O que é preciso saber para escapar dos mitos e pensar de
forma realista no desenvolvimento sustentável para a região
1. A AMAZÔNIA NÃO É O PULMÃO DO MUNDO
Árvores fazem fotossíntese, consumindo gás carbônico e
liberando oxigênio – o gás que respiramos para viver. A floresta exuberante da
Amazônia nos faz pensar, então, que está ali uma grande fonte de ar limpo. Só
que as árvores respiram e consomem quase tanto oxigênio quanto produzem. A
maior parte do ar que entra em nossos pulmões vem, na verdade, das algas
marinhas, que fazem processos químicos para reverter gás carbônico em oxigênio.
Por isso, os oceanos são um dos primeiros ecossistemas afetados pelas mudanças
climáticas. Muito gás carbônico no ar altera a capacidade de absorção das algas
e torna os oceanos mais ácidos. Isso afeta a biodiversidade marina. Como
desmatar árvores da Amazônia aumenta a concentração de CO2 na atmosfera, afeta
também a qualidade dos mares. Tudo está conectado.
2. VENDA DA MADEIRA NÃO É A PRINCIPAL CAUSA DO DESMATAMENTO
Derrubar árvores preciosas para vender sua madeira é uma das
etapas do sistema de desmatamento da Amazônia, mas o que acontece em seguida é
pior: a floresta é queimada e vira carvão. Isso libera grandes quantidades de
gás carbônico na atmosfera e destrói de tal forma a floresta, que ela não
consegue se recuperar naturalmente.
Se um madeireiro entrar na floresta e retirar tudo que tiver
valor comercial, ainda restará uma boa cobertura florestal ali, capaz de se regenerar
com o tempo. O problema da busca pela madeira é estar associada às pastagens.
Para abrir novas frentes de ocupação para o gado, o desmatador retira da
floresta as árvores com maior apelo comercial, como jatobás e mogno. Depois,
queima o terreno que sobrou, vende o carvão e planta capim para o gado comer. E
a pecuária sim é a maior vilã do desmatamento atualmente, porque impulsiona
novas ocupações. É responsável por 59% dos desmates.
3. A AMAZONIA NÃO É DO BRASIL
Brasileiros gostam muito de bradar “a Amazônia é nossa” e
esquecem que dividimos o bioma com outros 8 países vizinhos: Bolívia, Colômbia,
Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Um alinhamento
sobre as políticas de preservação e cuidados com a floresta é importante. O que
acontece nos outros países afeta o Brasil. Como boa parte dos rios amazônicos
nasce na Bolívia e no Peru, a construção de hidrelétricas nesses países pode afetar o curso dos rios
aqui. O aumento do desmatamento na Colômbia reduz o ciclo de chuvas e também
pode nos afetar.
Da mesma forma, podemos aprender com nossos vizinhos. O Peru
incentiva o ecoturismo em áreas protegidas, por exemplo. As terras com aptidão
florestal são geridas pelo serviço florestal podem ser cedidas para empresas ou
cooperativas que queiram promover o ecoturismo.
4. O DESMATAMENTO NÃO ESTÁ CAINDO
Desde o pico de derrubadas da Amazônia em 2004, quando 27
mil quilômetros quadrados foram devastados, o governo brasileiro se esforça
para conte-las. Isso funcionou bem por muitos anos com base na estratégia
chamada de comando e controle: monitorar o desmatamento por satélite,
fiscalizar a derrubada de árvores e punir os responsáveis. Dez anos mais tarde,
o desmatamento tinha caído para 5 mil quilômetros quadrados.
Governantes gostam de se gabar desses números. Só que esse
ritmo de queda perdeu a força. Os últimos dados mostram que o desmatamento
voltou a crescer – e muito. Entre agosto de 2014 e julho de 2015, as derrubadas
foram 68% maiores que no período anterior. É o maior desmatamento verificado
pelo sistema do Inpe, o Deter, nos últimos seis anos. Entre as causas apontadas
estão: a alta do dólar que impulsiona o desmatamento porque supervaloriza a
soja e o gado, a baixa eficácia do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em impedir
derrubadas ilegais e o fato de que as unidades de conservação, que na teoria
seriam áreas com controle de preservação, estão repletas de focos de exploração
ilegal da madeira.
