A revista americana "Men's Health" elegeu o
soldado Noah Galloway como "o corpo mais perfeito do mundo".
Pormenor: Noah Galloway não tem um braço e não tem uma perna. Mas isso não
impediu a revista de fazer capa com o veterano de guerra e coroá-lo com
semelhante epíteto adônico.
Era George Orwell, creio, quem dizia que o mais difícil no
mundo era enxergar a realidade que temos diante dos olhos. Orwell tinha razão.
Porque Noah Galloway não tem "o corpo mais perfeito do mundo". Tem um
corpo amputado, que só por covardia politicamente correta é possível
classificar como "o mais perfeito do mundo".
Covardia e, pior que isso, uma desavergonhada falta de
respeito pela deficiência física.
Ponto prévio: a deficiência física não tem nada de especial.
É um fato moralmente neutro —como ser alto ou baixo, magro ou gordo, bonito ou
feio.
Mas não é um fato esteticamente neutro: o Corcunda de Notre
Dame não está no mesmo patamar de Gisele Bündchen. E afirmar que um corpo sem
um braço e uma perna é "o mais perfeito do mundo" soa tão ridículo
como coroar Dilma Rousseff como a mulher mais bela do Brasil.
O que parece "moderninho" e
"despreconceituoso" resvala tristemente para o anedótico e para o
insultuoso. E, ironia maior, demonstra um desconforto com a própria
ideia de deficiência física que se procura "normalizar"
desesperadamente (e pateticamente) com delírios hiperbólicos de sentido
inverso.
Porque esse é o problema eterno do pensamento politicamente
correto: para proteger a "sensibilidade" das minorias, as brigadas
preferem a falsificação constante da realidade. Essa falsificação é sempre mais
ofensiva do que qualquer discriminação real.
O pessoal da "Men's Health" deveria saber que há
deficiências maiores do que não ter braços ou pernas. Não ter cabeça, por
exemplo, é mil vezes pior. Fonte: Folha de São Paulo - 04/11/2014 - João Pereira Coutinho, escritor
português
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