A turma dos gulosos se prepara para comemorar a chegada da
Páscoa. Embrulhados em celofane, enfeitados com laços ou envoltos em papéis de
cores crepitantes, os típicos ovos de Páscoa abarrotam os balcões de cafeterias
e confeitarias nesta época do ano. Refiro-me àqueles ovos de chocolate que
normalmente acompanham a figura de um coelho, ícones gulosos que o mundo
infantil recebe com regozijo.
Que razões justificam nesta época a apoteose do ovo? Não
quero aborrecer com histórias antigas, apenas esboçar algo que nos ajude a
lembrar do valor simbólico de outro ícone atávico, além do alimento que, vinte
séculos depois, ainda palpita cheio de pujança.
Na antiguidade pagã o ovo, germe e semente de uma nova vida,
estava vinculado ao equinócio da primavera e à ressurreição periódica da
natureza. Transição que acontecia quando o frio do inverno ficava para trás. O
ano começava em março, depois da primeira lua nova, quando a natureza voltava à
vida. Assim aconteceu até que Julio Cesar, no ano 46 de nossa era, modificou o
calendário romano. No entanto, não foi apagada a etimologia dos últimos meses
–setembro (sete), outubro (oito), novembro (nove) e dezembro (dez)– que revela
o lugar que ocupavam na primitiva divisão do tempo.
Para os povos antigos, a primavera era o período mais
importante do ano. Da fecundidade das colheitas dependia o bem-estar de
comunidades inteiras. Não é de admirar que Roma dedicasse o mês de abril a
Vênus, deusa do amor, símbolo da fertilidade e da beleza. É lógico também que
fossem feitas oferendas às divindades pagãs. Ritos em homenagem à mãe Terra
invocando a fertilidade dos campos. Práticas que eram fielmente refletidas nos
pães rituais romanos, na maioria dos quais o ovo desempenhava um papel
decisivo.
A Munda era cestas de frutas e doces oferecidas à deusa
Ceres. Daquelas oferendas derivariam as massas de farinha com ovos em seu
interior (monas) semelhantes às que conhecemos.
Que ninguém me diga agora que no começo do século passado a
tradicional mona catalã iniciou um processo de evolução; primeiro para a
mona-pastel (bolo) e depois para a mona-monumento, obras de arte feitas com
chocolate, orgulho da confeitaria barcelonesa. Já o sabemos.
Tampouco é necessário que me lembrem que, originalmente, a
mona era o bolo doce que os padrinhos davam aos afilhados no Domingo da
Ressurreição em diferentes lugares da Espanha, geralmente com um número de ovos
incrustados igual à idade do afilhado. As citações literárias e os relatos espanhóis são fartos em alusões e rituais
primaveris de todos os tipos com a presença do ovo.
Felizmente, vinte séculos depois nossa civilização não
conseguiu acabar com o papel simbólico desses hábitos de enraizamento milenar.
Sorrio quando ocasionalmente alguém me lembra que a gastronomia é cultura. Quem
tiver alguma dúvida que mergulhe um pouco na nossa história, na literatura e na
antropologia. Fonte: El País - Madri 14 ABR 2017
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