5. A AMAZÔNIA NÃO É NOSSO ECOSSISTEMA MAIS AMEAÇADO
Enquanto holofotes destacam crimes ambientais na Amazônia,
há muita devastação acontecendo no bioma vizinho sem que haja tanto alarde.
Entre 2011 e 2012, o desmatamento do Cerrado chegou a superar o da Amazônia e
as taxas não param de crescer. O Cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, se
espalha por oito estados e desempenha um papel crucial para os recursos
hídricos. É nele que nascem vários rios importantes para o país e onde está a
maior parte da agricultura nacional. Apesar disso, está desprotegido. Há poucas
unidades de conservação e a legislação é muito mais permissiva do que na
Amazônia, permitindo muito mais desmatamentos mesmo dentro da legalidade.
6. A AMAZÔNIA NÃO É SÓ FLORESTA
Quando falamos “Amazônia”, muitas vezes estamos nos
referindo à região denominada Amazônia Legal, e não apenas à região em que está
o bioma Amazônia. A Amazônia Legal é uma demarcação administrativa (e não
baseada em conceitos ambientais) que abrange nove estados brasileiros com
alguma parcela do bioma. O mapeamento foi feito nos anos 1950, para orientar subsídios
ao desenvolvimento da região norte. Por uma questão geográfica, inclui-se nessa
área 38% do que é bioma Cerrado e está
sob leis específicas. Propriedades com vegetação de Cerrado dentro da Amazônia
Legal podem desmatar até 65% de suas terras. As que estão fora podem desmatar
80%.
7. A REFORMA AGRÁRIA NA AMAZÔNIA DESTRÓI E NÃO RESOLVE A
POBREZA
Uma parte das terras da Amazônia foi destinada à reforma
agrária e recebeu brasileiros com a esperança de ali melhorar de vida e sair da
pobreza. A esperança foi em vão. Os assentamentos foram organizados sem
preocupação ambiental e as famílias foram enviadas para a floresta sem
orientação de como produzir e se sustentar por ali. Muitos assentamentos não
têm escolas, estradas e postos de saúde. As famílias vivem abandonadas na mata
e não recebem crédito do governo para investir no plantio.
Não é uma regra, mas a opção para muitos é o desmatamento.
Eles vendem as árvores que valem dinheiro e depois o carvão, fruto da queima da
floresta. Sem árvores e sem solo bom, esses colonos continuam na pobreza. Só
quem ganha dinheiro é o madeireiro e o carvoeiro. Muitos colonos acabam
recorrendo à ajuda do governo, como o Bolsa Família, ao invés de desenvolver
sistemas de produção que aproveitem os recursos da floresta.
8. NÃO É PRECISO DESMATAR PARA DESENVOLVER
A ideia de que levar desenvolvimento para uma região
significa acabar com a natureza e instalar em seu lugar uma cidade é
ultrapassada. A região amazônica é rica em recursos florestais e biodiversidade
que podem render ganhos econômicos aliados à preservação ambientais, ou ainda,
ser um bom local para exploração do turismo ecológico. A vocação da Amazônia é
justamente oferecer esses bens que não estão nas cidades. Já existem
experiências que comprovam isso, como a produção de açaí, de essências e até o
reflorestamento. As plantações de árvores em áreas desmatadas criam uma
alternativa para produzir madeira e carvão e reduzem a pressão sobre a floresta
nativa.
Os verdadeiros povos da floresta vivem em países ricos e
desenvolvidos. Convivem razoavelmente bem com seus recursos naturais.
Aprenderam há tempos a valorizar suas florestas. Fonte: Época -29/09/2015
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