Foram especialistas do Sistema Único de Saúde que salvaram a
vida de Jair Bolsonaro após o atentado. Mas o cotidiano de um projeto nacional
tido como único é marcado por ineficiência, burocracia e corrupção.
O paciente que, na quinta-feira passada (12/09), deu entrada
na Santa Casa de Juiz de Fora recebeu dos médicos o alerta de urgência máxima
para o atendimento.
Exatos 15 minutos depois começou a operação de emergência
que salvou a vida do candidato à Presidência Jair Bolsonaro, ferido com uma
facada.
PAGAMENTO DO SUS
O médico que o atendeu receberá R$ 367,06 do SUS pelo seu
trabalho. O hospital, R$ 1.090,80.
ATENDIMENTO GRATUITO
O SUS garante um atendimento gratuito para todos e é
extremamente importante num país onde a maioria da população não pode se dar o
luxo de ter um plano de saúde privado. Governo federal, estados e municípios
arcam com os custos.
"A ideia do SUS, que atinge toda a população, é muito
boa", diz a médica radiologista Flávia Engel Aduan. Mas, apesar de bom no
conceito, na o SUS sofre com a falta de recursos em muitas regiões, um reflexo
do deficit orçamentário de estados e municípios.
Tido como único no mundo, o SUS é um sistema tripartite.
■A base é formada pelas clínicas da família e pelos postos
de saúde, que oferecem atendimento básico em bairros de cidades grandes e nos
municípios menores.
■Os hospitais da assistência secundária tratam doenças
comuns e realizam cirurgias menores.
■O terceiro nível é formado pela clínicas especializadas,
como o Inca.
BOM NA TEORIA
"Bom, assim é na teoria. Mas na prática, não funciona
assim", diz Flávia. O atendimento básico muitas vezes carece de ataduras,
medicamentos e também de médicos, o que reflete a falta de dinheiro dos
municípios. Por isso, muitos pacientes vão aos hospitais da assistência
secundária, onde o atendimento de emergência é sobrecarregado com casos que não
são de emergência. "Isso sobrecarrega o sistema secundário, e o sistema
terciário vai na mesma onda. Vira um efeito cascata."
ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA SOBRECARREGADO
Na zona sul do Rio, as unidades do SUS estão sobrecarregadas
com pacientes da periferia da cidade e do interior. "Em muitos municípios
do estado do Rio, a política de saúde pública se limita à compra de
ambulâncias. Pega uma ambulância e despeja o paciente no sistema da
capital", diz Flávia.
O mesmo acontece em todo o Brasil. Como as unidades
primárias não funcionam, pacientes costumam ser transportados de ambulância,
por centenas de quilômetros, para capitais ou outras grandes cidades. Em
clínicas especiais de Teresina, por exemplo, há pacientes de todo o Nordeste, e
em Goiânia, de todo o Centro-Oeste. Como consequência dessa concentração, o
governo acaba destinando mais recursos para esses locais, e as condições
precárias nas unidades primárias não se alteram.
PROGRAMA MAIS MÉDICOS
O programa Mais Médicos, iniciado em 2013, deveria preencher
essa lacuna e enviar médicos para as regiões onde há carências de
profissionais. Como havia poucos candidatos, a saída encontrada foi contratar
médicos cubanos. "Não é só que os médicos brasileiros não querem ir. O
problema é que lá não tem recursos nas clínicas, não tem medicação, não tem
equipamento", afirma Flávia.
Ela trabalhou durante anos no Hospital Universitário Pedro
Ernesto, da Uerj. Nos dois anos finais, pagou do próprio bolso as agulhas
necessárias para a biópsia.
"Dinheiro até tinha, mas faltava gestão", comenta.
A burocracia sobrecarregava os médicos que cuidavam da administração do
hospital.
O sistema central de distribuição de consultas tem problemas
bem maiores. "Encaixar o paciente onde tem vaga é um ideia linda, só que
não funciona", afirma Flávia. E exemplifica: um cirurgião não
necessariamente vai confiar no raio-x feito por um radiologista que ele não
conhece num outro hospital. "Agora multiplica isso por milhões de pacientes.
Acabou a troca de informações entre as unidades, as clínicas não se comunicam
mais." O resultado é uma situação caótica.
Flávia decidiu abrir a própria clínica no zona sul do Rio,
mas continua fazendo biópsias no Inca por se sentir ligada ao SUS. "Saúde
é um direito de todos e um dever do Estado. É uma ideia genial e maravilhosa, e
seria maravilhoso se funcionasse, principalmente esse tapete da assistência
básica."
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