Há
uma década, Roger Martin, diretor da Escola Rotman de Administração, da
Universidade de Toronto (Canadá), teve uma epifania. A liderança da escola
primária do seu filho havia lhe pedido para se reunir com a diretora, que
estava se aposentando, a fim de descobrir como replicar as lições dela. Ele
descobriu que a diretora prosperara ao pensar por meio de prioridades
conflitantes e opções em potencial, em vez de se aferrar a qualquer estratégia
pré-planejada -a mesma abordagem adotada pelo sócio-gerente de um bem-sucedido
escritório internacional de advocacia da cidade.
"O
momento 'eureca' foi quando pude extrair um elo entre um astro da advocacia voltado
para os bancos de investimentos e uma diretora de escola primária", lembra
Martin. "Pensei: 'Puxa vida, em situações completamente diferentes, essa
gente está pensando de modos muito semelhantes, e pode haver algo de especial
com esse padrão de pensamento'."
Essa
sacada levou Martin a defender uma ideia então considerada radical no ensino de
negócios: que os alunos precisavam aprender a sempre pensar crítica e
criativamente, assim como precisavam aprender finanças e contabilidade.
Precisavam aprender a abordar problemas a partir de muitas perspectivas e
combinar várias abordagens para encontrar soluções inovadoras.
Em
1999, poucos compartilhavam dessa opinião nos EUA. Mas, uma década e um
cataclismo econômico depois, as coisas mudaram. "Acho que há uma sensação
de que as pessoas precisam afiar as suas habilidades de raciocínio, seja
questionando premissas ou examinando problemas a partir de múltiplos pontos de
vista", diz David Garvin, professor da Escola de Negócios de Harvard e
coautor, com Srikant Datar e Patrick Cullen, de um livro ainda inédito sobre o
tema.
Aprender
a pensar de forma crítica é algo historicamente associado ao ensino das artes
liberais, não a um currículo de administração, assim que essa alteração
representa uma mudança de dimensão tectônica para os dirigentes do ensino de
negócios. Martin chega a descrever seu objetivo como uma espécie de "MBA
em artes liberais".
"O
desejo das artes liberais", diz, é produzir "pensadores holísticos
que pensem amplamente e tomem essas importantes decisões morais". "Eu
tenho o mesmo objetivo", agregou.
Com
poucas exceções, a instrução tradicional nas escolas de administração envolve
disciplinas separadas, como finanças, marketing e estratégia, com ênfase em
métodos e análises quantificáveis. Embora alguns já valorizassem o que uma
formação em artes liberais poderia oferecer, a visão dominante era de que esses
elementos não tinham lugar nas escolas profissionais de administração.
Mas,
antes mesmo da reviravolta financeira do ano passado, os executivos de um
mercado global em constante mutação começaram a valorizar gestores capazes de
pensar de forma mais perspicaz por meio de diversos sistemas, culturas e
disciplinas. A crise financeira salientou essas preocupações -nas escolas de
negócios e no próprio mundo dos negócios.
Como
resultado disso, várias escolas de negócios proeminentes têm reavaliado e, em
alguns casos, redesenhado seus MBAs nos últimos anos.
E,
embora poucos falem explicitamente em adotar a abordagem das artes liberais
para a administração, muitas das mudanças estão levando as escolas de negócios
para um território mais tradicionalmente associado às artes liberais: as
abordagens multidisciplinares, a compreensão de perspectivas e contextos
históricos e globais, um maior foco na liderança e na responsabilidade social
e, sim, em aprender a pensar criticamente.
Há
dois anos, por exemplo, a Escola de Pós-Graduação em Negócios da
Universidade Stanford, da Califórnia, fez uma abrangente
mudança curricular que dava mais ênfase a perspectivas multidisciplinares e à
compreensão de contextos culturais. O currículo obrigatório do primeiro
trimestre, por exemplo, agora inclui uma aula chamada "O Contexto Global
da Gestão e da Liderança Estratégica". Alunos de primeiro ano têm uma
disciplina chamada "Pensamento Crítico e Analítico".
John
J. Fernandes, presidente e executivo-chefe da Associação para o Avanço das
Faculdades de Negócios, estima que apenas 25% das escolas filiadas estejam
fazendo mudanças curriculares significativas com foco naquilo que ele chama de
"a criação de líderes mais sustentáveis". Mas ele espera chegar a 75%
em dez anos.
Garvin
acha que há "um imperativo de mudança". "A esta altura",
disse ele, "as forças por uma mudança são reais, a necessidade de mudança
é real, e os projetos já estão em andamento".
Fonte:
Folha de São Paulo - São Paulo, 08 de março de 2010
Comentário:
A essência e origem da Universidade é o pensamento crítico. No Brasil as
universidades e faculdades tornaram-se shopping center de ensino. A maioria vai
lá para passear e pegar o diploma.
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