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domingo, 16 de abril de 2017

A apoteose do ovo de Páscoa

A turma dos gulosos se prepara para comemorar a chegada da Páscoa. Embrulhados em celofane, enfeitados com laços ou envoltos em papéis de cores crepitantes, os típicos ovos de Páscoa abarrotam os balcões de cafeterias e confeitarias nesta época do ano. Refiro-me àqueles ovos de chocolate que normalmente acompanham a figura de um coelho, ícones gulosos que o mundo infantil recebe com regozijo.

Que razões justificam nesta época a apoteose do ovo? Não quero aborrecer com histórias antigas, apenas esboçar algo que nos ajude a lembrar do valor simbólico de outro ícone atávico, além do alimento que, vinte séculos depois, ainda palpita cheio de pujança.

Na antiguidade pagã o ovo, germe e semente de uma nova vida, estava vinculado ao equinócio da primavera e à ressurreição periódica da natureza. Transição que acontecia quando o frio do inverno ficava para trás. O ano começava em março, depois da primeira lua nova, quando a natureza voltava à vida. Assim aconteceu até que Julio Cesar, no ano 46 de nossa era, modificou o calendário romano. No entanto, não foi apagada a etimologia dos últimos meses –setembro (sete), outubro (oito), novembro (nove) e dezembro (dez)– que revela o lugar que ocupavam na primitiva divisão do tempo.

Para os povos antigos, a primavera era o período mais importante do ano. Da fecundidade das colheitas dependia o bem-estar de comunidades inteiras. Não é de admirar que Roma dedicasse o mês de abril a Vênus, deusa do amor, símbolo da fertilidade e da beleza. É lógico também que fossem feitas oferendas às divindades pagãs. Ritos em homenagem à mãe Terra invocando a fertilidade dos campos. Práticas que eram fielmente refletidas nos pães rituais romanos, na maioria dos quais o ovo desempenhava um papel decisivo.

A Munda era cestas de frutas e doces oferecidas à deusa Ceres. Daquelas oferendas derivariam as massas de farinha com ovos em seu interior (monas) semelhantes às que conhecemos.

Que ninguém me diga agora que no começo do século passado a tradicional mona catalã iniciou um processo de evolução; primeiro para a mona-pastel (bolo) e depois para a mona-monumento, obras de arte feitas com chocolate, orgulho da confeitaria barcelonesa. Já o sabemos.

Tampouco é necessário que me lembrem que, originalmente, a mona era o bolo doce que os padrinhos davam aos afilhados no Domingo da Ressurreição em diferentes lugares da Espanha, geralmente com um número de ovos incrustados igual à idade do afilhado. As citações literárias e os relatos  espanhóis são fartos em alusões e rituais primaveris de todos os tipos com a presença do ovo.

Felizmente, vinte séculos depois nossa civilização não conseguiu acabar com o papel simbólico desses hábitos de enraizamento milenar. Sorrio quando ocasionalmente alguém me lembra que a gastronomia é cultura. Quem tiver alguma dúvida que mergulhe um pouco na nossa história, na literatura e na antropologia. Fonte: El País - Madri 14 ABR 2017

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