libertações).
ZH – Então, o fim da greve de fome de Fariñas foi importante para as libertações?
Pacheco – Vários fatores influíram em nossa libertação. Primeiro, a morte de Orlando Zapata (preso cubano que fazia greve de fome e morreu quando Lula visitava o país). Depois, o valor e a posição firme das Damas de Branco (grupo de mulheres de presos políticos). Também a pressão internacional e a participação da Espanha.
ZH – Por que o sr. foi preso e qual sua situação agora?
Pacheco – Eu estava preso por fazer “propaganda inimiga”, que é criticar o regime. Neste momento, vivo um sonho, ao lado da minha mulher e do meu filho, que tinha quatro anos quando deixei de vê-lo e hoje é um jovem de 11, que vai fazer 12 aninhos na próxima quarta-feira. Estou feliz, ninguém pode ser mais feliz do que eu neste instante. Mas não celebro. Não há motivos para celebração enquanto houver presos políticos em Cuba. Seja aqui na Espanha ou onde eu estiver, mesmo que seja na Antártica, vou ajudar meu país.
ZH – Como ajudar Cuba?
Pacheco – Falando e escrevendo muito. Em Málaga, que será nosso destino, vou trabalhar de dia e escrever à noite. Escrevi um diário na prisão, clandestinamente, e pretendo transformá-lo em dois livros. Um deles vai contar minha vida na prisão. O outro, cujo nome será Amor Verdadeiro, vai contar como o amor entre mim e minha família resistiu a esses sete anos e quatro meses de prisão. Escrever é importante, e falar também. O papel da imprensa é fundamental para a liberdade em Cuba.
ZH – Houve críticas dos cubanos libertados ao presidente Lula, que os comparou a presos comuns brasileiros. Qual é sua opinião sobre isso?
Pacheco – Admiro o presidente Lula. Ele é um dos líderes políticos que mais fizeram pelo Brasil e por nossa América Latina. O Brasil, de uma hora para a outra, converteu-se em um ator principal na região e no mundo. Eu o felicito pelas muitas coisas boas que fez. Deveríamos ter mais Lulas e menos Castros. De qualquer forma, creio que ele se equivocou nesse momento, quando nos comparou aos delinquentes de São Paulo. Creio que, com a cordura que lhe é característica, ele poderia pedir desculpas e, sei lá, dizer que se equivocou. Bem, quem já não se equivocou na vida? Quero dar um recado aos brasileiros: eu, Pablo Pacheco Ávila, não tenho ódio a Fidel Castro, não tenho ódio a Raúl Castro, não tenho ódio às pessoas que me enviaram à prisão nos últimos sete anos e quatro meses. Mas devem compreender que Cuba não é Fidel nem Raúl Castro, é um povo de 11 milhões de pessoas e mais 3 milhões pelo mundo. Um dia, teremos, todos, de nos sentar a uma mesa para conversar sobre o que é melhor para Cuba e, principalmente, para todos os cubanos.
ZH – Há aspectos positivos da Revolução Cubana que deveriam ser mantidos?
Pacheco – Não gosto de dizer que a revolução é o inferno ou o paraíso. Acredito que coisas como o esporte e a educação são muito boas em Cuba.
ZH – O que teria mais a mudar é a liberdade de expressão?
Pacheco – Vocês e todos os que tiverem a possibilidade de gozar da liberdade, defendam-na a tapas. Não existe palavra mais importante para um ser humano do que liberdade. Com liberdade, consegue-se tudo. Liberdade é uma palavra com mais de um sentido. Liberdade, para mim, abarca tudo.
ZH – E a prisão, era insalubre como dizem?
Pacheco – Na prisão onde eu me encontrava, há um preso de consciência do grupo dos 75, Pedro Argüelles Morán, que tem 73 anos e está praticamente cego. Pessoas com mais de 300 feridas não são atendidas. Há mutilados, sem mãos ou pés. É como uma sauna, como um banheiro. Os presos deveriam ser tratados com dignidade, como pessoas. Vou escrever sobre isso no meu livro.
ZH – Vocês não foram tratados como pessoas?
Pacheco – Nos meus primeiros 18 meses de prisão, por exemplo, fiquei em uma solitária, em uma cela toda de cimento. Não me deixavam tomar sol. Me davam pouca comida e água. Fonte: Zero Hora - 18 de julho de 2010
Comentário:
Reafirmando o que diz o cubano na entrevista, todos os que tiverem a possibilidade de gozar da liberdade, defendam-na a tapas. Não existe palavra mais importante para um ser humano do que liberdade. Com liberdade, consegue-se tudo. Liberdade é uma palavra com mais de um sentido. Liberdade, para mim, abarca tudo. Enquanto isso a esquerda só tem memória para a ditadura da direita, da esquerda ela fica muda e calada, desmemoriada.